A imagem nua e crua do assédio sexual.

David Schwimmer, o ator que interpretou Ross na série “Friends”, junto com o diretor Sigal Avin, criou uma série de seis episódios que retratam cenas de assédio sexual baseados em fatos reais.
A série se chama #thatsharassment e o os episódio estam disponíveis na página do Facebook com o mesmo nome.
Os episódios são impactantes e têm o objetivo de mostrar o que é o assédio sexual e como ele acontece.

Estamos todos falando de mulheres.

Eu acompanho, em termos de redes sociais, apenas o Facebook e o Instagram. E bom, é carnaval.
O que eu mais tenho visto esses dias? Peito e bunda de mulher.
O assunto está em alta. Os peitos da Bruna Marquezine, a bunda da Viviane Araújo e ainda os caracteres sexuais secundários de muitas outras musas.
Tem homens criticando, homens elogiando, mulheres defendendo as musas daqueles que querem encontrar defeitos nelas.
Sinto muito por duvidar, mas nessas horas eu me pergunto se o nosso feminismo está indo para o lugar certo.
Ainda sinto que as discussões têm sido dominadas por homens e estão sempre a serviço do prazer deles.
Mesmo as mulheres que estão defendendo o poder das musas são excludentes em seus discursos. A defesa das musa por muitas mulheres, passa por atacar as mulheres machistas (que existem sim, não discordo), atacando aquelas que fazem alguma alteração cirúrgica em seus corpos.

As mulheres que se submeteram a plásticas e procedimentos de beleza de qualquer ordem ainda são muitas e merecem mais nossa solidariedade do que nossos ataques. 
Muito superficialmente nos contrapomos ao discurso masculino e continuamos atacando umas às outras. Sim, concordamos que existem mulheres machistas, mas usar esse argumento na discussão pública contra homens machistas não é uma boa estratégia. A gente mira no homem e acerta outras companheiras.
Parece que mesmo na hora de atacá-los temos que alfinetar a nós mesmas.
E estamos todos presos na imagem do corpo da mulher. O assunto ainda é o mesmo. As fotos são as mesmas. Muitas mulheres a minha volta ainda estão infelizes com seus corpos, ainda sentem ciúmes de seus namorados e ainda recorrem a procedimentos de beleza de todos os tipos, minhas amigas continuam sofrendo com os babacas do Tinder, continuam querendo um relacionamento e continuam infelizes quando estão solteiras. Mesmo que já saibam que está tudo bem ter celulite.
Parece que racionalmente já sabemos muitas coisas a respeito da libertação feminina, mas ainda não conseguimos agir de acordo, os sentimentos não acompanham os avanços no discurso.
E ainda, parece que se multiplicaram as discordâncias entre as próprias mulheres.
Estou um pouco confusa com o rumo das coisas, sabe?
Parece que nossos esforços não são de união, mas de ataques pontuais a críticas masculinas em relação ao nosso corpo, nosso comportamento sexual. Até onde conseguiremos chegar com essas estratégias. Não estou dizendo que não são estratégias válidas estas, mas elas me parecem muito insuficientes.
O carnaval é um indício de que o capitalismo e o machismo estão conseguindo resistir sem grandes problemas a estes ataques.

Tem muito mais em jogo nessa luta e não temos tempo de falar delas porque ainda continuamos focados naquilo em que sempre estivemos focados: o corpo da mulher.
Por outro lado, a família ainda não está em discussão. A religião não está em discussão. O cuidado das crianças e a maternidade não estão em discussão.
Principalmente, os esforços de união não estão presentes no meu dia a dia.
Recentemente eu me meti em uma briga de casal na rua. Uma cara estava agredindo uma menina. Depois da intromissão minha e do meu marido na briga a menina falou: “Obrigada. Eu sei que você quer ajudar (falando comigo), você deve ser feminista que nem eu, eu sei que o que ele está fazendo está errado, eu conheço a lei Maria da Penha, eu sei de tudo isso. Mas fui eu que fiz merda mesmo aqui, está bem. Fica tranquila”. Nessa hora não tinha mais nada que meu feminismo pudesse fazer e nem o dela fez muita coisa por ela naquele momento. Eu me consolei pelo fato dela já ter ouvido falar na luta, mas falta alguma coisa para o feminismo sair da mente e entrar nos corações.
Eu sei que esse não é o discurso de vitória que tem muita gente cantando por aí. Mas o meu momento é de desesperança.

Está na hora de mudar a marca do papel higiênico.

Eu já fui muitas vezes fazer compras com minha mãe e com minha avó. Sempre que íamos ao supermercado, fazíamos uma pesquisa de preço, é claro, mas a pesquisa se restringia, na maioria das vezes, a um grupo de marcas já conhecidas por nós, que estávamos habituadas a comprar.

Atualmente, quando eu vou ao mercado, faço a mesma coisa.

De vez em quando, meu marido vai ao mercado sozinho, sem mim, e, geralmente, quando isso acontece, ele volta com algum produto de uma marca que eu nunca ouvi falar na vida. Confesso, eu torço a cara e, vira e mexe, acho que a qualidade do produto é inferior a daqueles produtos que eu estou acostumada a consumir. Meu marido, por outro lado, não vê diferença nenhuma.

