Você consegue correr nos sonhos?

Eu estava atravessando a Av. Presidente Vargas de madrugada e estava vindo um carro em minha direção. Acelerei o passo e tentei começar a correr, mas o meu esforço teve o efeito contrário, quanto mais eu tentava acelerar, mais pesado ia ficando o meu corpo. Eu fiquei de joelhos e em dois segundos já estava rastejando pela rua e tendo que rolar pelo chão para conseguir chegar na calçada do outro lado.
Meus sonhos não são sempre assim. Geralmente, quando eu tenho que fugir de algo ou quando preciso me movimentar com velocidade, eu viro a melhor do mundo no le parkour. A melhor do mundo! Eu escalo prédios e pulo de telhado em telhado, dando saltos incríveis e em super velocidade sem problema nenhum. Como pode?! Às vezes eu até vôo. Mas correr mesmo de modo tradicional? Impossível.
Fui procurar na internet o significado disso, achei um monte de baboseiras a respeito de viagens pelo mundo dos espíritos perseguidores que querem nos devorar, sobre dívidas e arrependimentos do passado dos quais não conseguimos escapar etc., mas foi interessante descobrir que muitas pessoas têm essa mesma experiência.
O que isso pode significar eu não sei (digo em sentido laico mesmo. Como é o funcionamento do nosso cérebro enquanto dormimos? Ainda não temos respostas científicas satisfatórias para as perguntas sobre o sono e o sonho), mas é interessante saber que trata-se de uma experiência compartilhada essa dificuldade de correr nos sonhos. Eu não sei se isso aumenta ou diminui o número de perguntas a respeito desse fenômeno, mas isso é certamente interessante.
Uma das coisas que a ciência nos diz, hoje em dia, é que todo mundo sonha, vários sonhos por noite, e que algumas pessoas têm mais facilidade para se lembrar dos sonhos do que outras. Mas e quanto ao conteúdo dos sonhos? Será que eles são mais homogêneos do que pensamos?
Como os sonhos são sempre meio loucos, acho que tendemos a acreditar que ele são muito únicos e particulares. Mas sabe o que eu penso? A loucura em si, a loucura clínica, também nos parece absolutamente singular, mas geralmente os delírios giram em torno de certos temas específicos (delírios de perseguição, por exemplo) que já foram identificados pelos pesquisadores da saúde mental. Será que os sonhos também apresentam essa característica? Um estudo extensivo dos sonhos que as pessoas sonham nos permitiria classificá-los de acordo com as temáticas presentes ou os eventos que os constituem? Se alguém quiser me patrocinar, eu teria interesse em fazer essa pesquisa.

Desespero e Pecado na Idade Média.

Capítulo IV

O início da Idade Média é marcado pela repressão ao suicídio e a crescente influência do cristianismo no regimento do território e das almas. Dante narra em seus infernos, sétimo círculo, II parte, que os culpados por praticarem violência contra suas vidas, privando-se do mundo terreno, estão condenados a transformar-se em árvores que “as negras harpias dilaceram”, causando “intensa dor que rompe em voz plangente”. (Um dos meus maiores orgulhos bestas durante a adolescência era o fato de ter lido A Divina Comédia no primeiro ano do ensino médio. Não entendi ab-so-lu-ta-men-te na-da do livro. Eu fui lendo pela sonoridade das palavras e pelas figuras maneiras. Eu ia para a biblioteca com uma amiga no recreio para lê-lo. Eu não entendia porque era difícil mesmo de acompanhar a narrativa em certo sentido – um sinal disso é que a edição que eu comprei da obra, anos depois, tinha mais notas explicativas do que texto mesmo, a edição da biblioteca era velha e não tinha nota nenhuma. Foi meio nostálgico voltar a esse livro na confecção do trabalho monográfico. Eu queria ter colocado as ilustrações aqui na mono. Na verdade, eu pesquisei muito os trabalhos artísticos do fim da Idade Média, passando pelo renascimento e chegando ao romantismo que tratavam do tema do suicídio e da morte de um modo geral. Não sou entendida no assunto, mas fui seguindo o raciocínio de alguns autores. Nas apresentações que eu fiz em congressos desse tema do suicídio, eu sempre incluía uma parte com essas imagens. Nem sei se eu as tenha mais no computador atualmente…).

