“Por onde andam meus pés”? Dia 10.

Hoje a foto é quase uma desculpa para mostrar a nova decoração da parede do meu quarto de estudos.
Nós estamos fazendo uma boa arrumação na casa para o Ano Novo. Coisas mais estruturais sabe?
Aparafusamos o vaso sanitário no chão. Aparafusamos mais ou menos… Na verdade quem fez o trabalho foram meu marido e a família dele.
O vaso já tinha quebrado há quase um mês. Nós tentamos até chamar o cara que estava trabalhando na obra aqui do lado, num apartamento vizinho, para resolver aqui a situação.
Beleza. Pedimos o telefone do homem para a dona do apartamento, começamos a ligar e nada. Fomos lá falar com a mulher para confirmar o número e ela falou que era para tentar ligar só de madrugada! Que doideira, cara. Mas, ok. Passamos a ligar lá para depois de meia noite. E não deu jeito. Não conseguimos falar com o cara nem vimos mais ele aqui na obra.
A alternativa foi meter a mão na massa.
Eu e meu marido estamos pensando em sair do país. Aposto que você também está, certo? Bom, a probabilidade era alta de você dizer sim. Tem muito gente pensando nisso. Porque eu mudei de assunto assim bruscamente? Então, estávamos pensando em sair do país e, no exterior, queríamos realmente mudar de vida. Tentar outra profissão, viver uma vida simples e pacata. Nesse sentido, eu considerei fazer um curso de mestre de obras. Acho que eu ia gostar, sendo bem paga, de trabalhar construindo coisas. Meio como aquela música “Cidadão” do Zé Ramalho. Só que sem a parte triste… Vê-los fazendo esses trabalhos braçais me fez pensar nessas coisas… Enfim, assunto para que eu me estenda em outro texto.
Quanto ao vaso, já não era sem tempo de concertar.
Estávamos fazendo xixi no bidê e o número dois na rua na maioria das vezes porque estava um perigo sentar naquele vaso.
Consertamos a descarga também. Todo mundo sabe que a desgraça vem em pares. Então, pouco depois que o vaso quebrou, a descarga deu pau também.
Além disso, mudamos alguns móveis de lugar. Ficou bem melhor do que estava antes. Estou feliz com a mudança e a nova decoração. Subi e desci da cadeira o dia todo para colar esse papel contact na parede. Isso mesmo! Papel contact. Aquele que a gente usava para encapar cadernos do CA até a quarta série.
Meu pé penou muito. Mas lembra o que eu disse? São as costas que estão doendo e não os pés. Eles quase nunca reclamam.
E foram meus pés e mãos que me levaram a terminar o dia apreciando ainda mais este apartamento. As costas estão doendo porque eu não devo saber me mexer direito, não é?! Eu devo fazer tudo colocando peso na coluna, porque isso é incompreensível. Nem peso eu peguei. Mas, enfim…
Depois da perda, há poucos meses, do primeiro apartamento onde morei com meu marido, tenho sentido a necessidade de investir mais nesse aqui.
Os maiores problemas do meu apartamento atual são o barulho e a poluição.
Em relação ao barulho eu já tomei a decisão de trocar as janelas por aquelas a prova de som. Resolução para o ano de 2018.
Tem 19 pistas de carro que passam bem aqui embaixo da janela do meu apartamento. 19. Tem noção? É muito barulho e muita poluição.
Pois bem, para o barulho, a tal janela especial. Ela é feita de um vidro bem grosso, da largura de um tijolo.
A poluição já é mais complicada de combater. Eu decidi adquirir um purificador de ar. Além disso, estou escolhendo plantas para o apartamento que parecem ajudar a combater a poluição. Vi uma reportagem na internet com as cinco plantas que a NASA recomenda para tal propósito. Não resisti. Muito maneiro isso de: “Eu adquiri as plantas que a NASA recomenda”! Me sinto importante. Já comprei três delas e estou procurando as outras duas. Vou deixar o link da reportagem para vocês.