Recentemente, após ir ao banheiro, saí elogiando o papel higiênico. Tratava-se de um papel higiênico que vinha em maior quantidade, num rolo bem grosso, a folha era bastante macia, mas resistente ao mesmo tempo. Meu marido começou a se gabar, tratava-se de um papel higiênico de uma marca desconhecida, que ele havia comprado para experimentar. Eu não havia visto o saco do papel higiênico antes de usá-lo.

Na verdade, a sequência dos acontecimentos é um pouco confusa, deixa-me explicá-la de outra forma.

Na minha casa, costumamos comprar aqueles sacos enormes de papel higiênico, pois eles são mais econômicos, por isso passamos um bom tempo usando um determinado tipo de papel higiênico. Neste dia a que me referi especificamente, eu fui ao banheiro e, na hora de usar o papel, vi que o rolo estava novinho, de modo que precisava soltar aquela primeira folha que vem grudada. Ao usar o papel higiênico, me surpreendi com sua maciez, resistência e quantidade. Pensei que tínhamos que saber de que papel se tratava para comprar aquele mesmo tipo de papel higiênico para sempre. Saí do banheiro elogiando o papel e procurando o saco para ver a marca e o tipo. Foi quando meu marido confessou que o papel anterior, que era de uma marca que eu havia escolhido – eu sempre escolho, dentro do universo de duas ou três marcas específicas, aquela que estiver com o preço melhorzinho, isso vale para quase todos os produtos -,  havia acabado e ele comprara um pacote novo de uma marca aleatória que estava mais barata. O ponto é que, para mim, o rolo novo poderia ser o mesmo tipo de rolo da vez anterior. Eu não sabia que havíamos mudado de pacote. Eu não sou maluca. Eu não estou constantemente, todas as vezes que vou ao banheiro, analisando a qualidade do papel higiênico. Para mim, eu só havia dado a sorte de notar, naquele dia, que era um papel higiênico magnífico. Nada me indicava que não era o que eu havia escolhido. Aí eu pensei: “bom, eu sempre compro uma daquelas três marcas que têm, no fim das contas, os preços muito parecidos. Já que esse aqui é, sem dúvida, o melhor papel higiênico de todos, vou comprar só desse de hoje em diante”.

Eu já vinha desconfiando que poderia ser uma mera crença minha o fato de sempre ficar desgostosa com produtos de marcas desconhecidas, nesse dia do papel higiênico, eu tive apenas mais uma evidência de que as minhas crenças arraigadas sobre a qualidade dos produtos me impedem de economizar dinheiro muitas vezes e fazem com que eu tenha uma avaliação tendenciosa dos produtos.

Não estou nem dizendo que a qualidade dos produtos não varia. Deve até variar sim, sei lá. Mas, certamente, varia menos do que tendemos a acreditar – e a sentir por pura sugestão – no nosso dia a dia. Além disso, em uma breve pesquisa pela internet, você descobre que várias das marcas que estão disponíveis nos marcados são da mesma grande empresa, desde uma marca mais baratinha até a mais cara da prateleira. Algumas reportagens afirmam que dez grandes empresas controlam toda a indústria de alimentos. Apenas dez empresas controlando todo o mercado de alimentos do mundo. Pelo menos curioso, não? Que grande variação de qualidade pode existir aí?

A gente já sabe muito bem que, para roupa de marca, esse discurso é muito válido. “Marca não quer dizer nada”. Toda mãe tenta conscientizar seu filho de que aquela logo na camiseta não significa que ele é melhor ou pior do que ninguém. Essa mãe se empenha em conscientizar seu filho de que a marca não é importante, pois ela sabe que a marca chique, a marca da moda, não tem nada a ver com a qualidade da camisa que seu filho está usando. Ela compra tranquila uma camiseta em uma loja popular em Caxias, porque ela sabe que seu filho estará vestido e protegido do tempo com ela do mesmo jeito que estaria se usasse uma camisa do shopping.

Mas essa mesma mãe acaba sendo capturada pelas propagandas dos produtos utilizados no cuidado do lar. E se essa mãe tiver uma filha, suas predileções passarão adiante.

Por conta do machismo presente na educação das crianças, eu fui muito mais vezes ao mercado e era mais capturada pelas propagandas da TV a respeito de coisas voltadas para o lar e o cuidado da família do que o meu marido, por isso ele não tem a ligação quase emocional com certas marcas que eu tenho.

Claro que algumas marcas ascendem enquanto outras vão sendo esquecidas, mas isso pouco tem a ver com a qualidade dos produtos.

Bom, se não for através da luta mais ampla contra o capitalismo eu não sei muito como escapar dessa situação. Então, eu disse tudo isso para chegar a um ponto bem simples: desapega. Desapega da marca da sua infância e/ou da televisão e economize mais dinheiro experimentando marcas que você nunca usou antes (ou nem nunca ouviu falar). Você vai ver que é tudo a mesma coisa e, pelo menos, vai te sobrar um dinheiro no fim do ano para passar um fim de semana em Búzios.

