Vamos falar sobre tristeza e solidão na pós-graduação. 

Hoje eu pude conversar com os alunos da minha pós-graduação sobre tristeza, solidão e depressão nesse meio universitário.
Levei o assunto a uma reunião do corpo discente como proposta de pauta para a próxima reunião. Eu falei meio hesitante, achando que o assunto não ia ser bem recebido, que as pessoas iam se fechar, não iriam querer tocar nessa ferida ou acreditariam que esse não era um assunto assim tão importante.
Qual não foi a minha surpresa quando as pessoas não só se mostraram abertas para discutir o assunto, mas também super dispostas e interessadas em realizar algum tipo de ação para atacar esse problema. Na verdade, muitas pessoas admitiram passar por intenso sofrimento com o trabalho acadêmico. Não estamos sozinhos e todos os estudantes precisam saber disso!
Então, a boa notícia é que eu e os alunos interessados em participar do projeto (que podem ser de qualquer pós-graduação e universidade), iremos começar a trabalhar para promover um espaço aberto e seguro para que os estudantes falem sobre suas angústias! Se você quer participar ou conhece alguém que poderia estar interessado em participar da organização e planejamento desse projeto, peça para entrar em contato comigo!

Do Renascimento ao Século XVII d.C. Parte II

Capítulo V (Vou dividir o capítulo, na verdade, em três partes, para tornar a leitura mais palatável).

 

Quanto ao quadro geral do número de suicídios encontrado na época, cabe apontar para o seu aumento significativo. No entanto, este fato deve ser tomado apenas como demonstrativo de uma maior eficiência dos relatos deste tipo de morte e não como um aumento de fato da ocorrência do suicídio. (Ou seja, a ideia então é que não houve um aumento real do número de pessoas que tiram suas vidas ao longo de diferentes períodos históricos. O número de suicídios sempre foi estável proporcionalmente em relação a população absoluta).

Os relatos de morte por suicídio feitos por volta e a partir do século XVI começam a ocorrer com considerável eficiência e em maior número. Para que isso fosse possível não se deve deixar de considerar o já mencionado surgimento da imprensa, o grande número de jornais e folhetos que passam a circular cotidianamente, a maior facilidade da circulação de informações e a maior frequência e disponibilidade das traduções.

Pode-se atentar também para o que Foucault observou: o fato de que, neste período, começa a ocorrer um maior interesse do Estado em manter um controle mais rigoroso de toda sorte de eventos (1998). Surge nesse período o que ele denominou poder disciplinar, que encarna o interesse pelo controle minucioso dos corpos de todos os cidadãos. O próprio surgimento da estatística é apontado pelo autor como um instrumento desse controle. Começam a ser controladas as taxas de natalidade e mortalidade, o número de suicídios e assim por diante. Enfim, o que se verifica é o surgimento de diversos índices que favorecem o conhecimento e o controle dos indivíduos. Quanto ao controle do número de suicídios, especificamente, Minois cita à exaustão exemplos de todo tipo de listas ou locais nos quais as relações de causa e morte eram apresentadas, salientando que haviam aquelas dedicadas exclusivamente à morte voluntária (Minois, 1998, p.229 e 230).

Chegamos então ao momento oportuno para a introdução dos debates filosóficos a respeito do tema. E, mesmo que não fossem em grande número, os filósofos que fizessem deste um de seus principais temas, a grande maioria deles deu a sua contribuição para o debate (op. cit.).

Em um primeiro momento, a loucura emerge como um foco para o pensamento, na medida em que se apresenta como “refúgio, fuga e explicação” da sociedade e de tempos tão conturbados como os séculos XV, XVI e XVII, nos quais inúmeras guerras, pestes, intensos conflitos religiosos, mudanças na configuração política e econômica dos Estados, colonização de novas terras e muitas outras mudanças perturbam a consciência da época e, misturado com ela, sendo obscuro o limite que dela o separa, se encontra o suicídio.

O entendimento da loucura passa por uma brusca mudança em um curto período. As posições de Sébastien Brant e Erasmo de Rotterdam, tal como demonstrado por Minois (op. cit., p.100), exemplificam muito bem essa mudança, que se daria entre o entendimento da sabedoria e da loucura. A exemplificação mencionada seria feita pela apreciação de duas sentenças, cada uma de um dos autores: “procurar a morte é uma loucura, pois a morte sempre nos encontrará” – enunciada por Sébastien Brant – e “Quem são aqueles que por desgosto da vida se entregam à morte? Não estarão eles mais próximos da sabedoria?” – enunciada por Erasmo de Rotterdam. (Disputas intelectuais da época. O suicida é são ou louco? Qual é o sentido atribuído ao ato de tirar a própria vida? Essa é uma pergunta com a qual nos debatemos até hoje. A distância entre o pensamento dos gregos e o atual é bastante evidente em certo sentido, no que diz respeito ao debate do suicídio no ocidente. Mas com as discussões que surgem já aqui no renascimento é bem fácil se identificar. Já existem muitas ressonâncias com o modo de pensamento atual). O primeiro afirma então que é necessário ser louco para querer se matar e o segundo que é necessário ser louco para querer ficar vivo. O último ainda completa:

 

Basta ver todas as calamidades a que está sujeita a vida dos homens, a miséria e obscenidade de seu nascimento, a dificuldade da educação, as violências a que está exposto na infância, os medos a que está submetido na idade madura, o fardo da velhice, a dura necessidade de morrer, porque sempre ao longo da vida sofrerá todas as doenças que o assaltam, os acidentes que o ameaçam, os males que lhe caem em cima, os rios de fel que envenenam todas as coisas, sem falar dos males que o homem inflige ao homem: pobreza, prisão, desonra, vergonha, torturas, armadilhas, traição, injúrias, velhacarias (…). Como vê, penso eu, o que se poderia esperar se os homens fossem mais sábios: seria preciso outro barro e um novo Prometeu para o modelar (ibidem).

