A princesa e o sapo.

Era uma vez uma bela princesa que se chamava Analina.
No dia em que Analina nasceu sua fada madrinha lhe prometeu em um sonho que ela um dia encontraria um belo príncipe e se casaria com ele.
Analina passou a vida sem saber muito bem como ou porque, mas tinha a certeza de que se casaria com um belo príncipe e seria feliz para sempre.
Quando completou dezesseis anos, com a bênção de seus pais, resolveu correr o mundo atrás de seu amado.
Analina procurou debaixo de cada pedra, no alto de cada montanha e dentro de cada nuvem até os confins da Terra pelo amor prometido, mas não o encontrou.
Até que um dia, sentada a beira de um riacho, avistou um sapo que a olhava intensamente com seus olhos arregalados.
Analina então teve certeza de que este era seu amor enfeitiçado! Claro que ela não o havia encontrado! Alguma bruxa má o transformara em uma criatura repugnante que só ela poderia salvar.
Analina agarrou a carne lodosa de seu príncipe anfíbio e tascou-lhe um beijo daqueles.
Para a triste surpresa de Analina, nenhuma transformação aconteceu. O bicho coaxou impaciente e se debateu tentando escapar das garras da raptora. Mas Analina não desistiu.
Levou-o a todo mago, feiticeiro, bruxo, médico e psicólogo que encontrou pelo caminho tentando encontrar a cura e nada. O bicho continuava sapo.
Analina retornou ao seu reino muitos anos depois da partida com o sapo a tira-colo. Todos ficaram felizes por recebê-la e atordoados com o sapo/príncipe com quem ela anunciava que ia se casar.
Ora, ele ainda não virara príncipe, mas um dia ele ia virar, disso ela tinha certeza. Por que adiar o casamento?
Todos olhavam com pena e nojo quando o casal passeava pelos jardins do palácio, mas não ousavam falar nada.
No dia do casamento, a princesa acordou cedo e começou a se arrumar. Tomou um banho perfumado, vestiu um vestido branco magnífico ornado com as mais belas jóias do reino e pintou o rosto com as cores de todos os amores.
Chegada a hora, a marcha nupcial soou alta e as portas da igreja se abriram. Lá está o futuro rei sapo amarrado no altar coaxando loucamente. Todos os convidados se entreolhavam sentindo uma mistura de repulsa e desgosto pelo destino da jovem.
Estavam os noivos no altar e o sapo já havia dado seu consentimento para o casamento (uma coaxada significava sim), era a vez da princesa e quando esta abriu a boca para falar, sua fada madrinha apareceu.
Todos olhavam assustados e maravilhados a figura esvoaçante envolta em um brilho azul e branco. Do meio daquela névoa brilhosa soou uma voz feminina doce e grave:
– Menina, o que você está fazendo?
– Ora, fada madrinha, estou me casando com o príncipe que me foi prometido.
– Mas, meu amor… Isso aí é um sapo!
A princesa olhou para o serzinho retorcendo-se no altar e soltou um grito agudo de partir o coração.
A fada virou para os convidados:
– E vocês? Todos viram que a criatura era um sapo e nada mais! Por que não disseram nada? – todos ficaram calados e encolheram os ombros, envergonhados. – Minha filha, -voltando-se para a princesa – sapos serão sapos eternamente, não importa quantos beijos lhes damos. Se eu soubesse que era nisso que a minha promessa ia dar, eu teria te prometido sucesso profissional e bons amigos. Talvez o amor ainda apareça, princesa, se você continuar procurando, mas ele não virá nunca se você acabar se casando com um sapo pelo meio do caminho.
A princesa agradeceu o bom conselho da fada e seguiu sua vida buscando cultivar boas amizades, trabalhar em algo que lhe desse prazer e curtindo os romances conforme eles apareciam. E ela foi feliz para sempre.

Sobre o amor, o sofrimento e a esponja do mar. 