 

Poucas e boas. 

Hoje uma mulher negra maravilhosa estava gritando na porta do supermercado Zona Sul em Ipanema:
– Você não me peita não, hein! Eu fui te perguntar uma coisa e você cagou para mim!!! Agora você vai me ouvir!!! Você é gente que nem eu!! Quem você está pensando que é?!?! Meu amooor, eu te perguntei uma coisa e você ca-gou. Quero ver você tratar os outros assim!! Quem que você trata assim? Você cala a boca e me escuta que eu vou te ensinar a ter educação.

Os brancos da zona sul passavam em volta horrorizados. Eu passei com uma amiga e comentei:
– É isso que está faltando na minha vida.
Quanta gente por aí que eu queria meter o dedo na cara e gritar: “Cala a boca agora porque quem vai falar sou eu! Eu confiei em você, me entreguei nessa relação e você cagou para mim! Ca-gou. Eu fui muito otária mesmo para você me tratar desse jeito, mas não vai ser mais assim não, amor. Você vai aprender a me respeitar. Tu tá pensando o quê?? Tá pensando o quê?!?! Eu sou gente também. E não me peita não, hein; não me peita não, que agora você vai me ouvir. Eu te tratando direito e você tirando uma comigo?! Você abusando e abusando. Entorta tanto que uma hora quebra, meu bem. Minha paciência a-ca-bou. Eu cansei de ser usada e você cagando para mim. Só quer saber do venha a nós! E nada do vosso reino?! Eu vou te ensinar agora o que é respeitar uma pessoa”.
Um dia eu vou chegar lá.
Com relação a mulher, eu parei para perguntar se estava tudo bem. Ela disse que a tinham ignorado e tratado mal quando ela quis ir ao banheiro lá. Mas ela havia feito compras como todos outros clientes. Por ser negra e pobre, contudo, foi tratada com hostilidade pelos funcionários que, ela afirmava, eram tão pretos e pobres quanto ela e tinham que aprender a respeitar as pessoas na mesma condição.

“De que modo são as bruxas transportadas de um lugar a outro “.

Por que lembrar de eventos há tanto transcorridos?
Por que mergulhar no passado uma vez e outra ainda e mais outra?

“Eis, enfim, o seu método de transporte pelo ar. De posse da pomada voadora, que, como dissemos, tem sua fórmula definida pelas instruções do diabo e é feita dos membros das crianças, sobretudo daquelas mortas antes do batismo, ungem com ela uma cadeira ou um cabo de vassoura; depois do que são imediatamente elevadas aos ares, de dia ou de noite, na visibilidade ou, se desejarem, na invisibilidade (…); noutras ocasiões, mesmo sem qualquer auxílio exterior, elas são visivelmente transportadas exclusivamente pela força dos demônios” (p. 228).
“Contamos aqui o caso de um vôo invisível, feito à luz do dia. Na cidade de Waldshut, às margens do Reno, na diocese de Costance, havia uma certa bruxa tão detestada pelos habitantes da cidade que não a convidaram para a celebração de um casamento, ao qual, no entanto, esperava-se o comparecimento de todos os moradores da região. Indignada e desejosa de vingança, chamou a sua presença um demônio. Tendo lhe explicado o motivo de seu aborrecimento, pediu-lhe que desencadeasse uma tempestade de granizo para dispersar todos os convidados da festa; o demônio concordou e, elevando-a no ar, levou-a até uma colina, nas proximidades da cidade, à vista de alguns pastores. Pôis-se então a cavar um pequeno foço que deveria encher de água para poder desencadear a tempestade (pois que é esse o método que usam para provocar chuvas de pedra). Como ali não dispusesse de água, encheu o foço com a própria urina e começou a revouvê-la com o dedo – conforme manda o ritual –, com o demônio a pastos a observá-la. Então, repentinamente, o demônio fez todo o líquido subir pelos ares, desabando uma violenta chuva de pedras apenas sobre os convidados e os dançarinos da festa. Depois de terem se dispersado e ficarem a se perguntar qual teria sido a causa do temporal, viram que chegava a bruxa na cidade, o que levantou forte suspeita sobre ela. No entanto, depois que os pastores contaram o que viram, a sua suspeita transformou-se em certeza, pelo que a mulher foi presa. E confessou que assim procedera porque não fora convidada para o casamento. E, por esse motivo, e pelas muitas outras bruxarias que já perpetrara, acabou queimada na fogueira”.
“E como a história do vôo das bruxas é fato cada vez mais comentado e público, mesmo entre as pessoas comuns, é desnecessário aqui aditar outras provas. Esperamos que esses exemplos sejam suficientes para esclarecer os que ainda negam a existência desse fenômeno, ou os que tentam sustentar que são fenômenos meramente imaginários ou fantásticos” (p. 229).
“De fato, teria pouca importância deixar esses homens incorrerem nesse erro, não fosse a sua crença tão danosa à Fé. Pois que, não contentes em sustentar o erro, ainda persistem em sustentar e publicar muitos outros que contribuem para o aumento do número de bruxas e para o detrimento da Fé. Porque afirmam que toda a bruxaria só pode ser atribuída à imaginação e à ilusão de alguns homens, como se se tratasse de algo inócuo, tão inócuo quanto o seu vôo, mera fantasia” (grifo meu, p. 229).

