Vocês conhecem Anna Pappenheimer?

Anna Pappenheimer morava na Baviera e tinha 59 anos em 1600, quando foi condenada por bruxaria. Ela era casada, teve sete filhos, quatro deles morreram. Três meninos ficaram vivos. Sua família pertencia às classes mais inferiores que existiam na época; ela era filha de um coveiro e seu marido limpava valas.

Acontece que, no ano de 1.600, um criminoso condenado acusou Anna e sua família de praticarem bruxaria. Nós todos já sabemos como essa história termina, não é? Anna e sua família foram levados a julgamento. Negaram todas as acusações. Após sofrerem inúmeras torturas – todos sabem nomear de cabeça uma ou outra tortura famosa daquele tempo, não é verdade? – a família confessou ter cometido assassinatos de mulheres e crianças, roubos, incêndios e toda sorte de atrocidades. A pena? Anna teve seus seios arrancados e enfiados em sua boca e na de seus dois filhos mais velhos, seu marido teve os braços quebrados e foi empalado pelo ânus, por fim, foram levados por um cortejo formado por pessoas comuns como eu e você, membros da igreja católica e outras autoridades até o local no qual seriam queimados vivos. Ao final do cortejo e antes da fogueira, contudo, tiveram que se ajoelhar perante uma cruz e confessar todos os seus crimes. No caso de Anna alguns deles eram: ter voado em um pedaço de pau ao encontro do satanás, ter tido relações sexuais com ele, ter cometido assassinatos e roubos por meio de bruxarias, ter se utilizados dos cadáveres de bebês não batizados para a fabricação de unguentos e por aí vai. Alguns relatos dizem que Anna ainda estava viva quando começou a ser envolvida pelas chamas e contam que seu filho menor assistiu a todo o espetáculo da ira divina. Ele tinha 10 anos na época e foi morto três meses depois acusado de ter cometido, ele mesmo – com a ajuda de satã é claro – mais 18 assassinatos.

Primeiro eu me pergunto qual é a importância de tomar conhecimento desse tipo de história? Claro. Esse conhecimento pode funcionar como um memorial do holocausto, esfregando na nossa cara as atrocidades que a humanidade põe em prática. De um ponto de vista mais romântico penso que isso é tudo que eu posso fazer por essas pessoas. Não falo pelas que sofrem atualmente e pelas quais eu tento de fato fazer alguma coisa, estou falando de quem já morreu mesmo. E quem já morreu há muito tempo atrás… A única coisa que dá para fazer é saber alguns nomes, conhecer o que a história nos permite saber sobre suas vidas, tomá-las como inspiração para algum dos meus textos. Essas pessoas morreram e ponto. E sim, sou muito sensível quando o assunto é a morte. Quando o assunto é um jovem assassinado na favela ou uma mulher queimada na inquisição. E não. Eu não desculpo a época. Não respeito o período histórico no qual eles viveram. Era um bando de filho da puta de merda que nem sei se acreditava na asneira que pregava. Não importa a época, a crença, não importam os costumes.

Mas não se precipitem na hora de me condenar por essa postura. Tampouco eu respeito a nossa época. Por que, os pós-modernos que me perdoem, mas a tortura e o assassinato apenas mudaram de roupa. A essência é a mesma. Nós temos os nossos julgamentos teatrais, os nossos, carrascos, as cruzes diante das quais devemos confessar nossos pecados – sem falar que a igreja católica ainda está aí.

A única coisa que havia de real em todo esse teatro – que existe ainda – era o sofrimento das vítimas.

A empatia e os comunistas.

A ação moral já foi muito estudada (na psicologia e na filosofia, por exemplo). O presente texto não é um estudo deste tipo. Apenas um comentário pessoal sobre o assunto.

Podemos pensar a causa da ação moral como sendo a empatia que sentimos pelo sofrimento alheio. A ação moralmente correta, baseada no sentimento de empatia, seria sinônimo de altruísmo. Vemos alguém sofrer e direcionamos a nossa ação para diminuir tal sofrimento. E quando observamos milhões de pessoas sofrendo todos os dias? Quando nos identificamos com seu sofrimento? Que tipo de atitude podemos tomar? Claro que podemos dar esmolas para os pedintes que nos abordam nas ruas, dar as roupas que não nos servem mais. Mas a esquerda não consegue e jamais conseguiria se satisfazer com isso. Vai às ruas, constrói greves e acumula frustrações. É a única maneira possível de dar uma resposta à angústia compartilhada com outros estudantes, trabalhadores, negros, mulheres, homossexuais, bissexuais, travestis, transgêneros e todas as outras pessoas que sofrem algum ou vários tipos de opressão.

A empatia justifica também as atitudes dos homens que lutam pelos direitos das mulheres, brancos que lutam contra o racismo, heterossexuais lutando contra a opressão das “minorias” de gênero.

Enquanto isso, o que a direita está fazendo? A direita está empaticamente lutando pela manutenção dos privilégios dos ricos? Realizando assim um ato de altruísmo? Não podemos dizer que sim. As “lutas” da direita são baseadas no medo da perda dos bens e privilégios que possui. Ou na vontade de acumular mais bens ou privilégios. Falamos aqui de egoísmo e ganância. Essa é a “moral da sociopatia”. Muitas funções sociais exigem esse tipo de falta de empatia: donos de empresa que precisam despedir seus funcionários para manter seus lucros elevados, sem se importar com o sustento desses funcionários e suas famílias; o torturador que precisa obter informações e que se tornou apático diante do sofrimento da vítima; o policial que persegue o “criminoso” sem se importar se ele é culpado ou não, nem com a segurança daqueles que estão ao seu redor; o estuprador de crianças que, incapaz de entender como a criança se sente na hora do abuso sexual, projeta nela seus próprios sentimentos de desejo; o espancador de mulheres, que não consegue enxergar além da sua própria carência e frágil masculinidade.