 

Outros aspectos desse debate se encontram nos estudos feitos por Montaigne. Ele afirma que o suicídio não é uma questão de moral abstrata, não podendo ser pensado em absoluto e valorado por posições universais. (Amo esse filósofo)! Apenas o indivíduo por si mesmo, perante uma situação particular poderia avaliá-la e a todas as possibilidades que apresenta, chegando por tal avaliação à saída que lhe pareça mais razoável, sendo apenas neste nível o suicídio passível de valoração.

A razão desponta neste momento como aquilo que deve iluminar qualquer sorte de reflexões e o suicídio não será considerado por outro prisma por Descartes. O filósofo não se deterá no tema, mas esclarecerá seu posicionamento em algumas de suas correspondências pessoais (op. cit., p. 202). A razão não nos diz nada sobre a morte, se existe ou não algo depois dela. Cometer suicídio seria, então, trocar o certo pelo incerto, o que constitui um erro. O suicida não é, nesta perspectiva, um pecador, mas alguém que comete um erro de juízo; e aquele que erra pune a si mesmo. (Deu para ver muito isso com o meu estudo. A galera não necessariamente se debruçava sobre o tema do suicídio, mas tinha que dar um pitaco).

Cabe observar que esta posição não deve ser tomada como representativa da dos racionalistas de um modo geral, assim como a posição de Hume, a seguir apresentada, não reduzirá de modo algum a dos empiristas. Pelo contrário, o que se encontra comumente é uma intensa discordância entre os filósofos e uma ambiguidade muito grande das posições particulares. (Justamente porque era uma discussão muito viva. Poucos grandes tratados filosóficos foram produzidos sobre o tema da morte e do suicídio especificamente por esses filósofos pops, mas eles sempre tinham algo a dizer. Sobre tudo; na verdade, eles sempre tinham algo a dizer. Falo isso com um pouco de amargor e ressentimento porque a academia, tal como eu a experimento, é muito rigorosa quanto a quem pode dizer alguma coisa. Como se a senioridade ou o título assegurassem que tudo que sai da boca de alguém são pérolas de sabedoria. Esses filósofos falavam cada absurdo. Leia os textos do Kant sobre mulheres, por exemplo, e você vai saber do que estou falando. Observação: se você acompanha meus textos, sabe que eu não perdoo crueldade e babaquice por conta do período histórico em que uma pessoa viveu, então não venha me dizer que era outra época. A “vida” sempre foi a “vida” e o ser humano sempre apenas teve uma destas e muitas mulheres morreram por causa dessas ideias e práticas e não voltarão à vida nunca mais. A gente fica pagando pau para as ideias dos filósofos, tentando salvá-los de suas atrocidades intelectuais e morais, mas resiste em ouvir os jovens, vivos, que querem gritar e expressar suas ideias. Se é para ouvir babaquice eu prefiro ouvir de alguém com quem eu consiga gritar de volta e não das páginas de um livro reverenciado escrito por um velho morto. Essa é a ideia. Parece que o caminho da graduação para o pós- doutorado é o caminho do “rejuvenescimento” do autor que você estuda. Como assim? Na graduação, a maioria dos autores que eu estudei eram senhores veneráveis que morreram velhos já há muitos anos, no mestrado, eu já comecei a estudar uma galera mais atual, se não o autor principal, pelo menos os comentadores, um ou outro vivo ainda. Agora, no doutorado eu estudo muita gente que está viva ainda e produzindo e que está na casa dos cinquenta anos! No pós-doc eu devo conseguir conhecer e debater com algum intelectual que regule comigo. É isso. Você tem que ir galgando degraus para ser ouvido. O problema é que você aprendeu a calar por tanto tempo, que quando chega a sua hora de falar, o que te resta a dizer já não carrega a potência da revolta da juventude, que sempre foi o que fez avançar o mundo. Eu vou parar por aqui hoje, porque acho essa ideia muito importante e quero que você medite sobre ela. Qualquer coisa discuta comigo nos comentários. Para a sua sorte, eu estou viva e você não é obrigado a baixar a cabeça para falar comigo :P).

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

Desespero e Pecado na Idade Média.

Capítulo IV

O início da Idade Média é marcado pela repressão ao suicídio e a crescente influência do cristianismo no regimento do território e das almas. Dante narra em seus infernos, sétimo círculo, II parte, que os culpados por praticarem violência contra suas vidas, privando-se do mundo terreno, estão condenados a transformar-se em árvores que “as negras harpias dilaceram”, causando “intensa dor que rompe em voz plangente”. (Um dos meus maiores orgulhos bestas durante a adolescência era o fato de ter lido A Divina Comédia no primeiro ano do ensino médio. Não entendi ab-so-lu-ta-men-te na-da do livro. Eu fui lendo pela sonoridade das palavras e pelas figuras maneiras. Eu ia para a biblioteca com uma amiga no recreio para lê-lo. Eu não entendia porque era difícil mesmo de acompanhar a narrativa em certo sentido – um sinal disso é que a edição que eu comprei da obra, anos depois, tinha mais notas explicativas do que texto mesmo, a edição da biblioteca era velha e não tinha nota nenhuma. Foi meio nostálgico voltar a esse livro na confecção do trabalho monográfico. Eu queria ter colocado as ilustrações aqui na mono. Na verdade, eu pesquisei muito os trabalhos artísticos do fim da Idade Média, passando pelo renascimento e chegando ao romantismo que tratavam do tema do suicídio e da morte de um modo geral. Não sou entendida no assunto, mas fui seguindo o raciocínio de alguns autores. Nas apresentações que eu fiz em congressos desse tema do suicídio, eu sempre incluía uma parte com essas imagens. Nem sei se eu as tenha mais no computador atualmente…).

O homem medieval não questiona a bondade da sua existência, uma graça divina. O suicídio é facilmente assumido como resultante de uma tentação diabólica pelo desespero ou como um ato de desrazão. Para o primeiro caso começam a se estabelecer gradativamente diversas penalidades que variavam de acordo com o local e a época na qual o suicídio era cometido, como arrastar o corpo do suicida pela praça ou pelas estradas e depois pendurá-lo, deixando-o apodrecer sem sepultura e sem nenhum ritual póstumo em sua homenagem. A prática da confiscação dos bens também se verifica.