Sabem tudo aquilo que te falaram para que você não julgasse os fatos do passado com os olhos atuais? Devemos perdoar os homens do passado, pois eles não sabiam o que estavam fazendo? Eu já havia falado sobre essa ideia em um texto bastante antigo do blog. Repito. Não temos que perdoar os homens do passado. Temos que repudiar suas ações e nunca mais repetir seus erros. Encontrei no próprio Martelo das Feiticeiras, livro publicado em 1484, o argumento que me permite condená-los por seus atos sem desculpá-los por motivo algum. Na passagem destacada acima fica absolutamente evidente o fato de que, já naquela época, havia pessoas apontando para o absurdo que era acreditar em bruxaria. O que aconteceu foi que, infelizmente, aqueles que estavam certos perderam na disputa pelo poder e tiveram seu discurso suplantado pelo fanatismo.
Já naquela época havia trabalhos sendo publicados que falavam sobre o absurdo que era creditar em bruxaria, que afirmavam que tudo não passava de uma fantasia. Então, os elementos necessários para combater o obscurantismo da fé e acabar com toda a abominação que foi a Inquisição estavam dados.
Você me pergunta qual é o sentido de ficar revirando o passado? Porque estamos sempre a um movimento social em falso de uma nova barbárie. Além das muitas das quais ainda somos vítimas.
Por acaso vamos querer que o futuro nos perdoe por massacrar nossos jovens negros nas favelas? Por culpar as mulheres vítimas de violência pela violência que sofrem? Qual é a nossa desculpa?
O nosso erro é pensar que o passado foi completamente superado. A gente assiste séries e filmes sobre a forma como o tempo é circular e não linear (A Chegada e Dark, por exemplo), e não se dá conta de que esse fenômeno é verídico; mais uma vez, a ficção conta verdades falando mentiras.
O passado se repete, e repete, e repete. E se essas citações não te assombram como a mim, é sinal de que temos de lembrar estas histórias horrendas mais e mais.

KRAMER e SPRENGER, O Martelo das Feiticeiras. Tradução de Paulo Fróes. 13a edição. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1998.

Os milhares de braços dos profissionais de saúde. 

“Psiquiatras são assim, cheios de braços. Fazem tudo que der pra ajudar. Se puder tirar a cabeça de um e botar em outro, faz também. Se não der certo, tá bom também”.

Eu ouvi esta frase de um usuário do serviço de saúde mental que estava participando de uma oficina de jardinagem lá no hospital da Nise da Silveira.
Isso aconteceu há meses. Eu anotei essa frase e fiquei com ela guardada sem saber o que fazer com esse duro choque de realidade, expresso em uma frase tão fantástica.
Muitos profissionais de saúde são assim mesmo, cheios de braços. Chegam em cima dos pacientes sem pedir licença, aferindo, medindo, apertando, abrindo, levantando roupas, mandando tossir.
Os psicólogos também vêm cheios de boas intenções e de boas teorias, fazem de tudo para ajudar. E se o paciente não vai bem, a complexidade dos fatores ambientais, psicológicos, sociais e biológicos era simplesmente complexa demais para que fosse possível uma interferência efetiva, ou o paciente resistiu.
Paciente é outro tipo de gente, se é que é gente. Derrepente ele se vê desautorizado a falar do próprio corpo e da própria mente.
Tem muito profissional por aí, contudo, tentando fazer diferente. A gente tem um forte movimento pelo desinstitucionalização da loucura atualmente no Brasil encabeçando essa luta.
Muita gente boa lutando para tirar suas mãos desautorizadas e suas teorias não solicitadas de cima das outras pessoas, sem lhes tirar também o cuidado e a melhor atenção em saúde disponível a que elas têm direito.

Por que não queremos dar dinheiro aos pobres?

“Era preciso ser caridoso; diziam mesmo que sua casa era a casa de Nosso Senhor. Deleitava-se em dizer que praticavam a caridade com inteligência; na verdade, viviam possuídos do pavor de serem enganados e de encorajarem os vícios. Por isso nunca davam dinheiro, nunca! nem dez soldos, nem mesmo dois; então não era sabido que assim que um pobre se via com dois soldos ia logo bebê-los? Suas esmolas, portanto, eram quase sempre em gêneros, principalmente em roupas quentes, distribuídas no inverno às crianças indigentes” (ZOLA, 1979, p. 98 e 99).

 

Há anos eu quero escrever o texto de hoje. E foi esta passagem do livro Germinal, que eu li recentemente, que fez com que a vez dele finalmente chegasse.

Eu já havia me debatido com esta questão muitas vezes antes na vida, mas nunca encontrei muito coro nas vozes das outras pessoas. “Quem sabe é só um problema meu”? Mas, ao esbarrar com esta passagem, percebi que meu incômodo fazia sentido.