O homem medieval não questiona a bondade da sua existência, uma graça divina. O suicídio é facilmente assumido como resultante de uma tentação diabólica pelo desespero ou como um ato de desrazão. Para o primeiro caso começam a se estabelecer gradativamente diversas penalidades que variavam de acordo com o local e a época na qual o suicídio era cometido, como arrastar o corpo do suicida pela praça ou pelas estradas e depois pendurá-lo, deixando-o apodrecer sem sepultura e sem nenhum ritual póstumo em sua homenagem. A prática da confiscação dos bens também se verifica.

Na análise de tais punições, que poderiam sob uma visão apressada ser consideradas despropositadas, cabe uma reflexão um tanto mais cuidadosa, a começar pelas relações entre alma e corpo entendidas na época. A relação estreita entre ambos atribuía uma grande significação a tais práticas, na medida em que elas visavam à humilhação e à incapacitação do corpo do suicida para que o espírito deste não pudesse encarná-lo novamente para importunar os vivos. A prática da condenação do corpo possui, como já mencionado, origem nos costumes de caráter supersticioso que, em sua maior parte, derivam daqueles praticados na Antiguidade pagã. (Naaaaaaaãoooo… O cristianismo se apoderando e resinificando práticas pagãs?! Quem diria! O que aconteceu aqui, foi que meros costumes supersticiosos se tornaram punições oficiais. Eu achei esse movimento extremamente interessante. Ainda me fascinam esses desenvolvimentos históricos). Além disso, algumas punições impostas ao cadáver do suicida podem mesmo impedir um indivíduo de cometê-lo, como se observou no caso das jovens de Mileto. (Bizarro esse caso). Tomadas por uma intensa fúria, várias jovens teriam cometido suicídio por enforcamento até que fosse declarado que a próxima que o fizesse seria carregada inteiramente nua pela cidade, tendo seu corpo exposto por dois dias. Imediatamente cessa a onda suicidária, conforme narra Plutarco (Cassorla, 1981, p. 5). (Essa era uma das grandes tristezas de tentar ser uma pesquisadora numa universidade brasileira com poucos recursos. Como eu queria ter tido acesso a alguns dos textos que nós mencionamos aqui no original, poderia ser traduzido para o português, mas eu queria ter lido esse relato diretamente dos escritos do Plutarco. Mas não tivemos acesso a esse material. Você pode reparar que o autor que eu referencio é o Cassorla, A impressão que fica é que não poderia ter existido um Foucault brasileiro. Que fica na biblioteca da própria universidade “descobrindo” vários textos fodas, pouquíssimo conhecidos ou estudados para trabalhar. No lugar disso, aqui no Brasil, nós estudamos o Foucault. Nós não temos incentivo para fazer coisas inteiramente novas, somos encorajados a repetir as coisas que os grandes autores estrangeiros disseram, a compreender o que eles pensavam, no ligar de imitarmos suas ações e sua metodologia inovadora de pesquisa e produção, replicamos seus achados e seus textos).

Já quando era atestada a loucura, o cadáver recebia indulgência. Cabe deter-se um instante na análise destes casos. Em primeiro lugar deve-se salientar o fato de que, não raramente, o suicídio dos nobres, na intenção de ser preservada a honra da família, era escondido por um atestado de loucura. Em segundo lugar, apesar da legislação se mostrar extremamente rigorosa com relação à condenação do suicídio, na prática, não se verificava tamanha rigidez.