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151127_plantas_poluicao_mdb

Como é da BBC, eu acreditei.
Eu havia planejado fazer esta série dos pés até amanhã. Para fazer um balanço de por onde eu andei nos últimos dias do ano. O interessante é ver que, apesar do clima do fim de ano, da quebra da rotina, das obrigações diferenciadas desse período, a vida não muda tanto assim. Eu continuo trilhando os mesmo caminhos de sempre.
O bom foi que este foi um exercício de Mindfulness. (Não sabe o que é? Depois eu explico melhor!). Me fez prestar mais atenção a estes mesmo caminhos de sempre. Bom, mas o balanço completo eu faço amanhã.
Por hoje eu vou terminar de arrumar a casa, pois ainda tem umas coisinhas fora do lugar.

“Por onde andam meus pés”? Dia 9.

Mais um dia, mais amigos.

Hoje fomos almoçar fora e comprar plantas na CADEG – o Mercado Municipal do Rio de Janeiro. Sabe aquele centro turístico que você visita quando vai à São Paulo que tem muita comida boa? Então, aqui no rio também tem (pena que a comida é tão cara. Se não fosse assim, eu iria mais vezes).

Para comprar plantas o mercado é muito bom e muito barato.

Os assuntos do dia foram preconceito linguístico e uma prova filosófica da existência de Deus supostamente baseada em premissas comprovadas pela Física. Pois é. Meus amigos são todos muito inteligentes, esses de hoje são os que adoram falar sobre assuntos acadêmicos o tempo todo.

A questão do preconceito linguístico apareceu quando estávamos falando sobre correção de provas. Alguns de nós são professores e temos a missão de “testar” o conhecimento dos alunos. Estávamos comentando o fato alarmante de que alguns alunos entram na faculdade sem ter o mínimo domínio da língua escrita. Algumas coisas que os alunos escrevem nas provas são indecifráveis. A questão é: pedir que os alunos utilizem a norma culta da língua resolve esse tipo de problema? Ou será que estaríamos apenas cometendo preconceito linguístico sem colaborar em nada para o desenvolvimento acadêmico, e intelectual de uma maneira mais ampla, dos nossos alunos? Resumindo: a norma culta da língua não garante o 10 que depende do domínio da matéria e da clareza e coesão da expressão escrita do aluno.

No fundo, no fundo, enquanto estamos tendo essas discussões, eu fico pensando: “Meu Deus! Como a gente cresceu! Meus amigos agora são professores universitários! Eu mesma comecei a dar aulas em uma instituição de pós-graduação. Eu me seguro para não comentar estas coisas o tempo todo porque as pessoas simplesmente dizem: “E daí, menina? É isso mesmo”. Daí que eu acho que eu sou muito deslumbrada com a vida e acho todas as coisas maravilhosas e impressionantes. De vez em quando eu tenho crises de riso, baixinho quando estou sozinha, pensando no fato de ter conhecido e me casado com o meu marido, de ser filha da minha mãe, neta da minha avó, de ter escolhido a profissão que escolhi. Tudo isso tinha tudo para dar errado. Se eu tivesse virado à direita no lugar de virar à esquerda em alguma das esquinas da vida… Tudo poderia ter sido diferente.

Isso nos leva ao segundo tópico da discussão de hoje, a prova da existência de Deus. Também resumidamente: Para que houvesse a possibilidade de existir vida no nosso universo do jeito que existe – veja bem, para existir a possiblidade de existir vida, como meu amigo frisou, não a vida em si, mas a mera possibilidade dela – todas as constantes da física só poderiam variar dentro de um intervalo muito pequeno dentro de uma infinidade de possibilidades. Só um design inteligente poderia ter feito com que tudo acontecesse precisamente desta maneira. Essa é a ideia. O problema com este argumento é que ele não é o mais simples possível. O mais simples possível é acreditar no acaso. O mero acaso.

Veja bem, o Deus que a filosofia pretende provar não é o Deus da religião. Ele não é um Deus onipotente, onisciente, onipresente e amoroso. A prova filosófica só consegue falar de uma força, consciente e dotada de vontade, que escolheu criar um universo com a possibilidade de que existisse vida nele. E ponto final.

Como eu disse, o acaso é a explicação mais simples. Mas eu entendo. Eu não falei com vocês do meu marido? Da minha mãe? De todas as coisas que aconteceram na minha vida? Pensar que tudo isso vem do mero acaso é pouco romântico e angustiante.