A primeira vez que atentei para o fato foi no primeiro período, na primeiríssima semana da faculdade. Estávamos todos na rua pedindo dinheiro para a chopada como parte do nosso trote. Até que em certo momento, eu fui para o ponto de ônibus. Eu sairia de botafogo e iria para o centro da cidade e pediria mais dinheiro por lá. Quando cheguei ao ponto, não perdi a oportunidade de pedir dinheiro às pessoas que estavam ali. Não me lembro se todas deram dinheiros ou quantas pessoas tinham no ponto nesse momento. Só me lembro que eu recebi dinheiro de pessoas que estavam naquele ponto e, minutos depois, veio um menino pobre, pedindo dinheiro àquelas mesmas pessoas e eu não vi ninguém dar dinheiro para ele.

Aí comecei a me tocar de que as pessoas geralmente não gostam de dar dinheiro para meninos e meninas de rua, mas que, aparentemente, não se importam em dar dois, cinco ou dez reais para calouros universitários.

As pessoas costumam dizer que dar dinheiro para pessoas pobres que pedem na rua significa encorajar o vício ou a criminalidade. Eu fico me perguntando o que essas pessoas acham que um bando de adolescentes de classe média alta vai fazer com o dinheiro que arrecada…? Vocês têm alguma ideia? Vão beber esse dinheiro todo! Fumar, usar drogas etc.

O caso é que a gente não gosta que a pobreza se aproxime da gente enquanto estamos na rua, invada nosso ambiente, polua nosso ar com seu cheiro. O fato é que nos indignamos com o fato de haverem pessoas pobres “que não fazem nada para acabar com a própria pobreza”. Achamos que as pessoas que nos pedem dinheiro na rua estão se aproveitando de nós! Da nossa boa vontade e do nosso árduo trabalho. Para sermos espertos e nos garantirmos de que não seremos enganados, danos roupas ou comida ou qualquer outro bem que NÓS julgamos que aquele pobre precisa ou que julgamos que ele deveria querer. Aquele pobre, de fato, deve aceitar e se resignar ou que o nosso julgamento superior afirma ser a necessidade DELE e o que trará efetivamente maior benefício para ele e para a sociedade. E nós não conseguimos enxergar como isso tudo é absolutamente arrogante e prepotente. Relutamos em admitir que não sabemos o que é melhor para o pobre. Não sabemos lidar com a pobreza.

Pensando numa alegoria, as coisas seriam mais ou menos assim segundo a mentalidade de quem tem poder aquisitivo:

 

Uma pessoa de bem se vê, da noite para o dia, privada de todos os seus bens, morador de rua, desempregado e sem família. Essa pessoa de bem, usando seu julgamento superior e seu acurado senso de dever e de justiça, faria escolhas inteligentes, se esforçaria muito e em dois tempos, conseguiria reorganizar sua vida.

 

É isso que imaginamos: se aquele pobre tomasse jeito e no lugar de ficar largado na rua pedindo dinheiro fosse para um abrigo, procurasse estudar e trabalhar, ele teria uma vida boa e descente.

Eu tenho uma novidade para você: as chances de uma coisa dessa acontecer numa sociedade como a nossa são pequenas. Bastante pequenas.

E o nosso cidadão de bem fosse parar no meio da rua, ele iria possivelmente sofrer algum tipo de violência, sofreria com o preconceito e passaria fome, contrairia doenças e, possivelmente, morreria em dois ou três anos.

Ainda tem o fato de nós inocentemente acreditarmos que é a bebedeira ou o uso de drogas do morador de rua a principal ou uma das principais causas da violência da cidade.

O próprio fato da pessoa estar ali te PEDINDO dinheiro já mostra que ela está com um pé atrás em relação a cometer um crime. Ela poderia, de fato, estar matando ou roubando e ela escolheu não estar.

Nos últimos anos começamos a nos apavorar com o fenômeno das cracolândias, afinal, não é mesmo? A cracolândia é um fenômeno diverso daquele dos moradores de rua. A cracolândia existe porque as pessoas são empurradas para o entorpecimento frente à realidade. Empurradas pela negligência do Estado que não ampara e não cuida dos grupos mais oprimidos, da população pobre que acaba sendo a consumidora necessária do produto do tráfico de drogas, que o governo não combate até as últimas consequências, pois o funcionamento do estado é atrelado ao crime e a corrupção.

Não somos eu ou você individualmente que vamos fazer a diferença positiva ou negativamente nessa questão.

Foi essa reflexão de quase dez anos atrás que Émile Zola descreveu na passagem citada de seu livro Germinal. Parece que esta preocupação de ser enganado e prejudicado pela pobreza ganha força com o surgimento da burguesia. As classes parecem mesmo estar em guerra uma com a outra e não se dá armas ou vantagens ao inimigo.

 

Zola, Émile. GERMINAL. Tradução de Francisco Bittencourt. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

A filha do mineiro e a filha do burguês no Germinal de Émile Zola.

