Problemas Secundários Incapacitantes.

Estou no último período da faculdade e, a esta altura da vida, venho frequentando instituições de ensino há dezenove anos. Me pergunto em quantos dos dias que transcorreram ao longo destes dezenove anos eu acordei às 07h da manhã com vontade de estudar. Em muitos destes dias, muitos mesmo, eu acabei ficando em casa e não indo à escola ou à faculdade. Nunca repeti de ano, contudo. Nunca repeti uma matéria obrigatória na faculdade. Bendita culpa mortificadora que fazia com que eu me desesperasse ao final de cada ano ou semestre e tentasse recuperar o tempo perdido. Digamos que eu recuperava sempre cinquenta por cento do tempo perdido e passava no fim das contas. Já na faculdade, repeti algumas eletivas por abandono por conta da greve das universidades de 2012. Sinto dizer que minha vida seguiu normalmente depois desse tão temido fracasso. Conheci inúmeras pessoas, me envolvi romanticamente – ou nem tão romanticamente assim – com algumas muitas delas, fiz poucos amigos. E na soma de tudo parece que todas essas experiências vêm dar aqui neste momento nulificante quando sou obrigada a ouvir uma professora afirmar que “o insensato não deve ficar entregue a si mesmo, pois será imprudente”. Eu tenho novidades para você, mocinha. “O insensato” somos nós. Até aqui, em pleno último período da faculdade de psicologia, as pessoas estão me dizendo que a loucura está lá fora. Ainda bem que eu já sei que isso não é verdade. Eu fiz poucos amigos ao longo da vida e tive péssimos namoros provavelmente porque haviam me convencido de que a loucura estava, na verdade, lá fora. Pedi muitas desculpas, me culpei e me achei muito estranha por muito tempo. Sempre que eu batia a cabeça na parede em um momento de desespero eu pensava: “Puta que pariu!!! Eu tenho que ir pedir desculpes para ele AGORA!!! Louca desse jeito ninguém mais vai me querer mesmo…”.

E a voz da professora ressoa novamente proferindo mais uma pérola: “Na solidão, a própria pessoa pode se trair”. E eu pensei: “Para essa merda! Ela está lendo meus pensamentos!”. Sim, professora. Eu também cheguei a acreditar que a solidão era minha pior inimiga. E, graças a minha inacreditável capacidade intelectual, alguns livros sobre feminismo e outros tantos péssimos relacionamentos, hoje em dia eu sei que a loucura não está lá fora e que a solidão não é a minha pior inimiga. A despeito da sabedoria da doutora, eu afirmo que a solidão foi o primeiro estado de absoluta sinceridade do qual desfrutei. Foi o passo necessário para que eu pudesse depois me reaproximar de corpo e alma do mundo de um modo geral e das pessoas de um modo muito mais específico e particular do que eu jamais havia sido capaz antes de ser confrontada com a solidão da minha própria companhia.

Estas novas sabedorias, que ousei ao longo da vida, me são muito caras, pois as pequenas e inocentes sabedorias ultrapassadas de todos aqueles que nos ensinam o que é bom e correto, paralisaram minha vida por muito tempo. Estou feliz por finalmente ter chegado a hora da libertação. Eu acho que todo mundo sabe, na faculdade você pode sair da sala sem pedir permissão para ir ao banheiro ou beber água. Assim que eu terminar de escrever a última palavra deste texto vou me levantar da minha carteira sem fazer questão de ser discreta e vou sair da sala, passando pela frente da professora. Não vou passar olhando para o chão. Na verdade, acho que vou passar olhando para o teto. Quem sabe ela não se toca de que a insana solitária sou eu e do quão libertador será meu comportamento rebelde. 

 

 

2 comentários em “Problemas Secundários Incapacitantes.

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