O julgamento das autoridades, na maior parte das vezes, era bastante indulgente, de modo que qualquer sinal que pudesse apontar para a loucura era comumente aceito como prova da mesma. Qualquer sinal de grade irritação, fúria ou agitação, relatos de que o suicida estava tendo delírios ou alucinações era usado como prova daquilo que se conhecia como frenesi. (O controle das populações, como o próprio Foucault coloca, não era característico desse período. Aqui importava mais o governo do território do que das pessoas e dos grupos. É isso mesmo? Ainda lembro bem? Portanto a lei não intervinha singularmente em cada caso, esse não era o principal interesse). Em terceiro lugar, aquele suicídio conhecido na Antiguidade como suicídio filosófico ou suicídio por taedium vitae tem simplesmente seu sentido reflexivo desconsiderado e passa a ser entendido como um tipo de loucura, não mais como um estado de espírito, mas um estado físico causado pela melancolia. Este termo deriva do grego e significando “humor negro” designa uma bílis negra que, quando em excesso, escurece o cérebro causando pensamentos sombrios. (Outro ponto que me causa extrema fascinação. Vou tentar explicar. O objetivo desse trabalho era mostrar que não existe uma essência do suicídio. Eu acho que esse ponto é um dos mais poderosos nesse sentido. Pois todo um campo da vivência emocional das pessoas foi sumariamente desconsiderado nesse período histórico. O suicídio por desprezo da vida, aquele que seria levado a cabo pela reflexão de que a vida não vale apena ser vivida, desapareceu. Aquele suicídio verdadeiramente deixou de existir. As pessoas não mais reconheciam, ou não sabiam nomear, essa experiência de desvalor da vida. Pelo contrário, com o sentimento de que a vida é uma dádiva divina, aqueles que sentiam algo como desprezo pela vida tinham uma experiência completamente diferente da dos antigos. Aqui a gente vê que não tem nada de essencial em jogo aí. Só o que sobrou foi o ato bruto de tirar a própria vida – nem o nome suicídio existia ainda –, mas a experiência do ato de se matar, foi completamente ressignificado).

Durante a Idade Média, em contraste com a Antiguidade, quase não se observam suicídios de grandes nomes. Para isso podem-se apresentar alguns prováveis motivos. O principal seria a ocorrência de muitos suicídios indiretos. Estes não seriam propriamente suicídios, mas a exposição voluntária a situações que pusessem em risco a vida do indivíduo. (Esse assunto: suicídio, para-suicídio, comportamento de risco, é um ao qual eu gostaria de dedicar um texto a parte). A aristocracia medieval, e principalmente ela em comparação com a nobreza de outros períodos, se valeria então de uma série de dispositivos que serviram como “substitutos” para o suicídio. Seriam estes: a caça, as guerras, as Cruzadas, a rendição ao inimigo em combates, os suicídios lúdicos – como era o caso das mortes em duelos – e outros. (Ou seja, o povo era criativo em se tratando de achar jeito de morrer). Que seja observado que estes tipos de “suicídio” são considerados nobres e louváveis. O que também prova que, além da indulgência comum dos julgamentos, também havia uma falta de linearidade por parte do clero e da aristocracia entre as ideias que professavam e o modo como agiam. (Pois é, não é. Se está messe trabalho aqui é porque algum autor fez essa análise. Eu não me arriscava a tirar muita coisa da minha própria cabeça desse período. Agora que eu estou me autorgando o direito de fazer isso, eu diria que tenho um pé atrás com esta avaliação. Trata-se justamente de saber se podemos chamar esta exposição ao perigo como suicídio. Algumas dessas formas de exposição nem voluntárias são. Ir para a guerra, por exemplo. O que acontecei quando o cara desertava? Não era de boa. Como você vai colocar o exemplo do cara que morre na guerra como um suicídio em alguma escala, memso que seja uma to heroico, individual de bravura, no qual uma pessoa, ou uma tropa, “se martirizaria” em prol do cumprimento de uma estratégia de batalha? É uma questão de não ter muita opção. A caçada. Se você é convidado para uma caçada e se recusa? O que acontece? Sei lá. Mas enfim, eu também não tinha tempo na época para procurar bibliografia e discutir esses argumentos. Na verdade, esse não é muito o objetivo de uma monografia Noramalmente, nas monografias que tratam de tema teóricos nas humanas, você não coloca dois autores para conversar. Isso já é algo mais da ordem de um mestrado. Na monografia você escolhe um tema ou um autor e tenta entender um pouquinho daquilo ali.). E a estes tipos de suicídio se opõe o da população em geral, geralmente executado por afogamento ou enforcamento. O que irá caracterizar então um suicídio como direto, covarde e egoísta ou como indireto, nobre e altruísta são os meios e os motivos pelos quais ele se realiza. E é a moral dominante, marcada por um ideal cavaleiresco e a busca pelo sacrifício cristão, que sanciona esta diferença.