Mais ou menos às quatro da madrugada, durante seis dias na semana, acordavam os mineiros e suas filhas, também mineiras, para um dia extenuante de trabalho, em semi-jejum:

“(…) Catherine fez um esforço desesperado. Espreguiçava-se, crispava as mãos nos cabelos ruivos que se emaranhavam na testa e na nuca. Franzina para seus quinze anos, não mostrava dos membros senão uns pés azulados, como tatuados com carvão, que saiam para fora da bainha da camisola estreita, e os braços delicados, alvos como leite, contrastando com a cor macilenta do rosto, já estragado pelas contínuas lavagens com sabão preto. Um único bocejo abriu-lhe a boca um pouco grande, com dentes magníficos incrustados na palidez clorótica das gengivas, enquanto seus olhos cinzentos choravam de tanto combater o sono. Era uma expressão dolorosa e abatida que parecia encher de cansaço toda a sua nudez” (p. 21).

 

Seis horas mais tarde, acordavam as poucas filhas dos burgueses e os burgueses, para uma mesa posta de pães e bolos e um dia de ócio produtivo.

“(…) forrado de seda azul, com mobiliário laqueado de branco e filetes azuis, um capricho de criança mimada satisfeito pelos pais. No alvor informe do leito, à meia luz filtrada pela abertura de um cortinado, a mocinha dormia, cabeça apoiada no braço nu. Não era bonita, mas muito sadia, muito vigorosa, madura mesmo nos seus dezoito anos, com uma carnação soberba, uma frescura de leite, cabelos castanhos, rosto redondo, narizinho voluntarioso afundado entre as faces. As cobertas tinham escorregado e podia-se vê-la respirando, mas tão levemente que a respiração nem sequer movimentava seu colo já desenvolvido” (p. 83).

 

Zola, Émile. GERMINAL. Tradução de Francisco Bittencourt. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

A corrupção estrutural e a corrupção cotidiana, ou o jeitinho brasileiro.

Estão dizendo por aí que é o “jeitinho brasileiro” a origem da corrupção que vemos nos nossos governantes.

Se você realiza uma pequena ação errada no seu dia a dia, você não é diferente do político que rouba do hospital, causando indiretamente a morte de milhares de pessoas, ou daquele que rouba o dinheiro da merenda das escolas e deixa criancinhas passarem fome.

Outro dia eu estava revendo uns episódios antigo de The Big Bang Theory. Até que um episódio ilustrou perfeitamente o absurdo que é ancorar a corrupção estrutural na “corrupção cotidiana”.

Existe um salto qualitativo entre colar em uma prova e deixar crianças passarem fome, entre sentar no assento preferencial e roubar o dinheiro do pagamento dos médicos. 

No episódio da série que eu mencionei, Leonard chega dois dias mais cedo de uma viagem de trabalho que durou três meses. No lugar de voltar direto para seu apartamento e encontrar seu amigo Sheldon, ele vai para a casa da namorada, Penny, escondido. Se Sheldon o descobrisse lá, Leonard passaria maus bocados. Contudo, Sheldon, após uma rápida interação com Penny, enquanto ela tenta se desvencilhar do amigo que a convida para jantar, desconfia. Ele acredita que Penny estava acompanhada, mas, sem saber da volta do amigo, ele acredita que ela está traindo Leonard.

Sheldon retorna para seu apartamento e, mais tarde, encontra sua namorada, Amy. Sheldon começa a levantar alguns argumentos para justificar sua crença da infidelidade de Penny. Amy, a princípio cética, descarta os argumentos de Sheldon. É um desses argumentos que Amy descarta que chama atenção e é relevante para a presente discussão.

A certa altura, Sheldon afirma que, certa vez, ele e Penny estavam em um “concurso de encarar” (uma brincadeira infantil: duas pessoas se encaram fixamente, quem piscar primeiro perde) e Penny teria batido palmas muito alto e feito Sheldon piscar. Ou seja, ela teria trapaceado no jogo. O personagem então afirma que era uma questão de dar um pequeno passo entre trapacear em um jogo e a infidelidade sexual. (Esse foi um dos argumentos rejeitados por Amy). 

O fato de Penny ter trapaceado na brincadeira não fala absolutamente nada da sua postura ética em relacionamentos amorosos.

Ao tomar decisões éticas em sua vida, uma pessoa normalmente considera uma série de fatores. O resultado de suas ações é um destes fatores. Se uma pessoa avalia que suas ações não trarão consequências negativas em aspectos importantes, ela pode acabar realizando esta ação a despeito de considera-la errada.

Nada disso tem o objetivo de justificar as coisas erradas que fazemos em nosso dia a dia, o importante é esclarecer que essas atitudes nada têm a ver com a corrupção política.

A corrupção política, como dito anteriormente, é estrutural. Sabe quando a gente diz “que a política corrompe as pessoas”, “os honestos não sobrevivem lá dentro”? Isso sim é verdade. Quem é honesto quando entra na política ou é corrompido, desiste, ou nunca vai conseguir hegemonia no comando do Estado. Os jogos de poder do governo são sustentados nas alianças, interesses do capital e batalhas ideológicas. É esse frágil equilíbrio de forças que tem como um de seus componentes essenciais a corrupção.  

Figurativamente falando, a bancada do governo é como um balcão de atendimento para os negócios dos ricos. Os grandes banqueiros e empresários chegando até o governo com interesses que nada têm a ver com as demandas do povo brasileiro e recebem favores em troca de grandes quantidades de dinheiro.

