Comemorações/bebemorações…

Comemorações são geralmente isso aí mesmo: ocasiões em que saímos ou nos reunimos com outras pessoas para comer como forma de festejar um acontecimento. Exceções comuns hoje em dia são as bebemorações: sair para beber como forma de festejar um acontecimento.

Quando eu saio com meus amigos para comemorar algo, geralmente são bebemorações, com a família, comemorações.
Parece que falta criatividade para celebrar as coisas. O problema não é nem comer ou beber, mas sim fazer só isso. 

Por isso foi tão bom ontem ter saído para comemorar um aniversário precedido por um boliche.

Comemorações marcantes e alternativas para mim foram: fazer uma viagem curta, de final de semana; ir ao Kart e depois ir comer (como foi com o boliche); ir à um parque de diversões com os amigos já depois de velhos; fazer uma noite de jogos com petiscos em casa (isso a gente faz sempre aqui em casa, uma vez por mês, praticamente, para juntar os amigos e também em comemorações); fazer um piquenique (o último aniversário comemorado com piquenique que eu fui, foi o da minha professora de poledance e teve direito até ao pole!!!); churrasco com piscina (já estamos começando a focar na comida de novo, está percebendo); bom, essas são as principais variações das quais consigo me lembrar agora.

Teve também, é claro, meu casamento e a lua de mel. Comemorações inesquecíveis!

Tirando isso, é sentar para comer ou beber até dizer chega mesmo. E não tem nada de errado com isso, é bom salientar, mas seria muito bom realmente variar um pouco mais nas comemorações.

Nossa, inclusive sentar para comer ou beber também já firma coisas que me renderam histórias muito loucas. Lembro-me especificamente de duas agora. A primeira foi com comida na casa da minha avó. É assim que comemoramos muitos aniversários na família. Nos reunimos todos na casa da minha avó e comemos o dia inteiro. De vez em quando eu saía depois do almoço para rever os amigos lá do bairro onde ela mora, em Jardim América, um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. Neste dia especificamente, eu havia comido muito e estava muito quente e eu sai depois do almoço (alerta: a história é nojenta e bizarra). Pois bem, comi, comi, comi e fui andar no sol. Não demorou muito para que eu começasse a passar muito mal. Quando cheguei no portão da casa da minha amiga, não segurei mais e comecei a vomitar no bueiro. Ela ouviu lá de dentro da casa dela e veio ver o que estava acontecendo e eu derrepente ouvi a voz dela “Amiga, o que que está acontecendo”? Bom, fiquei lá na calçada com ela a tarde todo enjoada, vomitando de vez em quando e bochechando com a água da mangueira.  

A segunda história, bom, eu estava na faculdade quando recebi uma bolsa do Instituto Goethe para estudar na Alemanha. Sai da aula e comecei a beber cerveja com os amigos. Devia ser tipo dez ou onze da manhã. De noite eu já estava bêbada, com vontade de continuar bebemorando, contudo, mas o dar do campus que vendia cerveja já estava fechando, era uma terça feira se não me engano. Fui então procurar uma garrafa de vinho nos bares atrás da faculdade. A minha intenção era comprar o vinho e ir beber na praia Vermelha. Quando eu pulo uma mureta para chegar ao bar e grito perguntando ao garçom pelo vinho, eu ouço a voz de um paciente (isso mesmo, um paciente) “Doutora, está procurando vinho, estamos comemorando alguma coisa”? Caralho, eu congelei. Hoje em dia lembro daquele ditado: Merdas Acontecem. 

Maio é o mês do meu aniversário. Vamos ver se penso algo diferente até lá!

“Por onde andam meus pés”? Dia 9.

Mais um dia, mais amigos.

Hoje fomos almoçar fora e comprar plantas na CADEG – o Mercado Municipal do Rio de Janeiro. Sabe aquele centro turístico que você visita quando vai à São Paulo que tem muita comida boa? Então, aqui no rio também tem (pena que a comida é tão cara. Se não fosse assim, eu iria mais vezes).

Para comprar plantas o mercado é muito bom e muito barato.

Os assuntos do dia foram preconceito linguístico e uma prova filosófica da existência de Deus supostamente baseada em premissas comprovadas pela Física. Pois é. Meus amigos são todos muito inteligentes, esses de hoje são os que adoram falar sobre assuntos acadêmicos o tempo todo.

A questão do preconceito linguístico apareceu quando estávamos falando sobre correção de provas. Alguns de nós são professores e temos a missão de “testar” o conhecimento dos alunos. Estávamos comentando o fato alarmante de que alguns alunos entram na faculdade sem ter o mínimo domínio da língua escrita. Algumas coisas que os alunos escrevem nas provas são indecifráveis. A questão é: pedir que os alunos utilizem a norma culta da língua resolve esse tipo de problema? Ou será que estaríamos apenas cometendo preconceito linguístico sem colaborar em nada para o desenvolvimento acadêmico, e intelectual de uma maneira mais ampla, dos nossos alunos? Resumindo: a norma culta da língua não garante o 10 que depende do domínio da matéria e da clareza e coesão da expressão escrita do aluno.