Quanto ao suicídio dos eclesiásticos, estes recebem um julgamento especial, que não era realizado pela justiça civil. O corpo de um eclesiasta suicida devia ser entregue ao membro da igreja responsável que executaria os devidos rituais de acordo com a lei da Igreja. Mas deve-se ressaltar que mesmo o suicida sendo um civil ou um membro do clero, muitas vezes há brigas entre a justiça civil e a eclesiástica, principalmente no que diz respeito à confiscação dos bens do suicida. (Claro. Dinheiro todo mundo quer. Eu tive um professor de história no ensino médio, que dizia que a parte mais sensível do corpo humano é o bolso)!

Duas últimas categorias de suicídios medievais seriam as dos suicídios heréticos ou judaicos. Os primeiros devidos a perseguições religiosas ou disputas territoriais. Os hereges, ao se verem ameaçados pela cobiça lançada sobre suas terras, para escapar a morte pelas mãos de seus inimigos, matam-se pelas próprias; por outro lado, ao serem colocados perante a escolha de abjurar sua fé ou morrer, eles “avançavam alegres e decididamente para a fogueira” (Minois, 1998, p. 26). Não devemos deixar de observar que enquanto os martírios voluntários dos cristãos constituíam um mérito, pois estes eram inspirados pelo amor a Deus, os suicídios dos hereges eram inspirados pelo diabo e não eram dignos de nenhum valor ou admiração (o que não impediu que alguns eclesiásticos os admirassem apesar das condenações oficiais). (Eu queria ter colocado as citações aqui! Vários textos da galera do clero relatando viagens das cruzadas, falando desses suicídios heréticos com a maior admiração! O pensamento da Igreja em inúmeros momentos não era o pensamento dos homens que compunham a instituição. Isso é uma condição geral em se tratando do Estado, das religiões etc., mas é interessante ver exemplos pontuais de como essas coisas acontecem e tentar entender como surge a visão da coletividade uma vez que há tanta discordância entre as partes. É o movimento dialético vivo no seio da história. Demais). Os suicídios judaicos, por sua vez, foram devidos, principalmente, às perseguições religiosas e cometidos em grandes números (muitas vezes por terem sido cometidos em massa) durante as cruzadas.

A partir do século XIII d.C. começa a ocorrer um retorno ao direito romano[1]. Deste modo, no que diz respeito à legislação, principalmente a partir do século XV d.C., com a intensificação dessa retomada e os novos questionamentos que emergiram influenciados pelo redescobrimento, operado pelos humanistas, da moral pagã, começa a aparecer alguns sinais oficiais de indulgência. (Eu não gostei desse capítulo. Mas foi um capítulo difícil de fazer. A gente se perdeu na leitura de várias coisas sem noção de teologia e de direito medieval que não tinha como aproveitar – e muitas vezes não dava para compreender muito bem. Faltava base para fazer essa parte da pesquisa. Pensando em trabalhar esse texto para uma possível publicação, eu não sei se daria para aproveitar este capítulo).

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

[1] Ocorrem uma série de transformações na arte, economia e política. Maurice Gandillac denomina esse episódio como “prelúdio do renascimento dos séculos XV e XVI, onde há coesão relativa de expressão estética e atividade cultural”. Refere-se ao progresso do comércio, decadência da nobreza feudal, o primeiro esboço das monarquias nacionais, impulso da ciência médica, reformas monásticas e mudanças nas línguas. (1995, p.40)

 

Os milhares de braços dos profissionais de saúde. 

“Psiquiatras são assim, cheios de braços. Fazem tudo que der pra ajudar. Se puder tirar a cabeça de um e botar em outro, faz também. Se não der certo, tá bom também”.