Na análise de tais punições, que poderiam sob uma visão apressada ser consideradas despropositadas, cabe uma reflexão um tanto mais cuidadosa, a começar pelas relações entre alma e corpo entendidas na época. A relação estreita entre ambos atribuía uma grande significação a tais práticas, na medida em que elas visavam à humilhação e à incapacitação do corpo do suicida para que o espírito deste não pudesse encarná-lo novamente para importunar os vivos. A prática da condenação do corpo possui, como já mencionado, origem nos costumes de caráter supersticioso que, em sua maior parte, derivam daqueles praticados na Antiguidade pagã. (Naaaaaaaãoooo… O cristianismo se apoderando e resinificando práticas pagãs?! Quem diria! O que aconteceu aqui, foi que meros costumes supersticiosos se tornaram punições oficiais. Eu achei esse movimento extremamente interessante. Ainda me fascinam esses desenvolvimentos históricos). Além disso, algumas punições impostas ao cadáver do suicida podem mesmo impedir um indivíduo de cometê-lo, como se observou no caso das jovens de Mileto. (Bizarro esse caso). Tomadas por uma intensa fúria, várias jovens teriam cometido suicídio por enforcamento até que fosse declarado que a próxima que o fizesse seria carregada inteiramente nua pela cidade, tendo seu corpo exposto por dois dias. Imediatamente cessa a onda suicidária, conforme narra Plutarco (Cassorla, 1981, p. 5). (Essa era uma das grandes tristezas de tentar ser uma pesquisadora numa universidade brasileira com poucos recursos. Como eu queria ter tido acesso a alguns dos textos que nós mencionamos aqui no original, poderia ser traduzido para o português, mas eu queria ter lido esse relato diretamente dos escritos do Plutarco. Mas não tivemos acesso a esse material. Você pode reparar que o autor que eu referencio é o Cassorla, A impressão que fica é que não poderia ter existido um Foucault brasileiro. Que fica na biblioteca da própria universidade “descobrindo” vários textos fodas, pouquíssimo conhecidos ou estudados para trabalhar. No lugar disso, aqui no Brasil, nós estudamos o Foucault. Nós não temos incentivo para fazer coisas inteiramente novas, somos encorajados a repetir as coisas que os grandes autores estrangeiros disseram, a compreender o que eles pensavam, no ligar de imitarmos suas ações e sua metodologia inovadora de pesquisa e produção, replicamos seus achados e seus textos).

Já quando era atestada a loucura, o cadáver recebia indulgência. Cabe deter-se um instante na análise destes casos. Em primeiro lugar deve-se salientar o fato de que, não raramente, o suicídio dos nobres, na intenção de ser preservada a honra da família, era escondido por um atestado de loucura. Em segundo lugar, apesar da legislação se mostrar extremamente rigorosa com relação à condenação do suicídio, na prática, não se verificava tamanha rigidez.

O julgamento das autoridades, na maior parte das vezes, era bastante indulgente, de modo que qualquer sinal que pudesse apontar para a loucura era comumente aceito como prova da mesma. Qualquer sinal de grade irritação, fúria ou agitação, relatos de que o suicida estava tendo delírios ou alucinações era usado como prova daquilo que se conhecia como frenesi. (O controle das populações, como o próprio Foucault coloca, não era característico desse período. Aqui importava mais o governo do território do que das pessoas e dos grupos. É isso mesmo? Ainda lembro bem? Portanto a lei não intervinha singularmente em cada caso, esse não era o principal interesse). Em terceiro lugar, aquele suicídio conhecido na Antiguidade como suicídio filosófico ou suicídio por taedium vitae tem simplesmente seu sentido reflexivo desconsiderado e passa a ser entendido como um tipo de loucura, não mais como um estado de espírito, mas um estado físico causado pela melancolia. Este termo deriva do grego e significando “humor negro” designa uma bílis negra que, quando em excesso, escurece o cérebro causando pensamentos sombrios. (Outro ponto que me causa extrema fascinação. Vou tentar explicar. O objetivo desse trabalho era mostrar que não existe uma essência do suicídio. Eu acho que esse ponto é um dos mais poderosos nesse sentido. Pois todo um campo da vivência emocional das pessoas foi sumariamente desconsiderado nesse período histórico. O suicídio por desprezo da vida, aquele que seria levado a cabo pela reflexão de que a vida não vale apena ser vivida, desapareceu. Aquele suicídio verdadeiramente deixou de existir. As pessoas não mais reconheciam, ou não sabiam nomear, essa experiência de desvalor da vida. Pelo contrário, com o sentimento de que a vida é uma dádiva divina, aqueles que sentiam algo como desprezo pela vida tinham uma experiência completamente diferente da dos antigos. Aqui a gente vê que não tem nada de essencial em jogo aí. Só o que sobrou foi o ato bruto de tirar a própria vida – nem o nome suicídio existia ainda –, mas a experiência do ato de se matar, foi completamente ressignificado).

