O inferno são os outros?

Nós costumamos achar que existem vilões na vida real, bem perto de nós. Não falo do verdadeiro “psicopata que mora ao lado”, também não estou falando de pessoas que sofrem de uma patologia real e, por conta disso, acabam tendo imensos problemas de convivência ou até memso quebrando regras sociais. Falo daquela pessoa que você acha que levanta todo dia de manhã só para fazer da sua vida um inferno, daquela pessoa que subestima a sua inteligência destilando veneno disfarçado com açúcar na sua vida. Você não acha que tem pelo menos uma pessoa assim ao seu redor? Você não vive uma batalha emocional cotidiana com pessoas que você compara aos vilões de filmes, novelas ou livros? Aquela pessoa que é má até o último fio de cabelo, corrompida, que vive para espalhar a discórdia e fazer miséria na vida dos outros. Sabe? Pois eu sinto em te informar que você vem vivendo preso dentro de uma grande fantasia, pois essa pessoa que você tanto teme não existe.
Aliás, você já parou para imaginar que esse “vilão” pode ser você no olhar de quem está ao seu lado? Como eu disse, esses malvados da vida real não existem. Mas para quem se deixa levar por esse discurso, esse malvado poderia muito bem ser você. Apenas algo para refletir.
Eu sei que é emocionante achar que você tem essa grande batalha para lutar na sua vida contra esses seres humanos desprezíveis, mas precisamos abrir mão desse discurso inflamatório que divide as pessoas e precisamos nos unir e disseminar cada vez mais o amor.
Existem pessoas que são difíceis de se conviver e que não precisam ficar em nossas vidas? Sim. Infelizmente é verdade. Existem pessoas que estão em profundo sofrimento emocional, que não poderão ser ajudadas por nós. Isso está longe de significar que elas são malvadas. Que elas querem ver murchar tudo que tocam.
Enquanto nós tivermos esse olhar para o outro, somos nós que somos venenosos.

Hospital. Parte III.

Acordei ainda no centro cirúrgico. Depois da cirurgia, ainda bem. Tremendo loucamente e me coçando inteira. Não lembro o que eu falei, mas lembro que comecei a falar sem parar. Me reasseguraram dizendo que eu podia me acalmar e eu respondi que, por favor, se não fosse incomodar, eu gostaria de continuar falando. A médica vinha e ia e falava alguma coisa comigo também, mas eu tampouco me lembro das coisas que ela disse. A primeira coisa que eu recordo especificamente foi de ter tomado uma injeção uma perna com um anti-alérgico. Depois, o medo de fazer xixi ali na mesa de operação. Correram para me pegar uma comadre. Difícil fazer xixi no meio de todo mundo, mas depois de um pouco de concentração eu consegui. Será que isso é normal? Todo mundo acorda ali assim naquela situação?
Com o tempo, tudo foi passando. Eu não sei dizer se eu estava realmente nervosa naquele momento, talvez sim, ou se eram só reações físicas. Eu acho que eu acordei com a sensação de que havia algo errado, embora eu não entendesse o que estava acontecendo. Foi tudo muito tenso e desagradável.
A anestesista me disse que eu havia sofrido uma reação alérgica, mas que já estava tudo bem. Ela foi embora, eu ainda estava no centro cirúrgico.
Tive que ficar a noite no hospital em observação por conta disso.
Eu acho que eu teria ficado no quarto refletindo sobre a vida e a morte se eu não tivesse dormido até o dia seguinte de manhã. Acordei para comer e fazer xixi e ponto. Sem ânimo para reflexões filosóficas.
Parece que em uma cirurgia passada eu devo ter tido alguma pequena reação alérgica que os médicos ou não me informaram ou nem sequer perceberam. Essas reações alérgicas são assim: a cada vez que você tem, acumula anticorpos e aí, da próxima vez a reação alérgica é pior. Então, dessa vez eu ainda não tive nada crítico, aparentemente, da próxima vez pode ser muito, muuuuito pior. Ela recomendou que eu procurasse um alergista para investigar melhor essa situação.
Agora, na parte da reflexão filosófica, sinceramente parece meio irreal que algo de errado tenha acontecido. É tudo muito pouco palpável, pouco concreto. Difícil refletir sobre essas coisas. Eu estava desacordada quando algo no meu corpo deu problema. O que pensar a respeito disso? Se não fosse por ter acordado daquele jeito, para o meu conhecimento, nada teria acontecido. Esquisito demais.
Não sei o que pensar a respeito. A cirurgia foi um sucesso? A situação foi ou não foi grave? Eu deveria sentir que voltei à vida?
Não sei de nada disso. A experiência parece escorrer pelo meio dos dedos quando eu tento pensar sobre ela.
A diferença que tudo isso fez e vai fazer ainda na minha vida é majoritariamente devida à dor original. A dor da bartolinite que me levou ao médico em primeiro lugar. A médica disse que era algo genético. Não foi nada que eu fiz que me levou a ter isso, não há nada que eu posso fazer para evitar ter de novo, mas eu certamente sinto que preciso fazer algumas mudanças na minha vida. Minha próxima tarefa é continuar dando passos nessa direção.
Saí do hospital apenas com essa certeza de que algo precisa ser feito. Alguma coisa precisa acontecer de diferente do que tme acontecido. Espero manter essa convicção por tempo suficiente para que as mudanças realmente aconteçam. O primeiro passo agora é descobrir o que e como eu tenho que reorganizar na minha vida. Depois, eu tenho que agir.