Eu ouvi esta frase de um usuário do serviço de saúde mental que estava participando de uma oficina de jardinagem lá no hospital da Nise da Silveira.
Isso aconteceu há meses. Eu anotei essa frase e fiquei com ela guardada sem saber o que fazer com esse duro choque de realidade, expresso em uma frase tão fantástica.
Muitos profissionais de saúde são assim mesmo, cheios de braços. Chegam em cima dos pacientes sem pedir licença, aferindo, medindo, apertando, abrindo, levantando roupas, mandando tossir.
Os psicólogos também vêm cheios de boas intenções e de boas teorias, fazem de tudo para ajudar. E se o paciente não vai bem, a complexidade dos fatores ambientais, psicológicos, sociais e biológicos era simplesmente complexa demais para que fosse possível uma interferência efetiva, ou o paciente resistiu.
Paciente é outro tipo de gente, se é que é gente. Derrepente ele se vê desautorizado a falar do próprio corpo e da própria mente.
Tem muito profissional por aí, contudo, tentando fazer diferente. A gente tem um forte movimento pelo desinstitucionalização da loucura atualmente no Brasil encabeçando essa luta.
Muita gente boa lutando para tirar suas mãos desautorizadas e suas teorias não solicitadas de cima das outras pessoas, sem lhes tirar também o cuidado e a melhor atenção em saúde disponível a que elas têm direito.

Erotomania 

A Erotomania ou Síndrome de Clérambault é a convicção delirante de um indivíduo de que uma outra pessoa está apaixonada por ele.
O transtorno é tema do filme “Bem me quer, mal me quer” que narra a história de uma personagem encenada por Audrey Tautou, Agélique, em sua relação amorosa com Loïc, interpretado por Samuel Le Bihan, como a direção de Laetita Colombani.
A internet está cheia de análises detalhadas do filme do ponto de vista da psicanálise lacaniana (são interpretações carregadas daquele machismo psicanalítico. Eu até tenho curiosidade de estudar a “psicanálise feminista”, mas até lá, o machismo no discurso psicanalítico me enerva. Esse é o caso dos comentários psicanalíticos sobre o filme: todos falam absurdos da psicologia da mulher e da sua posição no amor). Sendo assim, o que me interessa no filme não é a análise psicológica ou psicopatológica, mas os próprios elementos da narração da história. A maneira como o filme é construído.
A construção é genial no sentido de que ela nos faz experimentar a percepção delirante da personagem de maneira absolutamente realista. É apenas em um segundo momento que um jogo de câmeras desvela “o que estava realmente acontecendo”.
Quando ocorre essa virada da narrativa é que percebemos como aquela mulher estava “maluca”.
O fato é que, na vida real, não existe esse jogo de câmeras e estamos todos confinados, condenados à nossa percepção dos acontecimentos assim como a personagem do filme.
A loucura sempre parece essa coisa estranha e distante de nós, mas isso é uma ilusão. Todos nós, loucos e “sãos”, temos os dois pés na loucura. Alguns de nós estão socialmente bem adaptados e outros não. Só isso.
A Erotomania evidencia o fato de que amar alguém é uma loucura. Você se entrega de corpo e alma e começa a confiar em uma pessoa estranha que você conheceu em algum momento da sua vida, você passa a conviver com essa pessoa, conta para ela os seus segredos, baixa a guarda; insiste na relação ainda que, muitas vezes, ela nem seja pacífica. Os casais sofrem, brigam, terminam, voltam a ficar juntos. A gente se apaixona a primeira vista. A gente gosta de umas pessoas e não de outras. A gente ama sem ser correspondido. Mulheres são estupradas, a violência doméstica é alarmante. A gente tem o nosso coração partido. E mesmo assim nós continuamos amando e sentindo essa necessidade sempre premente de amar e ser amado. Se a gente queima a mão no fogo uma vez, a gente não põe a mão lá novamente. No amor essas regras não se aplicam. Toda a nossa lógica voa pelos ares. A gente decide que não vai se apaixonar, que vai passar um tempo sozinho e aí aparece aquela pessoa que faz nossa cabeça girar e de repente, a gente quer estar junto e não mais sozinho. A gente passa horas se perguntando o que ele quis dizer com aquilo sem chegar a conclusão nenhuma, a gente não entende por que ele não ligou ou por que ela me traiu. (Estou trocando o gênero das frases porque todas essas preocupações valem para os dois sexos. Em se tratando de amor, está todo mundo no mesmo barco).
Amar alguém é a coisa mais louca que se pode fazer nessa vida.
E, na vida real, não tem o outro lado da história. Não tem a segunda versão dos fatos. Cada um de nós fica encerrado em sua própria loucura, julgando a loucura alheia.