Durante a Idade Média, em contraste com a Antiguidade, quase não se observam suicídios de grandes nomes. Para isso podem-se apresentar alguns prováveis motivos. O principal seria a ocorrência de muitos suicídios indiretos. Estes não seriam propriamente suicídios, mas a exposição voluntária a situações que pusessem em risco a vida do indivíduo. (Esse assunto: suicídio, para-suicídio, comportamento de risco, é um ao qual eu gostaria de dedicar um texto a parte). A aristocracia medieval, e principalmente ela em comparação com a nobreza de outros períodos, se valeria então de uma série de dispositivos que serviram como “substitutos” para o suicídio. Seriam estes: a caça, as guerras, as Cruzadas, a rendição ao inimigo em combates, os suicídios lúdicos – como era o caso das mortes em duelos – e outros. (Ou seja, o povo era criativo em se tratando de achar jeito de morrer). Que seja observado que estes tipos de “suicídio” são considerados nobres e louváveis. O que também prova que, além da indulgência comum dos julgamentos, também havia uma falta de linearidade por parte do clero e da aristocracia entre as ideias que professavam e o modo como agiam. (Pois é, não é. Se está messe trabalho aqui é porque algum autor fez essa análise. Eu não me arriscava a tirar muita coisa da minha própria cabeça desse período. Agora que eu estou me autorgando o direito de fazer isso, eu diria que tenho um pé atrás com esta avaliação. Trata-se justamente de saber se podemos chamar esta exposição ao perigo como suicídio. Algumas dessas formas de exposição nem voluntárias são. Ir para a guerra, por exemplo. O que acontecei quando o cara desertava? Não era de boa. Como você vai colocar o exemplo do cara que morre na guerra como um suicídio em alguma escala, memso que seja uma to heroico, individual de bravura, no qual uma pessoa, ou uma tropa, “se martirizaria” em prol do cumprimento de uma estratégia de batalha? É uma questão de não ter muita opção. A caçada. Se você é convidado para uma caçada e se recusa? O que acontece? Sei lá. Mas enfim, eu também não tinha tempo na época para procurar bibliografia e discutir esses argumentos. Na verdade, esse não é muito o objetivo de uma monografia Noramalmente, nas monografias que tratam de tema teóricos nas humanas, você não coloca dois autores para conversar. Isso já é algo mais da ordem de um mestrado. Na monografia você escolhe um tema ou um autor e tenta entender um pouquinho daquilo ali.). E a estes tipos de suicídio se opõe o da população em geral, geralmente executado por afogamento ou enforcamento. O que irá caracterizar então um suicídio como direto, covarde e egoísta ou como indireto, nobre e altruísta são os meios e os motivos pelos quais ele se realiza. E é a moral dominante, marcada por um ideal cavaleiresco e a busca pelo sacrifício cristão, que sanciona esta diferença.

Quanto ao suicídio dos eclesiásticos, estes recebem um julgamento especial, que não era realizado pela justiça civil. O corpo de um eclesiasta suicida devia ser entregue ao membro da igreja responsável que executaria os devidos rituais de acordo com a lei da Igreja. Mas deve-se ressaltar que mesmo o suicida sendo um civil ou um membro do clero, muitas vezes há brigas entre a justiça civil e a eclesiástica, principalmente no que diz respeito à confiscação dos bens do suicida. (Claro. Dinheiro todo mundo quer. Eu tive um professor de história no ensino médio, que dizia que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso)!

Duas últimas categorias de suicídios medievais seriam as dos suicídios heréticos ou judaicos. Os primeiros devidos a perseguições religiosas ou disputas territoriais. Os hereges, ao se verem ameaçados pela cobiça lançada sobre suas terras, para escapar a morte pelas mãos de seus inimigos, matam-se pelas próprias; por outro lado, ao serem colocados perante a escolha de abjurar sua fé ou morrer, eles “avançavam alegres e decididamente para a fogueira” (Minois, 1998, p. 26). Não devemos deixar de observar que enquanto os martírios voluntários dos cristãos constituíam um mérito, pois estes eram inspirados pelo amor a Deus, os suicídios dos hereges eram inspirados pelo diabo e não eram dignos de nenhum valor ou admiração (o que não impediu que alguns eclesiásticos os admirassem apesar das condenações oficiais). (Eu queria ter colocado as citações aqui! Vários textos da galera do clero relatando viagens das cruzadas, falando desses suicídios heréticos com a maior admiração! O pensamento da Igreja em inúmeros momentos não era o pensamento dos homens que compunham a instituição. Isso é uma condição geral em se tratando do Estado, das religiões etc., mas é interessante ver exemplos pontuais de como essas coisas acontecem e tentar entender como surge a visão da coletividade uma vez que há tanta discordância entre as partes. É o movimento dialético vivo no seio da história. Demais). Os suicídios judaicos, por sua vez, foram devidos, principalmente, às perseguições religiosas e cometidos em grandes números (muitas vezes por terem sido cometidos em massa) durante as cruzadas.

A partir do século XIII d.C. começa a ocorrer um retorno ao direito romano[1]. Deste modo, no que diz respeito à legislação, principalmente a partir do século XV d.C., com a intensificação dessa retomada e os novos questionamentos que emergiram influenciados pelo redescobrimento, operado pelos humanistas, da moral pagã, começa a aparecer alguns sinais oficiais de indulgência. (Eu não gostei desse capítulo. Mas foi um capítulo difícil de fazer. A gente se perdeu na leitura de várias coisas sem noção de teologia e de direito medieval que não tinha como aproveitar – e muitas vezes não dava para compreender muito bem. Faltava base para fazer essa parte da pesquisa. Pensando em trabalhar esse texto para uma possível publicação, eu não sei se daria para aproveitar este capítulo).

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

[1] Ocorrem uma série de transformações na arte, economia e política. Maurice Gandillac denomina esse episódio como “prelúdio do renascimento dos séculos XV e XVI, onde há coesão relativa de expressão estética e atividade cultural”. Refere-se ao progresso do comércio, decadência da nobreza feudal, o primeiro esboço das monarquias nacionais, impulso da ciência médica, reformas monásticas e mudanças nas línguas. (1995, p.40)

 

Divulgação Científica.

Os trabalhos acadêmicos geralmente são engavetados depois de entregues (trabalhos de conclusão de disciplina, monografias, dissertações e teses) e grande parte deles jamais torna a ver a luz do dia.

Nós, os autores, ficamos nos prometendo que voltaremos a eles algum dia porque “ainda dá para tirar um artigo dali”. Mas dificilmente voltamos.

Resolvi aproveitar o projeto do blog para finalmente colocar em prática a proposta de retomar os trabalhos acadêmicos que já produzi. Despretensiosamente. Para me refamiliarizar com os estudos do passado e avaliar se algum é, de fato, promissor.