No fundo, no fundo, enquanto estamos tendo essas discussões, eu fico pensando: “Meu Deus! Como a gente cresceu! Meus amigos agora são professores universitários! Eu mesma comecei a dar aulas em uma instituição de pós-graduação. Eu me seguro para não comentar estas coisas o tempo todo porque as pessoas simplesmente dizem: “E daí, menina? É isso mesmo”. Daí que eu acho que eu sou muito deslumbrada com a vida e acho todas as coisas maravilhosas e impressionantes. De vez em quando eu tenho crises de riso, baixinho quando estou sozinha, pensando no fato de ter conhecido e me casado com o meu marido, de ser filha da minha mãe, neta da minha avó, de ter escolhido a profissão que escolhi. Tudo isso tinha tudo para dar errado. Se eu tivesse virado à direita no lugar de virar à esquerda em alguma das esquinas da vida… Tudo poderia ter sido diferente.

Isso nos leva ao segundo tópico da discussão de hoje, a prova da existência de Deus. Também resumidamente: Para que houvesse a possibilidade de existir vida no nosso universo do jeito que existe – veja bem, para existir a possiblidade de existir vida, como meu amigo frisou, não a vida em si, mas a mera possibilidade dela – todas as constantes da física só poderiam variar dentro de um intervalo muito pequeno dentro de uma infinidade de possibilidades. Só um design inteligente poderia ter feito com que tudo acontecesse precisamente desta maneira. Essa é a ideia. O problema com este argumento é que ele não é o mais simples possível. O mais simples possível é acreditar no acaso. O mero acaso.

Veja bem, o Deus que a filosofia pretende provar não é o Deus da religião. Ele não é um Deus onipotente, onisciente, onipresente e amoroso. A prova filosófica só consegue falar de uma força, consciente e dotada de vontade, que escolheu criar um universo com a possibilidade de que existisse vida nele. E ponto final.

Como eu disse, o acaso é a explicação mais simples. Mas eu entendo. Eu não falei com vocês do meu marido? Da minha mãe? De todas as coisas que aconteceram na minha vida? Pensar que tudo isso vem do mero acaso é pouco romântico e angustiante.

Imagine os votos de casamento desse universo perfeitamente racional:

 

“Fulano, é até difícil para mim dizer que fico feliz em ter te conhecido e escolhido me casar com você, porque eu tenho certeza de que se o acaso tivesse colocado outra pessoa no meu caminho as chances de eu me apaixonar por essa outra seriam, teoricamente, as mesmas. Mas foi você que apareceu, então… Ok. Ficaremos juntos, de hoje em diante, até que o acaso nos separe da mesma maneira aleatória que nos uniu”.

 

Nada Disney, não é? (Sem contar com o fato de que nesse universo perfeitamente racional é bastante possível que não existisse casamento).

Como doutoranda em filosofia devo dizer que amo discutir temas etéreos e tão fundamentais quanto Deus e a origem do universo, a essência do ser humano e os fundamentos do comportamento ético, mas, sinceramente, essas discussões só têm significado na minha vida, porque posso dividi-las com esses pezinhos encharcados.  

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“Por onde andam meus pés”? Dia 8.

Hoje as estrelas foram os pés dos amigos.

Pés que vêm visitar e que, às vezes, custam a ir embora (importante deixar claro que isso é uma coisa maavilhosa :P). Pés que vêm de longe algumas vezes e pés que pisam a casa inteira durante os fins de semana de estadia. Tem um pé em especial, que quando vem aqui, sempre destrói ou quebra alguma coisa, mas como esses pés também já ajudaram! Subiram e desceram escada durante a pintura do apartamento novo, sustentaram o peso dos móveis na mudança.

Pés descalços como o meu ou os pés calçados que me deixam louca. Não entendo esse povo que adora um sapato. Quando vem um amigo de tênis eu obrigo a tirar. Não quero nem saber. Durante a semana são os pés cansados, cheios de chulé que pisam esta casa.

São todos pés muito bem-vindos.

Tem também os pés sumidos, que nunca pisaram esse território. Cadê vocês? Já passou da hora de conhecer meu chão.

Eu lembro de quando era educado tirar o chinelo para entrar na casa dos outros. Quantas texturas de chão diferente já passaram pelas solas dos meus pés.

Chãos encerados, chãos cobertos de pelo de cachorro e gato, chãos de terra batida, chãos de taco, de cerâmica e de madeira, chãos sujos.

É estranho que eu me lembre do chão da casa das pessoas?

Nos dois apartamentos que eu morei até hoje desde que saí da casa da minha mãe, o chão foi algo que eu fiz questão de mudar para ficar do meu jeito. Afinal, eu aproveito muito o chão da casa. Eu sento e deito no chão e ando descalça.