Vai à merda, ansiedade!

Hoje temos um texto super especial de uma pessoa que eu gostaria que fizesse muitos mais guestposts no blog! Meu marido: Luizinho!

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Estava na hora, não dava mais pra aguentar essa situação não. Tinha que fazer alguma coisa. Tinha ficado com aquele texto na cabeça há mais de uma semana e, verdade seja dita, tinha achado completamente ridícula a ideia.

Mas, dia sim dia não, era a mesma sensação de morte toda vez que passava por qualquer coisinha. E sabia que eram coisinhas, claro que sabia. Mas vai lembrar disso na hora que o motorista de ônibus dá o troco errado, ou na hora de entrar numa sala de aula com um pouco de atraso. Não tinha deus que desse jeito naquela palpitação, naquele suor frio, naquele desejo de desaparecer, de se esconder e não fazer mais nada.

Já tinha decidido tentar fazer alguma coisa a respeito, mas não sabia por onde começar. Foi quando, por mero acaso, viu aquele texto na descrição de um evento que um amigo tinha confirmado no face que ia. Surpreendentemente, aquela ideia ficou na cabeça, germinando; e germinando, floresceu. Não tinha nada de complicado na verdade, era só arranjar coragem para fazer. Por coincidência ia pegar o metrô nesse mesmo dia. Acreditava que ia tentar, por que não?

Já tendo embarcado há um tempo pensou “Vamos lá!”. Se levantou, tentou começar a falar, mas era como se uma mão tapasse sua boca ou um punho tivesse sido enfiado na sua garganta, não tinha certeza. Sentou-se. Era 3 da tarde, o metrô ainda não estava lotado. Sentiu-se muito mal, achou que mais uma vez não ia conseguir mesmo há poucos minutos estando certo de que iria tentar. Chegou na estação terminal, teve que descer, sentou numa das cadeiras da plataforma, sentiu muita vontade de chorar. Queria dizer que só sairia dali quando conseguisse fazer o que tinha ido fazer, mas se conhecia muito bem para saber que afirmar isso não seria possível, talvez só piorasse a situação.  Ficou ali mais umas dezenas de minutos e decidiu voltar para casa. Já não dava mais tempo mesmo de ir no seu compromisso.

Conseguiu sentar, mas o metrô foi enchendo porque o pessoal já estava começando a voltar do trabalho. Por algum motivo, não se sentia tão mal como costumava se sentir. Sabia que queria mesmo fazer alguma coisa e que tinha realmente tentado, ativamente tentado. Não tinha conseguido, é verdade; mas tinha conseguido lidar de uma forma relativamente boa com esse fato. Uma pequena satisfação tomou conta do seu espírito quando pensou nisso. Percebeu que estava de pé e olhou para fora para ver se era sua estação, mas não era. Conseguiu ler o nome da estação na plataforma momentos antes do metrô parar e, como num redemoinho, as palavras, duas únicas palavras, vieram do fundo sabe-se lá de onde, ecoando dentro de si com o volume cada vez mais alto, e num momento em que tudo foi silêncio, de olhos fechados as palavras saíram de sua boca: “Presidente Vargas!”