Aos poucos vou postando os trabalhos que já produzi (divididos em partes conforme eu os for relendo), fazendo comentários ou aprimoramentos nos mesmos, como um primeiro passo para recauchutá-los e, quem sabe, vir a publicá-los. Vou tentar me lembrar de sempre destacar os acréscimos ou correções sublinhando-as.

E ainda, é claro, um objetivo não menos importante, quero dar uma arejada nesses textos. Deixá-los mais disponíveis, acessíveis para além da comunidade acadêmica.

Farei isso sem pressa. Aos poucos e no ritmo que o meu coração ditar.

A começar pela minha monografia. A minha monografia teve origem no trabalho final da matéria Tópicos Especiais em Psicologia Social K, da qual fui monitora. A disciplina era sobre o tema do suicídio. O trabalho foi, em grande parte, feito em dupla, com Mhyrna Boechat.

 

REFERÊNCIA DO TRABALHO:

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

Deficiente é tudo igual, não é?

No último domingo, dia 19/11/17, eu fiz o concurso público da UFRJ, concorrendo para a vaga de Assistente Administrativo.

Como o número de vagas era “alto”, havia vagas para deficientes e eu concorri a uma delas.

Foi a primeira vez que fiz prova para um concurso que abriu vagas para deficientes. Infelizmente, só tenho coisas ruins a relatar.

As salas reservadas para os deficientes eram bastante isoladas e distantes. Antes disso, eu não sei como eles selecionam o lugar no qual as pessoas realizarão a prova, mas seria de se imaginar que iriam colocar os deficientes para realizar provas em locais próximos das suas casas. Tinham dois lugares onde seriam realizadas provas da UFRJ na minha rua e, ainda assim, me jogaram para o Fundão.

Quando eu finalmente cheguei ao Fundão e depois da jornada para encontrar a sala (tudo acompanhada da minha mãe), tive a agradável surpresa de que a sala era, na verdade, um auditório. A princípio, parecia que os problemas haviam terminado. Sala confortável, boa iluminação. Mas foi neste ponto que os problemas recomeçaram.

Colocaram na mesma sala pessoas que só enxergavam com muita claridade e pessoas com fotofobia, como eu. Foi um desespero de abre persiana, fecha persiana, chama o técnico para ver se consegue dar um jeito. Que jeito? No auditório em que estávamos, havia vários conjuntos de lâmpadas diferentes. Três, pelo que eu pude perceber. De modo que era possível acender qualquer um dos conjuntos de lâmpadas isoladamente ou os três de uma vez.

O primeiro conjunto de lâmpadas ficava na parte da frente do auditório, iluminando o tablado e deixando o resto da sala numa semipenumbra. Delicinha. Sabe aquelas palestras nas quais você dorme a sono solto? Então. Havia um segundo conjunto de lâmpadas espalhadas em fileiras ao longo do auditório. Entre uma fileira de lâmpadas e outra deveria haver um espaço de aproximadamente dois metros. Enquanto as luzes que iluminavam o tablado eram amarelas, arredondadas e bem fortes, este segundo conjunto era de lâmpadas compridas que pareciam se esconder em dobras do teto. A luz que emanavam era branca e sutil. Com estes dois conjuntos de lâmpadas acesas a sala estava perfeita para mim. O terceiro conjunto de lâmpadas ficava no espaço de dois metros que mencionei, formando uma nova fileira. As lâmpadas aí eram como as que iluminavam o tablado. Quando este terceiro conjunto era acendido, a iluminação era projetada em cima das mesas onde iríamos escrever e praticamente me cegavam. Então, era necessário acender estas lâmpadas para os que precisavam de muita luz, mas desafrouxar aquelas que ficam em cima das mesas dos fotofóbicos para que não acendessem. Foi um troca-troca de lugar, um senta levanta de dar dor de cabeça até que todos pudessem se ajustar.

Depois desse desespero, ainda aconteceu o problema dos tamanhos das provas. Todos na sala haviam pedido prova ampliada e metade das provas veio em tamanho normal, inclusive os cartões-resposta. Começou um fuzuê tão grande que os fiscais foram chamar uma supervisora. A mulher chegou já pisando duro e perguntando: “O que que foi, gente? O que é que está acontecendo?” Nossa, que mulher grossa! Grossa com os fiscais e grossa conosco que faríamos a prova.

Todos estavam preocupados porque a mulher grossa disse que iria buscar as provas e os cartões ampliados, portanto nós deveríamos nos acalmar e começar logo a prova, mas e aí? Como faríamos com dois cartões? Isso não ia dar problema? Correria o risco de sermos desclassificados? Ela praticamente falou que éramos uns escandalosos preocupados à toa, mas, como veremos adiante, deu problema sim, então a agitação era justificada. A mulher não deu nem previsão do tempo que levaria para que chegasse o novo material.

Enfim, começamos a fazer a prova com uns quarenta minutos de atraso. Eu já estava estressada, com vontade de ir ao banheiro (eu pedi, mas não pude sair enquanto as discussões estavam rolando).

Durante a prova ainda ocorreram diversas interrupções. As duas mais desagradáveis merecem destaque. A primeira foi quando a supervisora veio entregar os cartões. Como já havia transcorrido mais de uma hora de prova, eu fui marcando o meu cartão. Vai que a mulher não chega nunca ou chega já nos últimos minutos… “Melhor pintar essas minúsculas bolinhas do que não conseguir preencher tudo ou fazer correndo e acabar errando depois”, pensei premonitoriamente. Por isso eu não me manifestei quando ela perguntou quem havia solicitado o negócio, mas a mulher atrás de mim, querendo ajudar, falou que eu havia solicitado um. Eu me manifestei:

– Não, obrigada. Não precisa mais não – pois eu não queria nem pegar o cartão não estando confiante de que não daria problema.

Aí a babaca me faz um comentário completamente dispensável em voz super alta para todo mundo ouvir – Ah, então não era necessário, não é.