Ontem eu estava em um bar, na Lapa, discutindo relacionamentos amorosos.
Aí um amigo me perguntou como eu achava que deveriam ser os relacionamentos. Sofrer de amor é normal e necessário? Ou daria para viver sem sofrer de amor?
Eu disse: “Bom, acho que a utopia seria o amor livre universal. Muito amor, zero sofrimento”. Passamos as próximas quatro horas falando sobre isso.
Eu, partidária da idéia de que numa sociedade utópica isso seria possível. Ele afirmando que sofrer (por ciúmes e pelo término do relacionamento com a pessoa amada) é o indício do quanto a pessoa significa para nós. Indício do fato de que elas são insubstituíveis. Eu afirmando que, na minha utopia, mesmo se um relacionamento acabasse, você estaria enredado numa rede de amor tão grande e intensa, que não haveria sofrimento. O único sentimento possível seria felicidade. Você ficaria feliz por aquela pessoa que se afastou de você ter ido dar e receber amor de outras pessoas.
Ele achou esse mundo que eu descrevi frio, individualista, cheio de pessoas descartáveis.
Eu ficava pasma.
Como frio? No nosso mundo a gente sofre pela perda do amor de uma pessoa porque o amor é escasso. A gente vive uma intensa fome de amor. Cada pessoa que a gente perde atualmente significa uma ameaça de solidão e de solteirisse, de relacionamentos vazios para o resto da vida.
Num mundo com muito, muito, muito mais amor, as pessoas que se vão, teriam para sempre um lugar especial em nosso coração, claro, mas não sofreríamos justamente por saber que ela estava apenas indo ser feliz amando outras pessoas. Não seria uma perda, um término. O amor não seria um período de relacionamento marcado pelo tempo que ele dura. O amor entre todas as pessoas seria eterno e profundo.
A resistência dele em relação à minha utopia (ou seja, não é algo para se colocar em prática amanhã, nem daqui a vinte anos sequer, é meramente um sonho, um olhar sobre um futuro alternativo distante) me fez lembrar de um exercício de imaginação que eu fiz há umas semanas.
Nesse exercício eu era instruída a pensar no meu salário dos sonhos, o dinheiro que eu gostaria de ter na minha conta todo fim de mês. Depois que eu idealizava a quantia, a pessoa que estava orientando a visualização dizia: “Agora que você já pensou no seu salário ideal, pense em um número mais alto do que esse que você imaginou”. Eu pensei comigo mesma: “Não! Mais alto ainda?! Gente, eu não consigo nem imaginar isso”. Precisei me esforcçar muito para seguir a orientação. E ainda assim, não dava nem para ficar milionária com os números que eu imaginei.
Depois, pensando no exercício, eu fiquei boba. Era uma exercício de imaginação! Eu poderia me imaginado ganhando dois bilhões de euros por semana. Mas eu estou tão presa à minha realidade, que mesmo na imaginação, é difícil me libertar.
Me pareceu que meu amigo estava sofrendo do mesmo sintoma.
A gente fica tão preso ao fato de que sofremos e muito ao longo de nossa vida amorosa, que fazemos essa extrapolação, e pensamos que é absolutamente necessário sofrer quando se ama uma pessoa. Não conseguimos conceber o amor sem sofrimento.
Isso é muito triste.
Eu prefiro dar asas à imaginação e pensar no melhor cenário possível. Tornarei esse um exercício constante em minha vida.
No fim das contas, minha mãe já me alertava para isso desde que eu era pequena.
Ela me contava a história da esponja e da estrela do mar, que era mais ou menos assim:
A esponja, que morava lá no fundo do mar, via a estrela do mar e pensava como deveria ser boa a vida da estrela do mar. Certo dia, Deus se voltou para a esponja do mar e disse: “Esponja, hoje é o seu dia. Você pode escolher qualquer ser no universo inteiro no qual você queria se transformar, que eu vou realizar seu desejo. Você pode escolher ser uma planta rara no deserto, um pássaro e voar livre junto com os quatro ventos do mundo ou ainda ser qualquer um dos astros do céu…” A esponja interrompeu o Senhor e falou: “Ok, ok, Deus. Eu já sei o que eu quero! Eu quero ser aquela estrada do mar ali”! E Deus transformou a esponja na estrela do mar.
Essa história mostra justamente como nossos desejos e sonhos são limitadas pelo que está bem diante do nosso nariz.
Esse não é aquele papo de que é só mentalizar que a coisa vai cair no seu colo. Eu nem estou falando realizações ou metas. Estou meramente falando de libertar a imaginação para pensar em coisas melhores e mais positivas. Só isso já causa um impacto maravilhoso em nossa vida.

A vaca mandou o boi pastar.

Havia na terra do meu avô, lá para os lados do rio Tatuamunha, em Alagoas, um boi e uma vaca que eram casados.

Viviam os dois muito bem, até que o boi fez amizade com um outro boi que se mudou para a região.

