“Eu espio com os meus olhos”. Parte I.

“A capacidade que as pessoas possuem de transformar dinheiro em qualidade de vida é bastante variável.”
Me surpreendi quando li essa afirmação, outro dia, no texto do economista, vencedor do prêmio Nobel em 1988, Amartya Sen.
Parei para refletir sobre a minha própria condição. Não foi surpreendente quando, algumas páginas depois, Amartya Sen afirmou que os deficientes estão entre as pessoas que possuem maior dificuldade em realizar esta conversão.
Quando você não tem dinheiro, não tem como converter dinheiro em qualidade de vida. Óbvio. E isso é uma merda, todos concordamos.
A questão é que quando você tem dinheiro, mas possui algum tipo de deficiência, pode não ser tão fácil assim converter qualquer quantia que seja em qualidade de vida. Lembra d’Os Intocáveis? Mais ou menos isso: cara podre de rico, mas miserável. O dinheiro dele não garantia uma vida boa.
Digo eu, com argumento de autoridade, enquanto deficiente visual, habitando o Rio de Janeiro.
Tem muitas coisas que eu gostaria de compartilhar a respeito das minhas experiências com o meu problema de visão que eu vou desmembrar em alguns textos.
Começarei hoje pelas apresentações: minha deficiência visual nem é das piores. Eu tenho uma má formação no nervo ótico. Mais especificamente, uma desmielinização do nervo ótico. Isso quer dizer que eu tenho falhas na bainha de mielina que reveste este nervo. Isso faz com que o impulso elétrico se dissipe ao longo do percurso até o cérebro, o que torna a minha visão deficiente. Esta má formação é bilateral, quer dizer que afeta os dois olhos. Esse é um problema congênito e estável – eu nasci com ele e não vai piorar nem melhorar. Além disso, estou com um pouquinho mais de sete graus de miopia em cada vista e tem um astigmatismozinho aí também. Então, eu uso óculos, por causa da miopia, mas eu não consigo me adaptar porque o óculos briga com o problema no nervo ótico.
Pensa assim: imagina que você tem um canudo cheio de furinhos. Dá até para beber, mas vem muito pouco líquido. Aí você começa a chupar com força. Beleza, vem mais líquido. Mas em dois minutos você está exausto. Eu uso óculos e melhora um pouco. Não o suficiente para aturar a dor de cabeça que sinto ao usá-lo por muito tempo.
Tenho 20% da visão com a correção máxima, isto é, com o óculos. No dia a dia, não faz muita diferença a qualidade de visão que ele me proporciona.
O nome é visão sud-normal, você pode falar baixa visão que dá no mesmo.
Perspectiva de cura? Cirurgia com célula tronco com o objetivo de reconstruir a bainha de mielina. Ainda não existe previsão para que este tipo de cirurgia esteja disponível como tratamento viável e acessível.
Adaptação? Estou eu aqui, não estou?
Mas… quando eu digo para vocês que eu brincava de inventar figuras em provas de matemática (veja aqui), não era simplesmente porque eu era uma aluna “relaxada” (o que também não seria mal algum, vamos problematizar esse ideia aí depois. Mas o caso é que se uma criança gosta de estudar isso é um mero acaso, não é a escola que incentiva essa postura). O fato é que eu nunca consegui enxergar o quadro. Isso tornava matemática uma matéria especialmente complicada. Matérias exatas de um modo geral, na verdade, e biologia também, pois os professores usavam demais o quadro.
Cara, se a escola já é insuportável quando você consegue, estando a fim, aprender alguma coisa, acompanhar a aula, imagina ficar horas e horas morrendo de sono, sem poder falar com seu amigo, que está do seu lado, olhando o professor apontar coisas no quadro, sendo que você não consegue nem ver que tem alguma coisa escrita no quadro. Imaginou? Agora imagine-se fazendo isso durante doze anos. Foi foda. Tirando os inúmeros babados que rolavam…

O hábito de escrever diariamente. 