Cara, foi bate e volta, eu levantei a cabeça na hora e respondi – Era muito necessário, mas deveria ter estado aqui antes da prova começar.

Fiquei muito orgulhosa por não ter deixado passar aquele comentário. Já era a segunda vez que eu me estressava com ela. No início, quando estavam distribuindo as provas, eu tive uma dúvida, perguntei a um dos fiscais e ela veio se intrometendo e me dando patada. Eu reclamei do jeito que ela estava falando comigo e ela ficou fazendo sinal de joinha na minha cara.

Eu fico sensível em momentos de estresse. Eu estava sensível naquele momento sim, mas não era só eu que estava puta com o comportamento dela. Foi só a mulher sair que todo mundo reclamou. Estavam todos legitimamente tentando adequar suas deficiências à situação da prova. Aconteceu um monte de merda no meio do caminho e a pessoa que está ali para resolver fica te tratando mal?! Porra!

A segunda interrupção foi justamente por causa do cartão. Parece que todos que estavam com o cartão pequeno, esperaram o grande para começar a marcar as respostas, menos um cara, que marcou em um catão até o outro chegar. Mas ele acabou errando na marcação do novo cartão, o grande, e resolveu entregar o pequeno mesmo. Nós não havíamos sido orientados a não marcar os dois cartões, ninguém falou que se marcasse o grande, era ele que valeria. Lembra, quando estávamos tentando tirar essas dúvidas, a grossa interrompeu e falou que não ia ter problema nenhum, que estávamos muito estressadas, que era para a gente respirar. Aí o cara ficou uns dez minutos brigando com o fiscal, porque queria que valesse o cartão pequeno. O fiscal também não sabia muito bem o que fazer, estava inseguro, mas tentava afirmar que não podia escolher, que ia ser o grande. E metade da sala ainda estava fazendo a prova.

Pois bem, para começar, o local de realização da prova, difícil acesso para certos tipos de deficiência; não sabiam como organizar as pessoas, jogaram deficientes com necessidades incompatíveis na mesma sala (na hora de fazer a inscrição, havia lá a possibilidade de marcar fotofobia, então não era nem como se eles não soubessem das pessoas nesta condição); depois foram as provas e cartões que vieram em tamanhos errados; e, por fim, os profissionais despreparados (o que nem foi o pior) e grossos.

Péssima experiência. Eu não fui bem na prova (Ok, não foi só pela condição esdrúxula da realização da prova, mas também porque eu continuo não sabendo uma vírgula de matemática).

 

Conversas universitárias. Ou: sobre o sucesso na academia.

As palavras de hoje são roubadas das conversas fenomenais que nós temos na vida cotidiana.

Eis como o diálogo transcorreu:

– Você viu aquele cartaz que tem ali?

– Não.

– Um absurdo isso. Você já ouviu falar em X (não me lembro nenhum dos nomes que ele mencionou).

– Fala o que é só para eu ter certeza de que não sei.

– Hm… sabe Y?

– Definitivamente não.

– E Z?

– Nunca ouvi falar.

– Enfim, é uma ideologia babaca, bizarra de direita! Eu não sei como tem um cartaz disso aqui.

– É… Estamos vivendo um momento estranho… Deixa eu te perguntar, você já fez a apresentação do seu texto?

– Não. Eu tive que faltar. Tive que resolver umas questões no banco que requeriam o CPF do meu pai, só que ele andou morrendo ultimamente.

– Oi? Quê?! Seu pai morreu recentemente?

– Sim. Há dois meses.

– Sinto muito…

– Ok. A vida é assim, a gente não sabe se vai estar vivo amanhã. Tem que relaxar mesmo. O meu pai se preocupou demais a vida inteira e não cuidou do que realmente importava. Ele só pensava em dinheiro. Por isso que quando eu já estava muito velho para ficar em casa sendo sustentado e a minha família começou a reclamar eu vim fazer filosofia.

– Para ficar rico, não é?

– Exatamente. Eu só quero ter dinheiro suficiente para poder largar isso tudo aqui e montar um movimento de luta com os índios da região Centro-Oeste. E mais nada.

– Muito bom esse seu propósito.

– Só quero isso mesmo e mais nada.

– Entendi. Legal. Pois é. Eu te perguntei se você tinha feito a sua apresentação porque a minha é hoje e eu estou tensa para caralho, apesar de eu ter entrado nessa também ultimamente de pegar mais leve com as coisas e entender que o que quer aconteça, vai ficar tudo bem.

– Que isso! Não fica tensa não. Vai entrar nessa por qual motivo? O máximo que a gente pode esperar da vida é mediocridade e insignificância mesmo. Então você vai se estressar? Para quê?! O sucesso, dentro da academia, é se tornar um super especialista em ideias das quais você discorda! É até melhor fracassar mesmo. E ainda tem sabe o quê? A academia gosta disso aí que você está falando. A academia goza em manter os alunos ociosos e ansiosos. Eles não querem que você trabalhe porque, se não, o seu estudo não vai ser de qualidade, e eles exigem tanto de você, porra, você acaba quebrando! Tudo para quê? Para supostamente alcançar o sucesso, que, não se engane, vai ser sempre insuficiente e tendencioso.

– Poxa, valeu. Fiquei de boas agora. Estou tranquila. Vamos lá.

– Claro.

Pole dance e vida acadêmica.

Eu lia livros da Disney quando era bem novinha. Li muito A Bíblia Para Crianças também. Isso é o que eu me lembro de ler antes dos dez anos de idade.

 

Eu me lembro de já ser, desde cedo, fascinada por livros grossos. Eu cheguei a surrupiar E O Vento Levou da estante da minha mãe e leva-lo para a escola quando eu estava na terceira série (já dá para ter noção de que eu sofri muito bullying quando eu era criança, não é?).

 

Mas, naquela ocasião, eu não cheguei, de fato, a ler o livro, eu só o carregava para cima e para baixo.