Imagine os votos de casamento desse universo perfeitamente racional:

 

“Fulano, é até difícil para mim dizer que fico feliz em ter te conhecido e escolhido me casar com você, porque eu tenho certeza de que se o acaso tivesse colocado outra pessoa no meu caminho as chances de eu me apaixonar por essa outra seriam, teoricamente, as mesmas. Mas foi você que apareceu, então… Ok. Ficaremos juntos, de hoje em diante, até que o acaso nos separe da mesma maneira aleatória que nos uniu”.

 

Nada Disney, não é? (Sem contar com o fato de que nesse universo perfeitamente racional é bastante possível que não existisse casamento).

Como doutoranda em filosofia devo dizer que amo discutir temas etéreos e tão fundamentais quanto Deus e a origem do universo, a essência do ser humano e os fundamentos do comportamento ético, mas, sinceramente, essas discussões só têm significado na minha vida, porque posso dividi-las com esses pezinhos encharcados.  

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“Por onde andam meus pés”? Dia 8.

Hoje as estrelas foram os pés dos amigos.

Pés que vêm visitar e que, às vezes, custam a ir embora (importante deixar claro que isso é uma coisa maavilhosa :P). Pés que vêm de longe algumas vezes e pés que pisam a casa inteira durante os fins de semana de estadia. Tem um pé em especial, que quando vem aqui, sempre destrói ou quebra alguma coisa, mas como esses pés também já ajudaram! Subiram e desceram escada durante a pintura do apartamento novo, sustentaram o peso dos móveis na mudança.

Pés descalços como o meu ou os pés calçados que me deixam louca. Não entendo esse povo que adora um sapato. Quando vem um amigo de tênis eu obrigo a tirar. Não quero nem saber. Durante a semana são os pés cansados, cheios de chulé que pisam esta casa.

São todos pés muito bem-vindos.

Tem também os pés sumidos, que nunca pisaram esse território. Cadê vocês? Já passou da hora de conhecer meu chão.

Eu lembro de quando era educado tirar o chinelo para entrar na casa dos outros. Quantas texturas de chão diferente já passaram pelas solas dos meus pés.

Chãos encerados, chãos cobertos de pelo de cachorro e gato, chãos de terra batida, chãos de taco, de cerâmica e de madeira, chãos sujos.

É estranho que eu me lembre do chão da casa das pessoas?

Nos dois apartamentos que eu morei até hoje desde que saí da casa da minha mãe, o chão foi algo que eu fiz questão de mudar para ficar do meu jeito. Afinal, eu aproveito muito o chão da casa. Eu sento e deito no chão e ando descalça.

Não é que eu goste de piso perfeito. Lembro que no quarto onde eu dormia na época que morei na casa da minha avó tinha uma cerâmica quebrada. Olha, eu nunca gostei de quebra-cabeça, mas como eu gostava de ficar encaixando e desencaixando aquele negócio! Tinha um quebradinho na cozinha também… Eu quase senti pena quando essas “imperfeições” foram consertadas.
Sempre dizem que o mais importante dos sentidos humanos é a visão. Importante no sentido de ser o sentido ao qual prestamos mais atenção. Ele monopoliza a nossa percepção do mundo. E é verdade. Temos que nos esforçar para prestar atenção aos outros sentidos. E esse é um exercício que vale muito a pena.

Eu sei que você deve acreditar que a friagem entra pelo pé, mas eu quase nunca gripo ou fico resfriada. Então deixe o medo de lado e dê mais pisadinhas nas coisas.

Duas das coisas que eu não gosto de pisar: algas, que me dão um nervoso extremo, e chão de lagoa, que tem uma textura meio lodosa que me dá arrepios. Fora isso… Tenho curiosidade de como seria pisar em brasa… Ou em pregos, como naqueles espetáculos nos quais as pessoas fazem coisas inimagináveis!

“Por onde andam meus pés”? Dia 7.