Quando decidi escrever diariamente no blog, um dos meus principais objetivos era criar o hábito da escrita.
O que eu queria com esse novo hábito, era conseguir ter a disciplina necessária para escrever um livro.
A princípio fiquei com medo do blog dominar toda a minha dedicação à escrita. Ou seja, eu temia que todo o tempo do qual eu dispunha para escrever seria necessário para produzir o material do blog.
E no início foi assim mesmo que aconteceu.
Tudo que eu escrevia no primeiro mês era para o blog. Não sobrava tempo para escrever nem no meu diário.
Mas esta situação já está começando a mudar.
Logo no segundo mês eu já estava escrevendo mais do que venho publicando diariamente.
Algumas vezes, atualmente, eu começo a escrever um texto e penso: este texto não é do blog, ele vai para o meu livro. Ou: este tema eu vou guardar e trabalhar um pouco mais.
Muito importante observar que eu era aquela pessoa que não estava tendo tempo para nada antes de começar o blog.
Eu vinha me virando em mil pra dar conta do meu trabalho no consultório, as aulas que eu dou de psicologia para a área da saúde, o doutorado e uma pós-graduação em TCC – terapia cognitivo-comportamenal.
Então, eu estava vendo a escrita escapar novamente pelo meio dos dedos no meio desse turbilhão de responsabilidades e compromissos.
Tomar a decisão de transformar a escrita em hábito foi, portanto, fundamental.
O hábito, de fato, tem um poder impressionante.
É difícil de criá-lo e de gerar adaptações na sua rotina, mas quando você decide se comprometer com algo que te faz bem a coisa funciona.
O segredo?
Tomada de decisão, planejamento, implementação e manutenção do novo hábito (e, os ingredientes mais importantes na minha opinião: tolerância consigo mesmo para aceitar suas dificuldades e limitações, uma boa dose de confiança, que você pode conquistar aos poucos, e apoio das pessoas que te amam).
Não afirmo que já passei da fase de ter crises com a escrita. Provavelmente muitas mais virão. Mas eu estarei preparada para enfrentá-las!
E aguardem meu livro!

15 perguntas para lidar com situações difíceis.

Tenho me interessado muito por escrita terapêutica.

Escrever pode ser um ato curador, além de ser algo muito prazeroso. Devo falar ainda muitas vezes sobre isso no futuro, pois tem sido um dos meus mais queridos temas de estudo.

Já falei aqui sobre journal therapy. O que eu quero compartilhar com vocês hoje são algumas perguntas, que funcionam como guias para a escrita de si, com o objetivo de trabalhar eventos traumáticos.

É importante, ressaltar, claro, que a escrita de si não substitui acompanhamento psicológico ou medicação. Trata-se apenas de uma forma alternativa de buscar autoconhecimento e alívio do sofrimento.

 

Procure um lugar calmo para se sentar com um caderno. Certifique-se de que você terá um tempo razoável para pensar e escrever sobre as suas experiências.

Se nada disso for possível, ou se você for interrompido, não fique alarmada! Apenas retorne à atividade em uma hora melhor.

 

Pense e escreva sobre as suas experiências passadas a partir das seguintes perguntas:

 

1-      Quem é você atualmente?

2-      Qual é a sua história favorita da infância?

3-      O que você aprendeu de bom com ela?

4-      Esses aprendizados positivos ainda te acompanham?

5-      Alguma coisa no seu passado já te causou dor ou sofrimento? Fale sobre essa experiência.

6-      O que você teve que aprender ou fazer para lidar com este sofrimento?

7-      O que você aprendeu e os comportamentos que você desenvolveu foram positivos ou negativos?

8-      Você ainda emprega estas estratégias em momentos adversos do presente?

9-      Estas estratégias ainda são úteis para você?

10-    O que é curador para você depois do sofrimento?

11-    Se a pessoa que você mais ama neste mundo passasse pela mesma situação que você passou, o que você diria a ela?

12-    Qual é a sua maior força depois de ter passado pelo sofrimento que você passou?

13-    Como o sofrimento que você experimentou contribuiu para o seu propósito de vida?

14-    Quem é você enquanto um ser humano completo e saudável, com experiências negativas e positivas em seu passado?

15-    Se você tivesse que resumir em uma frase a lição mais importante que você tem a deixar para o mundo e para aqueles que você ama, qual seria esta frase? Invente ou se aproprie de alguma citação que passe a mensagem que você gostaria de passar.

 

Sintam-se à vontade para compartilhar histórias comigo. Qualquer dia eu mesma posto as minhas respostas.