“Puta que pariu!” foram as palavras que teve que fazer um esforço imenso para não gritar logo depois. Tinha feito, se segurava muito forte no corrimão do alto, com medo de desabar, pois suas pernas estavam tão bambas que achou que elas iam desmontar. “E agora?”, pensou. “Talvez a parte mais difícil tenha passado”. Abriu os olhos. Algumas pessoas ainda lhe olhavam. Já estava chegando a próxima estação e ele sabia qual era de cor. Pensou se devia sair correndo porta afora, mas decidiu ficar. E novamente antes do metrô parar, bradou: “Central do Brasil!”. Várias pessoas lhe olharam novamente. Muitas outras entraram e o metrô já ficava do jeito pelo qual era conhecido o metrô no Rio de Janeiro. Mal acreditava, mas de fato tinha ficado mais fácil, sentia-se gradualmente mais calmo.

“Nossa, não acredito que é você! Quanto tempo!”

Tinha certeza de que sentia sua alma deixando seu corpo, mesmo não acreditando em alma. A voz vinha de uma pessoa que havia entrado na última estação e era uma pessoa conhecida. Não tinha escolha, ia se desculpar e aí sim sair correndo na próxima estação, quem sabe vomitar na lixeira mais próxima. Ficou parado e pálido, no entanto, incapaz de fazer qualquer outra coisa.

“Cidade Nova!” gritou novamente. “Imbecil! Por que diabo de caralho fui fazer isso?”. Uma segunda voz veio de trás, acompanhada de um cutucão no ombro: “Por que você tá fazendo isso?” Ele continuou de olhos abertos, mas tudo ficou escuro por um momento. A voz riu e insistiu: “Você fugiu do hospício? Aí, Gustavo! Acho que alguém fugiu do Pinel…!”

Não conseguia acreditar naquilo. Se tivesse alguma ordem de pensamento naquela hora, estaria se amaldiçoando por ter dado ouvido a qualquer merda que leu no facebook. Não conseguiu responder, ficou ali olhando na direção da pessoa conhecida, de boca meio aberta, com o coração pulsando o que parecia ser suor por todos os poros do seu corpo.

“São Cristóvão!” Não tinha mais ideia do que estava acontecendo. Não saiu na estação recém anunciada por sua própria boca. Não pensava mais, parecia que tinha saído do seu corpo, mas não estava fora. Parecia preso no seu próprio corpo, exceto que o corpo não era mais seu, era uma simples forma que continuava gritando os nomes das estações sem motivo aparente. “Ei, você pode parar com isso!? Idiota…” Forçou-se a olhar de onde vinha a terceira voz e viu que era de uma moça grávida sentada no assento especial a poucos metros de si, lhe encarando com cara de desprezo.

“Maracanã!”, gritou novamente. O texto estava todo errado. O número de pessoas que estavam olhando só aumentava. “Perdeu todos os parafusos, Gustavo…”, “Tá tudo bem com você?”, perguntou a primeira voz. “Já falei pra parar, porra!” E mais uma voz se juntou à orquestra de vozes na sua cabeça “Você não ouviu a senhora não, imbecil? Pára com esse caralho!” Era uma nova voz que veio com um empurrão forte, abrupto e insinuando que não seria o último. Parecia que quanto mais a situação escalonava, mais difícil era manter algum rastro da sequência de eventos que tinham culminado naquela situação.

 

“Triagem!”. A resposta foi quase imediata: “Já te avisei, filhadaputa!” e veio acompanhada de um soco no canto do queixo. Uma enxurrada de gritos dissonantes veio depois, enquanto seu corpo caia no chão, finalmente largando o corrimão do teto. Mais gritos, um se sobressaiu “Ele tá armado!!!” Um barulho surdo e opaco, correria, gente pisoteada e tudo ficava escuro outra vez, dessa vez por mais tempo.

 

“Maria da Graça!” foi o que acordou gritando, tremendo e com o corpo mergulhado em suor. Estava sentado num banco dentro do metrô. Era sua estação, a porta estava para fechar, mas não antes de dar tempo de sair tropeçando, chorando convulsivamente, pensando “VAI À MERDA, ANSIEDADE!!!”

Se eu soubesse pintar não teria escrito este texto.

Esse já é o quarto texto que eu começo a escrever hoje e nenhum dos anteriores me deixou satisfeita.