Bem assim, um pé dentro e um fora de casa. Simbólico do modo como eu passei meu dia.
Esse clima de fim de ano…
Eu tenho um amigo que disse que começa a sentir os ares mudando no início de dezembro. Eu só sinto isso agora, entre o Natal e o Ano Novo. Ainda bem. Porque eu acho esse clima um saco.
Por um lado a empolgação com o ano que começa, por outro a vontade de ficar de bobeira o dia todo, um pé no ano novo e um no ano velho.
Parece que fica tudo em suspenso. Como quando você espera o fim de semana acabar para começar uma dieta na segunda feira.
Eu tenho pensado nas minhas metas para o ano que vem.
Já tenho alguns planos esboçados, alguns desejos. Nada ainda muito decisivo.
Estabelecer metas não é algo leviano. Quando estabelecemos metas sem responsabilidade e determinação, acabamos não conseguindo cumprí-las e ficamos desmotivados.
Ao estabelecer metas devemos ter cuidado para manter o equilíbrio em nossa vida e para não irmos contra os nossos valores.
Não podemos estabelecer metas sem um período de reflexão antes, mas depois de estabelecida a meta, temos que estar com os dois pés dentro.

Então imagine o seguinte: imagine que você está em um campo minado. Há um caminho marcado nesse campo por onde dizem que é seguro atravessar. Mas, quem sabe? Você não tem certeza dessa informação. O que faria você atravessar esse campo?

Normalmente esse tipo de experimento mostra as áreas da sua vida que você mais valoriza. E dá muito certo estabelecer metas para essas áreas da vida.
O problema é que geralmente adotamos metas externas, sociais, e acabamos frustrados e se força de vontade para continuar buscando a sua realização.
Você por acaso viu do outro lado do campo minado você mesma, saradona, em roupa de banho? Não? Talvez emagrecer seja para você uma meta socialmente imposta. Confie em mim. Torne-se uma pessoa mais satisfeita com a sua vida e o seu corpo em primeiro lugar. E depois emagrecer vai ser mais fácil SE isso ainda for uma questão para você.
Assuma o compromisso de perseguir as suas próprias metas no ano que vem e seja mais feliz em 2018! Os dois pés dentro!

“Por onde andam meus pés”? Dia 6.