Hospital. Parte II.

Ontem eu fiz um procedimento cirúrgico. Nada grave, a princípio, mas certamente desagradável.
A jornada começou com uma visita de emergência no hospital no sábado retrasado. Uma inflamação nas células de Bartoli, chamada Bartolinite (depois procura no Google). Como eu falei não é grave, mas é bem desagradável.
Eu fui ao hospital sábado retrasado e fiz uma drenagem do líquido infectado. Fui para casa com uma receita de antibióticos que deveriam ser tomados por uma semana. Eu segui a receita, mas o quadro piorou. Já no próprio sábado eu comecei a passar mal. Domingo eu estava péssima. Comecei a me recuperar na segunda, mas fui piorando novamente na quarta feira.
No entanto, eu ia trabalhar a semana toda (menos segunda e terça, pois não tive condições. Já estava me sentindo culpada o suficiente a respeito disso,entoa insisti em trabalhar nos doas seguintes). Trabalhei de quarta até domingo na hora do almoço. Na saída, eu já estava com muita dor. Minha mãe foi me pegar e nós fomos direto para o hospital. Quando eu fui atendida, a médica me comunicou que a situação parecia estar pior do que na semana anterior. Já não dava para drenar ali na enfermaria. Eu teria que ser internada e submetida à cirurgia para colocar um dreno.
Conversei com minha mãe, meu marido e, por fim, a minha médica ginecologista que foi o voto decisivo de que era melhor fazer logo a operação. Parece que ela teria que ser feita mais cedo ou mais tardede qualquer jeito.
Eu estava nervosa enquanto aguardava a internação. Não muito. Só nervosa o suficiente, eu acho, normal quando você vai se submeter a um procedimento desses. Qualquer um se sente assim nessas horas. Mas no fundo eu estava confiante de que tudo ia dar certo. Não era a primeira cirurgia que eu ia fazer na vida. Ironicamente, como vocês vão ver, o que estava me deixando confiante foi justamente o que causou o problema.
Mas antes de chegarmos a esse ponto, preciso terminar de falar dos preparativos para a operação.
Eu precisava desmarcar os compromissos da segunda feira, pois, mesmo se eu tivesse alta cedo, eu provavelmente não estaria preparada para voltar ao trabalho logo.
Que desespero foi desmarcar meus compromissos. Eu tinha a impressão de que as pessoas não iam acreditar que estava dizendo a verdade. Eu ficava com a sensação de que eu estava fazendo alguma coisa tão errada por desmarcar os compromissos, mas tão errada… E, na verdade, esse é parte do motivo pelo qual eu acredito que estava no hospital ontem. Estresse e sobrecarga de trabalho.
Eu senti pela primeira vez o incomodo que desencadeou essa história toda voltando da taromante em Friburgo há umas semanas (eu cheguei a escrever no Blog sobre esse dia). Quando eu conversei com ela sobre a minha vida, sobre trabalho especificamente, ela disse que a gente tem que resolver as coisas, se não, o universo resolve por nós e aí ele passa por cima de tudo como um furacão, depois vem a devastação e a gente tem que lidar com os destroços. Ok, universo. Eu só não achei que eu tinha tão pouco tempo para tentar resolver com minhas próprias mãos. Agora está aí. Tenho que organizar minha vida antes que, além desse furacão, passe também um tsunami.
Eu vou precisar cuidar de mim agora.
Não foi a última vez que eu desmarquei compromissos. Se eu não quiser voltar para aquele hospital tão cedo, vou ter que desmarcar ainda alguns outros e relaxar mais.
Terminei de desmarcar tudo (ou assim pensei) e a anestesista chegou para conversar comigo. Tudo certo. Tem alergia? Não. Ok.
Depois vem a moça da burocracia me chamar para assinar os papéis. Internada. Sai da enfermaria já na maca direto para o centro cirúrgico. É estranho ser empurrada numa maca, usando apenas um roupão tosco de doente, pelos corredores do hospital mesmo podendo andar perfeitamente (se vem que não com aquele roupão. Você já começa a se sentir impotente antes mesmo de tudo começar e você ficar, de fato, mais debilitada e aí sim com dificuldade de andar.
Pouco antes de subir ouço a primeira médica, a que me atendeu na emergência, perguntar para a enfermeira: cadê a bartolinite? Tá no mundo etéreo das doenças, respondi mentalmente, a Olivia está aqui na maca sofrendo, obrigada por perguntar. Humanização para quê? Na hora nem me importei com isso, ser reduzida a uma parte inflamada do corpo, juro. Refleti sobre isso depois. Na hora eu mesma estava cagando para o meu nome. Na hora, eu me sentia reduzida à doença mesmo. Nada mais no meu corpo ou mente importava a não ser o incomodo e a dor da bartolinite.