Toda essa sujeira tem que escoar para algum lugar para que a nossa revolta não seja direcionada para o lugar certo. E é aí que entra o “argumento da legalidade”: dividir para conquistar. O argumento da legalidade é caracterizado pela culpabilização individual daqueles que escapam da norma de alguma maneira. Os problemas do país são vistos dessa forma como a soma dos resultados de cada ação individual fora da lei, por menor que ela seja. O problema e que o todo é sempre maior do que a soma das partes. Todas as pequenas ações ilegais somadas não justificam ou explicam o problema da corrupção.

Se nenhum brasileiro saísse do escopo da legalidade a corrupção dos corruptos governantes do nosso país apenas iria brilhar intacta e inalterada.

Se não entendermos isso seremos os motoristas de ônibus que expulsam aqueles que não têm dinheiro para voltar para casa depois de um dia de trabalho e que acabam dormindo na rua, acreditaremos que a passagem de ônibus está cara por causa da gratuidade, seremos os vizinhos que acreditam que a luz está cara por causa daqueles que têm gato, seremos aqueles que acreditam que as taxas do cartão de crédito estão altas por causa da inadimplência.

O problema é: um Estado cujos membros vivem completamente dentro da lei é mais utópico do que o comunismo. Isso quer dizer que, enquanto não aprendermos a driblar o argumento da legalidade e entendermos que a culpabilização individual serve apenas para desviar a nossa atenção dos verdadeiros culpados dos nossos problemas, vamos atacar uns aos outros fazendo o trabalho sujo dos governantes.

Para finalizar, uma reflexão. Existem as pequenas ações ilegais que são verdadeiros atos de resistência. Não vamos esquecer dos “pulões” de 2013, quando os manifestantes seguravam as portas traseiras dos ônibus abertas para que as pessoas conseguissem entrar de graça. Essa ação é ilegal e altamente recomendada. O objetivo dessas ações é sempre o de criar uma pequena rachadura no sistema favorecendo o povo no lugar dos empresários.

 

Pequeno manifesto pela arte independente.

Hoje foi dia de aquarela, escrita criativa, teatro, comida boa e bonita e muita literatura.

Ser um artista independente não é fácil. Ser um artista independente e um empreendedor é mais complicado ainda. Dominar a arte criativa e a arte burocrática da administração de uma empresa de sucesso é para poucos. Certamente é o caso da idealizadora da Sonhos de Bolso, Natalia Ávila

Eu estou feliz por ser uma modesta parte deste projeto e posso dizer que tudo é feito com muito amor e muita garra. Meter as caras e fazer o projeto acontecer exige esforço e dedicação.

Eu participo do projeto ministrando, junto com a Natalia, a oficina “Alquimia da Palavra”.

Nesta oficina, debatemos os elementos fundamentais da escrita e técnicas de criação de narrativas e personagens. Tudo num mix de teoria e prática.

Este texto não é só de propaganda, não. Se acalme. Eu sei que propaganda costuma deixar a gente irritado. Apesar de vivermos num sistema capitalista; sim, quem dera o artista se alimentasse da sua arte não só emocional e espiritualmente, mas também fisicamente. Por enquanto, não tem jeito. Se você se enfurece com isso, lute pelo fim do sistema no qual vivemos e não contra o cara que quer te vender o que produz de coração.

Nossa, meu pensamento foi longe.

Sabe aquele rapaz que vende poesia na porta do CCBB? Falo assim, com essa intimidade, porque ele sempre está lá. Antes eu também não comprava os textos dele, não. Hoje em dia, eu entendo e vejo o valor nesse tipo de iniciativa.

A gente pode até reclamar dos preços dos livros que estão lá nas estantes das grandes livrarias, mas acabam sendo eles que a gente compra. A gente tem muita dificuldade em valorizar o que está próximo de nós. Preferimos os autores que não conhecemos, os artistas inacessíveis que acenam para nós da varanda do Copacabana Palace.

Isso não quer dizer que você tem que engolir tudo que a arte independente produz. Você aprecia o que fizer sentido para você. Se o cara não for bom para você, esquece. O problema é que a gente tem um certo preconceito em validar a arte de alguém desconhecido, que não tem já uma fama consolidada. A gente precisa da validação do capital – traduzido na fama ou na chancela de alguém que tem poder – para poder dizer que gosta também daquele produto.

Eu gosto da tal “inclusão digital” enquanto muitos a odeiam.

Aí a galera reclama que tem muita besteira na internet porque todo mundo faz o que quer. Faz mesmo! E que bom. Sem a internet, antes da internet, se você parar para pensar, você vai perceber, tinha muita coisa ruim também e as pessoas também faziam o que queriam. Mas… O grupo de pessoas que faziam coisas ruins e produziam o que queriam era muito seleto, porque até para isso, era necessário status e dinheiro. Hoje em dia, mesmo que você não tenha status ou dinheiro, você pode fazer o que você quer.