 

Comecei a ler livros de mais de vinte páginas ou com mais de quatro linhas em cada página, com dez para onze anos. Foi quando saiu o primeiro livro do Harry Potter. Minha mãe começou lendo para mim de noite, mas ela acabava dormindo rápido algumas vezes e eu ficava morrendo de curiosidade. Comecei a ler sozinha. Não que eu dispensasse as histórias da minha mãe, mas eu até preferia as inventadas do que as lidas de algum livro.

 

Ela inventava histórias do tipo: a formiguinha estava andando pela estrada – aí ela começava a dormir e eu a cutucava, mas não com tanta força para que ela não acordasse completamente e ela continuava – aí o chefe dela chamou ela na sala dele…

 

Eu morria de rir.

 

Enfim, fui do Harry Potter para os livros do Tolkien, daí para as Brumas de Avalon e assim por diante.

 

Não parei de ler até a faculdade. Mas isso eu acho que já contei para vocês.

 

O que ficou de fora é que tinha outra atividade que me acompanhava desde sempre: a dança. Ou o que eu considerava dança.

 

Minha mãe queria que eu fizesse balé e eu não quis de jeito nenhum, até hoje não é o que mais me encanta na dança.

 

Mas eu aceitei fazer jazz e não parei nunca mais de fazer coisas com o corpo até… Adivinha quando… Isso mesmo! Até entrar para a faculdade.

 

Do jazz eu fui para a GRD (ginástica rítmica desportiva), depois para a dança do ventre e a dança cigana, estas últimas eu fiz ao mesmo tempo dos treze aos dezessete anos.

 

Então, quando eu passei para a faculdade de psicologia, não deixei apenas a paixão pela literatura de lado, mas também o meu amor pela dança.

 

Não foi uma morte rápida. Foi uma morte lenta e eu fui insensível a ela. Eu fui sentindo como se a minha antiga vida estivesse se tornando obsoleta, eu fui abraçando um novo estilo de ser e de me comportar como se alguma mudança positiva estivesse acontecendo.

 

Eu me lembro de ter lido O Morro dos Ventos Uivantes durante as aulas de Estatística no terceiro período da faculdade e esse foi um dos últimos livros que eu tinha lido até recentemente, quando este quadro mudou. Eu não me lembro quando foram as minhas últimas apresentações de dança, mas devem ter ocorrido mais ou menos nessa época.

 

Quando eu comecei a me dedicar à escrita e à leitura novamente, a necessidade da dança veio junto.

 

Atualmente eu estou lutando contra a culpa para poder dar conta do meu trabalho, da literatura, da dança e do doutorado em filosofia sem achar que eu estou fazendo pouco em cada uma dessas áreas.

 

É uma loucura isso. Eu ainda tenho que lidar com a mesma armadilha que me prendeu na graduação. “Se a sua vida não se resume única e exclusivamente à academia você não deveria estar no meio acadêmico”.

 

Esta, além de ser uma exigência que nunca vai ser satisfeita (mesmo as pessoas que mais se dedicam aos estudos que eu já conheci estão insatisfeitas e acham que deveriam estudar mais), é uma exigência falsa.

 

Não é verdade que você não pode ter uma vida fora da academia para ser alguém intelectualmente. Para fazer algum tipo de trabalho que importe.

 

O livro da Carolina de Jesus vale muito, muito, muito mais do que muita tese que está por aí mofando nos porões das bibliotecas acadêmicas.

 

Atualmente eu estou fazendo dança do ventre e pole dance (que é muito difícil e maravilhoso!) e isso me faz mais bem do que qualquer livro do Kant que eu já tenha lido. E olha que ele foi um dos dois principais autores que eu estudei no mestrado. Eu sinto que ele deveria ser mais importante na minha vida, mas ele, infelizmente, não é.

 

A vida acadêmica tem um alto potência para ser massacrante, com chances de se tornar um relacionamento abusivo.

 

Mas eu estou desviando novamente do que eu consigo falar hoje, que é a minha história com a dança.

 

Eu ainda estou cozinhando mentalmente um post sobre a academia além dos dois que eu já postei de que você pode acessar aqui e aqui.

 

Mas agora eu estou um pouco deprê por ter entrado neste assunto.

 

Texto louco esse, não é mesmo? Às vezes é ruim escrever desse modo: imaginando que eu estou em diálogo com alguma pessoa sem programar o texto (eu vou escrevendo e imaginando um interlocutor que responde e comenta o cada tópico). Isso acontece porque eu estou escrevendo todo dia e às vezes não tenho tempo para preparar os textos como eu gostaria. Uma das desvantagens de ter como meta a publicação de um post por dia.

 

Acho, então, que vou simplesmente encerrar por aqui deixando vocês com o vídeo da minha primeira apresentação no pole dance.

 

Problemas Secundários Incapacitantes.

Estou no último período da faculdade e, a esta altura da vida, venho frequentando instituições de ensino há dezenove anos. Me pergunto em quantos dos dias que transcorreram ao longo destes dezenove anos eu acordei às 07h da manhã com vontade de estudar. Em muitos destes dias, muitos mesmo, eu acabei ficando em casa e não indo à escola ou à faculdade. Nunca repeti de ano, contudo. Nunca repeti uma matéria obrigatória na faculdade. Bendita culpa mortificadora que fazia com que eu me desesperasse ao final de cada ano ou semestre e tentasse recuperar o tempo perdido. Digamos que eu recuperava sempre cinquenta por cento do tempo perdido e passava no fim das contas. Já na faculdade, repeti algumas eletivas por abandono por conta da greve das universidades de 2012. Sinto dizer que minha vida seguiu normalmente depois desse tão temido fracasso. Conheci inúmeras pessoas, me envolvi romanticamente – ou nem tão romanticamente assim – com algumas muitas delas, fiz poucos amigos. E na soma de tudo parece que todas essas experiências vêm dar aqui neste momento nulificante quando sou obrigada a ouvir uma professora afirmar que “o insensato não deve ficar entregue a si mesmo, pois será imprudente”. Eu tenho novidades para você, mocinha. “O insensato” somos nós. Até aqui, em pleno último período da faculdade de psicologia, as pessoas estão me dizendo que a loucura está lá fora. Ainda bem que eu já sei que isso não é verdade. Eu fiz poucos amigos ao longo da vida e tive péssimos namoros provavelmente porque haviam me convencido de que a loucura estava, na verdade, lá fora. Pedi muitas desculpas, me culpei e me achei muito estranha por muito tempo. Sempre que eu batia a cabeça na parede em um momento de desespero eu pensava: “Puta que pariu!!! Eu tenho que ir pedir desculpes para ele AGORA!!! Louca desse jeito ninguém mais vai me querer mesmo…”.