Quando eu fico dois dias seguidos ou mais na casa da minha avó, eu não resisto. Eu começo a aproveitar o bairro.
Atrações turísticas? Várias barraquinhas de açaí, a pizzaria que tem a melhor pizza do mundo, que é uma meio a meio de atum com banana, a praça da Igreja (que vocês conheceram ontem) e o hambúrguer que me introduziu no mundo do fast food.
Claro que eu não subo mais no trepa-trepa constantemente (ainda que, com dois primos pequenos, eu já tenha feito isso com mais frequência do que o esperado de outras pessoas da minha idade, que são zero vezes), mas essa foto não é tão artificial assim. Deve ter, no máximo dois anos a última vez que eu brinquei nesse negócio.
Sinceramente, esses parques que os adultos podem ir não estão com nada. A gente paga caro para ficar dois minutos no brinquedo, não faz atividade física nenhuma, corre o risco de morrer e vomita no final! Bom mesmo é balanço, escorrega, gangorra e trepa-trepa. Eu só vou no parquinho quando não tem criança nenhuma lá. Então, não me critiquem por ficar ainda sentada num balanço sempre que posso.
Eu vejo menos crianças nos parquinhos do que eu costumava ver antigamente. Me parece que tem menos crianças brincando na rua. Outros adultos têm a mesma impressão que eu. Ficar mais velho é sempre assim mesmo, não é? Começar a achar automaticamente, sem nenhum tipo de reflexão crítica, que na nossa época tudo era diferente e melhor.
Se você conversar com os ex-adolescentes que ficavam comigo na rua naqueles dias, eles vão te dizer que a gente deu sorte, que na nossa época ainda dava para ficar na rua, hoje em dia não mais, porque está tudo muito perigoso. O caso é que, quando eu saía para a rua, minha mãe ficava muito preocupada, porque estava tudo muito perigoso, já era um pouco perigoso na época dela, mas dava para levar. Minha avó já vai te dizer que o medo maior na época dela era com a honra, não tinha essas coisas de violência. Os nossos filhos vão proibir os filhos deles de sair de casa por causa do aumento da violência ou de outro perigo qualquer.
Você deve estar pensando: “mas a violência aumentou mesmo”. Olha só, ou a gente está caminhando para uma distopia bizarra, ou você está apenas sendo enganado pelo truque que engana todo mundo. O de achar que tudo era melhor na nossa época.
Eu também acho que era tudo melhor na minha época! Claro! Apesar das gerações que vieram antes de mim afirmarem que boa mesmo era a época deles, eu acho que a minha é que é a melhor de todas.
O problema é que o ser humano é um bicho que tem propensões estúpidas: ele tem medo do desconhecido e se apega excessivamente ao que conhece. Está aí toda a falha da educação das crianças.
Nós criamos as crianças em um mundo novo, que não é aquele em que nós vivemos. Esse mundo novo é cheio de perigos e armadilhas novas que nós não experimentamos. Não temos as ferramentas necessárias para combater esses novos perigos. Então imbuímos nossos filhos com a única coisa que temos para protegê-los: medo. E é essa herança que eles vão passar adiante.
Quanto a nos apegarmos excessivamente ao que conhecemos, isso se reflete no fato de ser muito difícil para os pais verem os filhos desenvolverem hábitos novos, que a geração deles não tinha, se comportarem de modo diferente, de um jeito que os incomoda e que eles chamam errado e não saudável. Os pais se incomodam, e brigam, e castigam seus filhos porque eles desviam do modo como os pais foram criados.
Existem aqueles pais que fazem questão de não passarem a educação que receberam, é verdade, geralmente por esta ter sido excessivamente rígida. Esses pais também são excessivamente apegados ao que lhes é familiar e vão pecar com seus filhos também. A diferença é que aqui a familiaridade é com o que esses país cozinharam na cabeça deles como forma de educação adequada. Eles se apegaram a uma idéia de educação e é essa idéia familiar que eles lutam para por em prática.
É muito difícil para os pais verem seus filhos se tornarem pessoas novas, independentes e, principalmente, diferentes deles, do que eles viveram quando eram pequenos ou do que queriam ter vivido.
É nesse turbilhão e nessa batalha de emoções que nós crescemos. Não é de se espantar que percamos algumas noites de sono pelo caminho.
Dizer isso não significa que eu não vou fazer besteira se um dia resolver ter filhos. Quer dizer apenas que, hoje em dia, eu adoto a postura política de respeitar a época das crianças.
Você gostava que os adultos falassem mal o tempo todo do mundo em que você vivia? Dizendo que bom mesmo era um mundo que tinha acabado e que você nunca iria conhecer? Isso era desolador. Um desrespeito com as crianças.
O melhor que você pode fazer hoje é pedir que as crianças te contem como está o mundo atualmente, elas sabem melhor do que você. Elas serão os adultos que vão educar os filhos amanhã com base no que vêem hoje. No lugar de tentar fazer ela engolir a sua visão – Você sabe que ela não vai engolir, não é? Você não desenvolveu a sua visão de mundo particular, diferente daquela dos seus pais? Elas também irão – pergunte qual é a visão de mundo dela. Escute para depois saber como orientar. Saiba quem é aquela pessoa, para que depois você possa tentar ajudá-la a atingir o potencial dela.
A despeito das suas ternas memórias da infância, todos os mundos, daqui para frente e daqui para trás, foram tão bonitos e felizes para as crianças que eles abrigaram quanto o seu foi para você. Aprenda a respeitar isso.

“Por onde andam meus pés”? Dia 5.