Hospitais.

Eu gostaria de falar mais sobre a experiência toda hoje. Sobre esse acesso no meu braço que não me deixa escrever, nem comer e ir ao banheiro direito. Essa noite silenciosa nesse quarto frio e impessoal. E ainda tinha uma barata no banheiro. Os horários restritos, os horários deles, os horários dos médicos, dos enfermeiros… Mas estou com muito sono. Por enquanto basta dizer que, assim como no domingo passado, estou impossibilitada de escrever. (Hoje ainda mais que na semana passada. Hoje nem sou eu que estou digitando. Eu estou ditando este texto). Fiz um pequeno procedimento cirúrgico. Aos poucos, vou contanto para vocês como foi.

Poesia não tem que ser “chique”.

Eu tenho achado muito interessante e estimulante esse Projeto Dados Poéticos. Eles são tão gostosinhos e divertidos de escrever 🙂
Quando eu comecei a escrever mais seriamente as pessoas começaram a perguntar: prosa ou poesia? E eu sempre falava prontamente: prosa!
Era coisa de maluco para mim pensar em escrever poesia. Métrica e palavras rebuscadas. Para ser sincera, eu também não sou fã incondicional da coisa. Eu preciso de sentido, de textos com sentido. Então eu tendo a gostar daquelas poesias que contam histórias, não das que amontoam palavras bonitas em rimas ricas. Qual não foi a minha surpresa quando eu comecei a perceber que tudo bem ser assim. Que ninguém pode me obrigar a gostar de algo só porque esse algo “deveria” ser apreciado, como poesia “chique”, literatura “chique”, música “chique” etc.
Uma forma pobre de poesia? Não sei. O que eu sei é que tudo que nos faz feliz que é digno, vale a pena! Corra atrás do que você ama e que te faz feliz. Não se importe com o que os outros vão pensar!

Que invisibilidade é essa? 

No banheiro do shopping vazio, de noite, perto da hora de fechar, uma mulher cumprimenta a faxineira:
– Opa! Nem tinha visto você aí. Estava escondidinha.
– A gente fica invisível mesmo.
A mulher que cumprimentou já entrou no banheiro, mas a moça lá fora continua falando:
– Eu até gosto de ser invisível.

Eu também gosto de ser invisível para as outras pessoas em diversas ocasiões. Mas por algum motivo aquela cena me partiu o coração.
Não sei se você pode chamar isso de preconceito da minha parte. Porque eu ouvi como algo triste a moça negra da faxina do shopping da Barra dizer que preferia ser invisível. E, para completar, eu fiquei sem saber o que fazer. Se saía do box onde eu estava e ia lá puxar assunto com ela, arrancá-la de seu esconderijo escancarado, ou se ficava calada e ia embora. Qual era o verdadeiro desejo daquela mulher? Ser notada e tratada direito por aquele povo? Ou simplesmente trabalhar em paz sem ter que ficar dando um bom dia, boa tarde, boa noite sorridente para todo mundo o tempo todo?

Eu não cheguei a decidir. Quando eu saí, ela já não estava mais lá. Me pergunto se ela finalmente tinha ido ser visível em sua vizinhança ou se tinha verdadeiramente se mesclado com as paredes.