Cheguei em casa com uma forte vontade de pintar. Coloquei uma música no computador, peguei o meu material de pintura e pintei.

O problema é que eu pinto muito mal e fiquei muito frustrada. Desde que comecei a escrever, minha veia artística vem pressionando para desabrochar, mas eu não sei fazer nada além de escrever mesmo. O que eu queria era ter postado a minha pintura hoje. Mas eu não vou tirar foto desse negócio aqui para postar. Está feio demais. Eu não consegui pintar o que eu queria. Isso é muito desapontante. Quando se trata de um texto, eu vou escolher as palavras, o formato do texto, a pontuação e vou passar a minha voz para a narrativa (ou, pelo menos, eu consigo trabalhar com esse material e ver um resultado que, de alguma forma, me carrega junto). Com as tintas e o papel e os pincéis eu simplesmente não sei lidar. Ainda. Quem sabe no futuro…

Uma saída meio doida que me ocorreu é descrever a pintura que eu gostaria de ter pintado. Vamos a ela, por mais psicodélico que isso possa ser:

 

<<<Uma linha marrom nasce na ponta inferior esquerda de uma tela, fina e débil. Ela se sente insegura e chora a todo momento. Tem muito colo disponível. Ela se refestela. Conforme Marron avança em direção ao centro do quadro, ela se adensa e se torna cada vez mais amarela. Amarela de medo, amarela de dor de barriga, amarela por causa do brilho do sol, amarela por causa das flores que tem no cabelo. No ponto em que o marrom já não comparece e Amarelo domina a cena em um traçado grosso, mas leve e suave, diversos outros veios coloridos começam a despontar, desviando-se do caminho principal. Os frágeis tracinhos coloridos tomam o espaço branco ao redor, alguns mais grossos, mas ainda finos, outros tão, tão finos que quase não se vê. De repente, um dos finos capilares, do qual era difícil divisar a origem, ganha corpo e desponta bem marcado galgando o canto superior direito da tela. Ele é cheio de energia e paixão. Não recebe ordens e não leva desaforo para casa. Ignora tudo e todos ao redor e vai somente pela própria cabeça. Está vermelho de ódio e vermelho de dor, amor e tudo o mais que rima e termina em or, como calor, estupor, fedor, horror, vigor e por aí vai. Desse canal de tinta vermelho e sanguíneo, ainda correm alguns traçados laterais de cores vivas. Todas as cores se cruzam e bagunçam o meio da pintura que, no mais, poderia ter sido uma dança moderna no lugar de uma narrativa sem sentido. Não é possível seguir um só traço até o seu derradeiro fim.

Acompanhamos a Vermelha até o momento em que todas as cores do mundo, representadas, na minha pintura, por todas as tintas que eu possuo, desabrocham dando um último suspiro angustiado de sua ponta que, após encontrar a tal borda superior direita da tela, se volta para a diagonal oposta e começa um caminho descendente.

Contudo, sem que ninguém tivesse se dado conta, a despeito de todos os intensos protestos da pintora e se expressando quase que por meio de um sussurro, do meio das cores vivas que despontavam como raios da mancha vermelha se insinuava um fio marrom que se avoluma horrendamente conforme o traçado retorna a sua origem.

Marron segue fingindo segurança de si, firme, numa jornada de ponta cabeça em queda livre pelo meio da tela. Ele acha que volta para onde veio, mas ninguém sabe onde ele vai parar, mas ele finge saber e acreditar que está indo para onde decide ir. Todos os brilhantes fiozinhos de tinta coloridos que dominavam o restante do quadro foram arrancados por Marrom pela raiz. Alguns cotocos permanecem para contar a história do que Marrom poderia ter sido, mas Marrom tem muito medo de ser qualquer outra coisa além daquilo que se acostumou a ser por mero acaso. Se fosse outro o quadro, talvez Marrom ainda pudesse ter se tornado Verde, Rosa, Preto ou Laranja, mas neste quadro Marrom vai morrer Marrom.>>>

 

Talvez eu intitulasse o quadro de O CAMINHO.