Desde que essa amizade começou, a vaca não via mais o boi em casa. Ele estava sempre de papo por cima da cerca com o vizinho. Foi aí que a vaca percebeu que seu marido, que antes ela acreditava ser mudo, uma vez que nunca havia pronunciado palavra sequer, sabia falar e muito bem. Pôs-se a vaca a escutar a conversa dos dois e se encantou com os assuntos de seu cônjuge bovino.

Certa vez, ela se arrumou e esperou o companheiro com um belo prato de feno e uma noite inteira de delícias e conversas planejadas.

Quando o marido chegou em casa e sentou à mesa para comer, ela puxou assunto. Havia pesquisado intensamente sobre os temas de interesse do marido: sabia o nome de todos os touros vencedores dos últimos campeonatos de BFC – bovino’s fighting club –, os últimos modelos de carro de boi e tantos outros que interessavam os bovídeos machos daqueles dias. Mas o boi foi monossilábico em suas repostas. Só voltou a tagarelar no dia seguinte com seu amigo.

A esposa fez outras tentativas frustradas de iniciar conversas com o companheiro.

Certo dia, estando muito triste com o que ela sentia ser uma intensa indiferença do marido em relação a ela, foi até a beira do rio e começou a chorar amargamente. Sentia-se desprezada, desinteressante. Se ele falava tanto com o amigo, porque não conversava com ela?

A certa altura, ouviu uma voz rouca e grave saindo do rio a sua frente:

– Boa tarde, senhora. Por que choras? Qual o motivo de tanta tristeza?

– Ah! É meu marido que não gosta de conversar comigo – disse a vaca levantando os olhos e vendo um belo peixe-boi com sua pele cinza cintilando à luz do sol dentro da água fresca.

– Não fique assim. Pare de chorar. De hoje em diante prometo que venho conversar com você todos os dias.

E assim foi. Todos os dias, enquanto o boi ia conversar com seus amigos, a vaca ia até a beira do rio conversar com o peixe-boi.

Certo dia, a vaca e o peixe-boi estavam tão engajados na conversa que ela não voltou para casa a tempo de fazer o jantar antes do boi chegar. Naquele dia, ele ficou com a pulga atrás da orelha incomodando-o a noite inteira. A pulga, que já habitava atrás da orelha do bovino há muitos anos e, muito sábia e perspicaz, já entendia perfeitamente o que estava acontecendo, falou para o boi:

– Você tem que dar mais atenção à vaca. Não percebe que ela vem tentando se aproximar e você a ignorou todas as vezes que ela quis conversar?

– Deixa disso, pulga! Você não sabe o que fala! Ela gosta de conversar sobre assuntos de vaca: que cor tem a grana mais macia, qual é o melhor momento para pastar, o cuidado dos bezerros etc. Eu não sei nem me interesso por nada disso.

– Veja bem, boi, ela está se afastando.

– Calado! A única coisa que me importa é que ela tem atrasado com o jantar! Eu vou dar um pito nela!

– Pois faz muito mal!

O boi foi tolerante com os descuidos da vaca nos afazeres da casa por mais alguns dias, durantes os quais foi acumulando uma raiva crescente. Até que ele estourou e começou a gritar com a vaca, dizendo que esposa dele não ia ficar saracoteando por aí enquanto o marido passava fome. Ela não via que aquilo era um absurdo? Que ele não toleraria tal comportamento e que os outros animais já começavam a falar?

A vaca escutou tudo sem esboçar reação. Quando o boi parou de tagarelar ela levantou-se e disse:

– É uma pena que quando você finalmente resolveu conversar comigo, tenha sido para falar um monte de besteiras. Pois saiba que esta foi a nossa primeira e última conversa.

Naquela noite, ela juntou todas as suas coisas e foi embora. Quando ela estava saindo pela porta, o boi esbravejou:

– Você não pode ir! Quem vai fazer a janta?

– Não me interessa! Vá pastar com seus amigos.

– Volte! – o boi continuou gritando desesperadamente, sem acreditar que sua esposa partiria realmente.

Depois disso, ninguém nunca mais viu a vaca.

Algumas aves, que sobrevoavam a fazendo do meu avô em suas migrações de verão, dizem tê-la visto, alguns quilômetros rio acima, morando numa bela cabana junto d’água e conversando com um galante peixe-boi.   

 

 

***Texto escrito em coautoria com Juliana Santos.