A infância é bastante superestimada. As (poucas) memórias que nos sobram dela parecem sempre repletas de magia, paz e felicidade. Se a infância é isso tudo mesmo ou não, discutimos depois.
De qualquer modo, eu gosto de lembrar da infância, como tudo mundo. Mas eu geralmente me lembro mais da adolescência. Acho que ela foi mais agitada, teve mais emoções intensas e é bem mais fácil de lembrar.
Hoje meus pés me levaram de volta à essa época.
Depois do almoço (que acabou seis horas da tarde e estava delicioso) eu fui dar uma volta pelo bairro da minha avó (tinha que esperar o sol baixar também, não é? Vocês se lembram que eu disse que aqui é quente para cacete).
Fui parar na praça da Igreja onde eu passava boa parte dos meus finais de semana entre os treze e os dezesseis anos.
Cheguei lá já na intenção de relembrar o passado e pensar o que ia escrever no texto de hoje.
A primeira coisa que eu lembrei foi a quantidade de gente que eu conhecia na época. Fiquei me perguntando como eu, tão anti-social, conseguia conhecer aquela galera toda. Não passou um minuto, uma rapaz se aproximou e me pediu o isqueiro emprestado. Ele me perguntou o que eu estava fumando. Tabaco. Ele também já tinha fumado tabaco e achava muito bom. De vez em quando, ele fumava outras coisas também. Um amigo dele também adorava uma onda. Eu só no: Uhum…. Ele chamou o outro rapaz: chega aew!!! O menino veio. Acredita que esse outro rapaz, apesar de aparentar já quase trinta anos, não dormia com a luz apagada! Nem abajur servia. Tinha que ser luz acesa mesmo. Me pergunta como eu soube se tudo isso? Nem eu sei. Os garotos só chegaram e começaram a falar da vida. Eu nem pude pensar no que eu havia planejado pensar. Mas eu sai dali com todas as respostas. É assim que uma garota anti-social fez tantas amizades em um bairro do subúrbio: ficando parada por cinco minutos numa praça qualquer.
Os ares da adolescência são menos místicos do que os da infância, mas ainda tem um quê especial.
Me entende?
A voz do rapaz falando coisas aleatórias da vida dele como se me conhecesse há dez anos, o pessoal ali na quadra jogando bola, a conversa alta da galera na mesa ao lado, o motor das motos que passavam na rua, o canto da missa que estava rolando.
Eu passei a adolescência no meio desses sons. E esses mesmos sons continuam lá! Inacreditável.
O cenário da minha adolescência ainda está montado, eu que me aposentei daqueles palcos.
Eu não viveria tudo aquilo de novo nem se você me pagasse. Mas com certeza é bom juntar os amigos num banco de praça para relembrar os velhos tempos.

“Por onde andam meus pés”? Dia 4.

Contei para vocês a sensação das pedrinhas do quintal da minha avó sob os meus pés descalços. Agora vocês estão apresentados.
O chão estava quente naquela hora que eu tirei a foto. O calor, as pedrinhas e o Natal.
Foi para a casa da minha avó que meus pés me trouxeram hoje (com a ajuda dos pneus do carro da minha mãe, porque é bem longe).
Todos os anos nós passamos o Natal aqui. Assim como todos os domingos de todos os anos. Esta família se reúne sempre.
Eu sei que existem famílias que esperam o Natal para se reunir e brigar, a gente faz isso periodicamente. Toda semana nós nos reunimos, comemos, rimos e brigamos. No Natal só muda a hora. No lugar de ser no almoço é na janta.
O dia é corrido, passado inteirinho dentro da cozinha: maionese, farofa, várias farofas diferentes, arroz, macarrão, rabanada, carnes, várias carnes diferentes também. O dia inteiro de forno e fogo ligados. Muito calor.
Aqui é muito, muito quente. Tão quente que um ventilador de teto na cozinha não dá jeito.
Hoje, lá pelas quatro, começou a chover, só que não deu nem tempo de dar graças a Deus antes de faltar luz. O ventilador de teto parou e o calor nem tchum. A chuva não refrescou a casa. Me fale de apreciar as pequenas coisas! Uma brisa fresquinha fazia todos pararem e suspirarem.
Nesse clima, cozinhar foi um suplício ainda maior.
Comer a rabanada com café no fim da tarde foi um suplício.
Eu estou tentando escrever e está difícil de me concentrar sentindo as gotas de suor escorrendo da dobra do joelho… da dobra do braço… na testa… nas costas.
Eu fiz uma pausa na escrita do texto para tomar banho e mesmo depois do banho continua quente.
Hoje eu derramei açúcar em cima de mim e foi muito difícil de limpar porque ele meio que derreteu no meu colo suado. Eu tive que ir lá fora no tanque tomar um semi-banho de torneira.
Eu tenho uma lembrança de tomar banho de tanque lá fora quando eu era pequena. Era de noite e a luz da área estava acesa… A iluminação era relaxante. E, naquela época, já fazia calor aqui, então um banho lá fora era o paraíso.
Tem o chuveirão também, lá no quintal, mas com a idade parece que vai ficando mais difícil simplesmente ir lá, e se molhar, e secar ao relento sentada no portão conversando com os amigos como eu fazia antes. Não. Conforme o tempo vai passando eu fico cada vez mais tempo aqui dentro ajudando a cozinhar.
Está muito calor aqui. Mas daqui a pouco todo mundo vai chegar da missa de qualquer jeito, todo mundo vai comer a comida quente de qualquer jeito e vai se abraçar também para desejar feliz Natal. Aqui a gente ignora quando alguém diz: não me abraça não que eu tô suado! Se fosse assim ninguém se tocava.
Está muito calor aqui e mesmo assim eu vou voltar ano que vem e domingo que vem.
As tradições funcionam assim: sempre tem um desconforto, mas alguma coisa compensa o sofrimento. Por mais que você olhe de soslaio para as mensagens clichés, por mais que você xingue todo mundo quando você está no shopping cheio comprando presentes que você não tem dinheiro para pagar, quando você está derretendo na cozinha…
E aí? O que é que tem no Natal e nas tradições de um modo geral?
Tem a sensação das pedras debaixo dos pés descalços: o gosto da infância que já não tem mais tanto glamour assim, mas que, por algum motivo, você não consegue abandonar.
Você não larga disso tudo porque você sabe, lá no fundo, que não tem muito para onde correr.