E a voz da professora ressoa novamente proferindo mais uma pérola: “Na solidão, a própria pessoa pode se trair”. E eu pensei: “Para essa merda! Ela está lendo meus pensamentos!”. Sim, professora. Eu também cheguei a acreditar que a solidão era minha pior inimiga. E, graças a minha inacreditável capacidade intelectual, alguns livros sobre feminismo e outros tantos péssimos relacionamentos, hoje em dia eu sei que a loucura não está lá fora e que a solidão não é a minha pior inimiga. A despeito da sabedoria da doutora, eu afirmo que a solidão foi o primeiro estado de absoluta sinceridade do qual desfrutei. Foi o passo necessário para que eu pudesse depois me reaproximar de corpo e alma do mundo de um modo geral e das pessoas de um modo muito mais específico e particular do que eu jamais havia sido capaz antes de ser confrontada com a solidão da minha própria companhia.

Estas novas sabedorias, que ousei ao longo da vida, me são muito caras, pois as pequenas e inocentes sabedorias ultrapassadas de todos aqueles que nos ensinam o que é bom e correto, paralisaram minha vida por muito tempo. Estou feliz por finalmente ter chegado a hora da libertação. Eu acho que todo mundo sabe, na faculdade você pode sair da sala sem pedir permissão para ir ao banheiro ou beber água. Assim que eu terminar de escrever a última palavra deste texto vou me levantar da minha carteira sem fazer questão de ser discreta e vou sair da sala, passando pela frente da professora. Não vou passar olhando para o chão. Na verdade, acho que vou passar olhando para o teto. Quem sabe ela não se toca de que a insana solitária sou eu e do quão libertador será meu comportamento rebelde. 

 

 

Banheiro térreo do prédio da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Eu estava matando aula no teatro de arena. Cochilei e acordei com vontade de fazer xixi. Rodei um pouco pelo magnífico casarão que comporta a Escola de Comunicação da UFRJ e achei um banheiro razoável. Sem sabão, sem papel, mas limpo e eu tinha lencinhos na bolsa. Entrei no box do banheiro, fechei a porta, abaixei a calça e a calcinha até a altura do tornozelo. Inclinei um pouco o quadril para trás e fiquei olhando pelo meio das pernas para ter certeza de que o xixi ia cair no lugar certo e porque acho difícil mirar as cegas. Quando não olho, ou o xixi acaba escorrendo pelas pernas ou ele bate na tampa do vaso e acaba respingando nojentamrnte em mim.

Quando deu cinco horas encontrei meu ex-namorado no pátio. Ficamos jogando conversa fora até que eu mencionei o tal banheiro, apenas por alto, pois queria falar de uma lanchonete que tinha ali perto. Mas à menção do banheiro ele se contorceu. Seu rosto se alongou e os lábios se viraram para baixo ele ficou vermelho e seus dentes se afilaram enquanto ele gritava que eu era uma puta! Eu era louca e não o respeitava. Comecei a sacudir a cabeça para os lados em negação daquelas acusações. Eu não sabia do que se tratava ainda, mas primeiro eu negava, sempre negava e pedia perdão. “Não! Pelo amor de Deus! Por que você está falando isso? Eu não fiz nada! Pelo amor de Deus me perdoa! Do que você está falando? Depois da habitual humilhação pre-explicação ele me disse que aquele banheiro era devassado. De um certo ponto do corredor em oposição ao banheiro do outro lado de um jardim para o qual se abria a janela do mesmo, era possível ver dentro das três cabines. Meu coração disparou. Que argumento usarei para combater uma acusação de um crime que foi o de, inadvertidamente, abaixar as calças e a calcinha até o tornozelo e olhar no meio das pernas para direcionar o xixi, dentro do box de um banheiro, que poderia estar sendo observado por um voyeur posicionado a uns 30 metros de distância?

As vítimas da minha dissertação. Parte II: saúde mental.

Na defesa eu vou arrumada, vou receber “críticas construtivas” que vão ser muita bem recebidas e consideradas. Virão de homens sábios e de barba, provavelmente. E o que eu tenho a ver com esses senhores, meu deus!? Porra nenhuma. Vê porque preciso pedi anteriormente desculpas pela grosseria? Um dos meus grandes problemas emocionais é depender da aprovação dos outros. Todo meu esforço de me desvencilhar disso vai por água abaixo toda vez que escrevo. E está piorando. Porque cada vez luto mais para me safar. Ou luto menos, sei lá. A angústia já não me abandona e estou chata. Muito chata. Completamente chata. Cativa, cheia de medo, encurralada e chata. Quando eu comecei a ler, quando era nova ainda, achei que eu ia crescer e ser uma pessoa triste. E a minha tristeza ia ser magnífica. Como a do Edgar Allan Poe.  Uma melancolia profunda, sábia, produtiva e admirável. Mas eu cresci, fiquei deprimida e impotente. Uma depressão clínica, psiquiátrica, sem cor e sem brilho. Daquelas para se calar com remédio, pois ninguém mais a minha volta atura. Esse estado mental, não o atingi sozinha. A dissertação me deu as mãos e me levou. Se eu tivesse enlouquecido ainda vá lá. Loucura é um sucesso literário. Mas eu fiquei com o clichê da mulher morta. Um corpo inerte e acessório na história de outra pessoa, ou, no meu caso, eu sou o corpo inerte que dá vida à dissertação.