Pense comigo: Na Idade Média, tinha muita gente ruim fazendo um monte de merda, estas pessoas eram os homens da nobreza ou do clero. Na Antiguidade tinha um monte de gente ruim fazendo merda, eram os cidadãos romanos (homens, nascidos em Roma, que eram pais de família). Atualmente essas pessoas que possuem status, dinheiro ou fama, ainda estão por aí fazendo merda: atores famosos, deputados, presidentes, senadores. A diferença é que agora eles são obrigados a dividir o palco comigo, com o seu vizinho e por aí vai.

A produção da merda é generalizada. Não importa que seja merda, tudo que se torna mais democrático é positivo (vou arriscar essa frase agora e vou pensar mais sobre isso depois).

Ah, seria bom se não fizessem tanta merda por aí; conteúdo merda, comentário merda. Concordo plenamente. Mas é melhor que todos possam falar do que a existência de um monopólio dos locais de fala.

A discussão da Terra plana, por exemplo. Que merda! Mas, de boa, como que você foi convencido de que a Terra não é plana? Você já circulou ao redor do globo? Foi ao espaço? A gente é educado para acreditar nas “fontes confiáveis”. E é bom que isso exista. As fontes confiáveis conferem estabilidade à nossa vida. Mas se você procurar no google formas de provar que a Terra é plana, pode ser que você se surpreenda. Eu me surpreendi muito quando eu percebi que eu nunca tinha me perguntado isso antes. Foi ouvir na escola: “A Terra é redonda”, que eu anotei e nunca mais pensei nisso. Essa história toda é ainda mais absurda se você considerar que, alguns anos depois, eu ouvi, na mesma escola, que a Terra não era redonda! Ela é meio oval, sei lá. Mano, que viagem. Eu precisei da galera da Terra plana para perceber a bizarrice dessa situação. A própria escola te oferece duas versões diferentes da mesma história, mas, como a escola monopoliza a nossa educação, a gente aceita e vai embora. Aí vem a internet, com a galera falando merda por aí, e você questiona verdades elementares da sua existência. Então, eu não acredito que a Terra seja plana, eu acredito que ela seja elíptica, mas eu acredito nisso com muito mais propriedade do que antes e um senso crítico muito maior.  

Se você tem contato com um mar de opiniões diferentes, ainda que elas sejam de baixa qualidade, você, pelo menos, está sendo confrontado com a diferença e isso move as pessoas, os sentimentos, põe a cabeça para funcionar. Quando você tem uma voz consistente e poderosa te dizendo alguma coisa, é mais difícil discordar. Imagina se por um mero acaso histórico, a do Bolsonaro fosse a única voz? Todo movimento revolucionário e progressivo dependeu de uma emergência de diferentes vozes.

Na internet essa pluralidade se faz cada vez mais presente.

O que me ajuda a não ficar irritada quando eu vejo uma besteira na internet é precisamente essa perspectiva que adotei para pensar sobre o fenômeno. Se tem tanta gente fazendo bobagem por aí, cabe a nós refletir e tentar entender o que isso significa, rever e fortalecer a nossa voz singular, tentar encontrar o que nos agrada mais, o que tem mais afinidade com os nossos valores e percepções, no lugar de tentar, tiranicamente, fazer as pessoas se calarem e continuarem ouvindo as mesmas vozes chanceladas por um poder que escapa completamente das nossas mãos.

E se você ficar irritado além da conta com alguma bobagem da internet, ainda tem duas ferramentas maravilhosa que são “compartilhar + escrever publicação”. Ou seja, vocêzinho também pode falar merda na internet! Porque, pasme você, mas, enquanto você acha que tudo que você fala é pérola, tem gente que acha que você só fala merda. Acredita nisso?!

Retomo então a história do cara que ficava na frente do CCBB. Quando eu comecei a me dar conta de que as pessoas compram e, às vezes, leem um best seller caro de livraria só porque algum funcionário colocou o tal livro numa prateleira com uma placa que dizia que aquele era um best seller mundial – sem que você conheça o autor ou do que trata o livro – mas apenas pelo puro e simples poder daquela plaquinha, e nem cogitam gastar dois reais para conhecer a literatura do cara do CCBB, eu me dei conta de que tinha alguma coisa muito triste e equivocada. E eu fazia a mesma coisa, confiando na chancela da notoriedade. É coisa de você se pegar pensando: “Lá vem esse cara encher o saco, vou ali dentro na livraria para escapar dele, aproveito e compro a Trilogia Tebana”. Esse é um pensamento estúpido e sem sentido. Não estou falando contra os best sellers, sou vítima de alguns, nem contra os clássicos, estou apenas tentando falar a favor de quem não se enquadra nem em uma nem em outra categoria.

Novamente: se não tem qualidade para você, não absorva essa arte. Não vai te fazer bem. Mas abra sua mente para sofrer desgosto dos artistas independentes e não só dos famosos, você pode acabar se maravilhando com esse universo. A arte independente está em todos os mercados e nichos, você vai achar algo para encher os olhos e se refestelar. Exemplos de nichos onde você encontra produção independente: cerveja, comida doce e salgada, roupa, literatura, pintura, decoração, fotografia e muito mais. É um universo infinito.

E não se engane, tem muita gente foda por aí que vai morrer pobre e sem casa própria.