“Por onde andam meus pés”? Dia 3.

Talvez eu devesse agradecer aos meus pés pelos caminhos que percorro todos os dias. É que os pés são tão fáceis de ignorar… É mais fácil racionalizar e julgar sempre que a cabeça é a grande estrela da vida. A muito custo ela divide o palco com o coração. O estômago às vezes também marca presença, pelo menos o meu, mas os pés…. Mesmo quando andamos muito quem dói são as pernas.
E foi graças ao fato de estar prestando atenção aos meus pés que eu notei hoje, perto de casa, uma jabuticabeira.

Quando eu era mais nova eu gostava muito de andar à esmo pela cidade. Naquelas ocasiões eram verdadeiramente, de maneira inegável, meus pés que guiavam o caminho. Eles confabulavam com o vento e para onde apontavam eu ia. Perdi esse costume e passei a ignorar meus pés.

Eu devia ter percebido a dica quando li “Mulheres que Correm com os Lobos”. Se trata, na verdade, de seguir os próprios pés. Essa é a verdadeira sabedoria.

Acusamos certas histórias, morais e exortações de serem clichés. Pois bem, todas as histórias, as morais e as exortações orientais que atualmente são populares no ocidente tentam nos mostrar que a verdadeira sabedoria não está na cabeça e nós ainda não aprendemos.

A última que ouvi foi de um jovem monge que se preparou por três anos para sua última prova de sabedoria, quando deixaria de ser o aluno para se tornar o mestre. Ele estudou todos os segredos do universo e tinha certeza de que ia se sair magnificamente bem. No caminho para o templo onde realizaria o exame, repassou todo o conteúdo em sua mente. Sabia tudo. Chegou em silêncio, respeitosamente, e ajoelhou-se diante de um tablado. Depois de um instante o mestre que estava a sua espera disse: “Está um belo dia lá fora. Quais são mesmo as cores das flores na entrada do templo”? O jovem monge se deu conta de sua estupidez e partiu para se preparar por mais três anos e repetir o teste.

A moral cliché? “Stop and smell the flowers.” (Pare e cheire as flores). Ou seja, pare e preste atenção à vida ao seu redor. Mais cliché impossível. Mas nós ainda não estamos cheirando as flores.

Talvez se o monge estivesse prestando mais atenção aos próprios pés, ele tivesse passado no teste.

“Por onde andam meus pés”? Dia 2.

Hoje meus pés passaram o dia em casa e a maior parte dele na posição da foto.

Isso pode parecer desconfortável, mas, na verdade, não é. E eu pude ficar descalça o dia inteirinho, o que é perfeito.

Passei o dia estudando. Infelizmente meu fim de ano está tomado por obrigações acadêmicas. Não foi um mal dia, contudo. A temperatura estava boa, a comida já foi de feriado e o tema de estudo era interessante.

Tirando a foto de hoje, eu percebi como a parede e o chão estavam sujos. Depois de tirar uma primeira foto, eu varri o chão e tirei outra depois para postar. A parede eu deixei por ser meio que uma marca do tempo que eu passei aqui sentada, estudando e esfregando o pé nela.

Meus pés tiveram de pacientemente esperar enquanto eu prestava atenção em outras coisas. Essa é uma realidade constante na vida dos pés. Por exemplo, agora mesmo, estou escrevendo sobre eles, mas estou pensando nessas caixas coloridas aqui do meu lado que acabaram aparecendo na foto. Elas estão cheias de papel.

Eu me mudei no início deste ano. Antes da mudança, eu e meu marido fizemos uma limpeza. Jogamos coisas fora, doamos roupas… Foi um detox ambiental. E, ainda assim, minha casa nova está cheia de papéis.

Eu até sei te dizer mais ou menos de onde eles vêm: as empresas mandam sempre mais papel do que o necessário nas minhas contas a pagar, mandam papéis mesmo quando eu peço fatura online; a faculdade me obrigou a ter muitos papeis também, o mestrado e o doutorado, a mesma coisa; agora ainda tem a escrita, vira e mexe eu imprimo os textos nos quais estou trabalhando (venho resistindo à tentação de imprimir todos os textos do blog); tem os papéis dos recados, das anotações pessoais, do trabalho, as receitas dos médicos e os exames. Falo só de papéis soltos, avulsos, isso exclui os livros e cadernos.

É quase como se viver fosse produzir lixo e acumular papel. São as duas coisas que mais se multiplicam aqui em casa.

Eu olho para o lado agora e vejo os papéis que eu produzi com os estudos de hoje…

Meus pés acumularam pouquíssimos papéis.

Foram raras as vezes em que fui ao salão fazer as unhas dos pés, portanto eles me renderam apenas alguns poucos recibos. Pensando bem, meus pés sabem fazer todo tipo de economias.

Meus pés me poupam de ficar à toa na internet, eles me levam para passear constantemente. E eles também já me fizeram economizar um dinheiro de telefone me levando para passar as tardes na casa dos amigos. Me farão economizar com remédios no futuro, eu tenho certeza, já que eles têm me exercitado bastante. Raramente reclamam de dor, portanto eu gastei muito pouco com tratamentos para os pés.

Eles tiveram alguns acidentes, mas isso é assunto para outro momento.

De um modo geral, meus pés vivem uma vida muito simples, feliz e de poucas despesas e eu tenho que ficar atenta para aprender mais com eles.

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“Por onde andam meus pés”? Dia 1.

Hoje meus pés tiveram um ótimo dia.

Trabalharam muito pela manhã. Eu saí de casa cedo e fui andando até o local do encontro que havia marcado numa padaria com uma amiga. Voltei andando também. Meus pés às vezes pagam caro pela economia da passagem de ônibus.

Pelo menos, o fato de ter sido um compromisso informal me permitiu sair de chinelo.

Depois de chegar em casa, passei o resto do dia descalça.

Na hierarquia de desconforto que os sapatos me trazem, os chinelos são os mais toleráveis. Mas ainda assim, prefiro os pés descalços.

Nunca gostei de sapatos.

Lembro que mesmo no quintal da casa da minha avó, ou no quintal dos meus tios em Cabo-Frio, eu andava descalça. Independentemente das formigas ou das pedrinhas. E quer saber? Era até meio que como uma massagenzinha masoquista de vez em quando.

Essa paixão por andar descalça não foi abalada nem mesmo quando, lá em Cabo-Frio, eu pisei em um marimbondo e o ferrão entrou no meu pé. Doeu horrores para retirá-lo. Eu me lembro até hoje dos adultos ao meu redor. A sola do meu pé sendo espremida e eu chorando.

De noite, antes de dormir, eu certamente terei de lavar os pés para não sujar a cama. É que a casa anda precisando de ser varrida…

Hoje foi um dia de liberdade pediosa.

Pedioso significa “referente aos pés” .

E, assim como para os meus pés, hoje foi, para mim, um dia agradável de liberdade, ainda que um pouquinho cansativo.

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