Não é que eu goste de piso perfeito. Lembro que no quarto onde eu dormia na época que morei na casa da minha avó tinha uma cerâmica quebrada. Olha, eu nunca gostei de quebra-cabeça, mas como eu gostava de ficar encaixando e desencaixando aquele negócio! Tinha um quebradinho na cozinha também… Eu quase senti pena quando essas “imperfeições” foram consertadas.
Sempre dizem que o mais importante dos sentidos humanos é a visão. Importante no sentido de ser o sentido ao qual prestamos mais atenção. Ele monopoliza a nossa percepção do mundo. E é verdade. Temos que nos esforçar para prestar atenção aos outros sentidos. E esse é um exercício que vale muito a pena.

Eu sei que você deve acreditar que a friagem entra pelo pé, mas eu quase nunca gripo ou fico resfriada. Então deixe o medo de lado e dê mais pisadinhas nas coisas.

Duas das coisas que eu não gosto de pisar: algas, que me dão um nervoso extremo, e chão de lagoa, que tem uma textura meio lodosa que me dá arrepios. Fora isso… Tenho curiosidade de como seria pisar em brasa… Ou em pregos, como naqueles espetáculos nos quais as pessoas fazem coisas inimagináveis!

“Por onde andam meus pés”? Dia 5.

A infância é bastante superestimada. As (poucas) memórias que nos sobram dela parecem sempre repletas de magia, paz e felicidade. Se a infância é isso tudo mesmo ou não, discutimos depois.
De qualquer modo, eu gosto de lembrar da infância, como tudo mundo. Mas eu geralmente me lembro mais da adolescência. Acho que ela foi mais agitada, teve mais emoções intensas e é bem mais fácil de lembrar.
Hoje meus pés me levaram de volta à essa época.
Depois do almoço (que acabou seis horas da tarde e estava delicioso) eu fui dar uma volta pelo bairro da minha avó (tinha que esperar o sol baixar também, não é? Vocês se lembram que eu disse que aqui é quente para cacete).
Fui parar na praça da Igreja onde eu passava boa parte dos meus finais de semana entre os treze e os dezesseis anos.
Cheguei lá já na intenção de relembrar o passado e pensar o que ia escrever no texto de hoje.
A primeira coisa que eu lembrei foi a quantidade de gente que eu conhecia na época. Fiquei me perguntando como eu, tão anti-social, conseguia conhecer aquela galera toda. Não passou um minuto, uma rapaz se aproximou e me pediu o isqueiro emprestado. Ele me perguntou o que eu estava fumando. Tabaco. Ele também já tinha fumado tabaco e achava muito bom. De vez em quando, ele fumava outras coisas também. Um amigo dele também adorava uma onda. Eu só no: Uhum…. Ele chamou o outro rapaz: chega aew!!! O menino veio. Acredita que esse outro rapaz, apesar de aparentar já quase trinta anos, não dormia com a luz apagada! Nem abajur servia. Tinha que ser luz acesa mesmo. Me pergunta como eu soube se tudo isso? Nem eu sei. Os garotos só chegaram e começaram a falar da vida. Eu nem pude pensar no que eu havia planejado pensar. Mas eu sai dali com todas as respostas. É assim que uma garota anti-social fez tantas amizades em um bairro do subúrbio: ficando parada por cinco minutos numa praça qualquer.
Os ares da adolescência são menos místicos do que os da infância, mas ainda tem um quê especial.
Me entende?
A voz do rapaz falando coisas aleatórias da vida dele como se me conhecesse há dez anos, o pessoal ali na quadra jogando bola, a conversa alta da galera na mesa ao lado, o motor das motos que passavam na rua, o canto da missa que estava rolando.
Eu passei a adolescência no meio desses sons. E esses mesmos sons continuam lá! Inacreditável.
O cenário da minha adolescência ainda está montado, eu que me aposentei daqueles palcos.
Eu não viveria tudo aquilo de novo nem se você me pagasse. Mas com certeza é bom juntar os amigos num banco de praça para relembrar os velhos tempos.

Como tornar o estudo mais suportável. 

Por mais que eu não goste, tem dias que não dá para escapar. Eu ainda não cheguei ao ponto de conseguir ter todas as minhas tarefas prontas com antecedência.
Eu já sou bem menos procrastinadora. Vou cumprindo as obrigações aos pouquinhos, mas, geralmente um dia antes da entrega, eu ainda tenho que fazer aquele estirão de trabalho.
Nessas horas eu sempre lanço mão de dois recursos muito úteis para tornar o momento mais agradável: estudar fora de casa e a companhia dos amigos.
Estudar em casa é maravilhoso quando eu estou com um tempo mais folgado. Posso passar dias em casa no seguinte ritmo: estudo uma hora, assisto um episódio de série, estudo mais uma hora, outro episódio. Rendo muito assim. Geralmente são oito ou dez horas de estudo tranquilo. Com intervalos para relaxar. São dias bastante agradáveis estes. Quando o prazo está mais apertado, não rola ficar nessa molezinha. Aí eu prefiro sair de casa. Vou para uma biblioteca (não é minha primeira opção, mas é legal), um café ou para a faculdade.
Minha opção preferida é o café. Se for um café em uma livraria, melhor ainda. Num lugar como esses, dá para segurar a onda de mais horas de estudos sem intervalo.
Chamar os amigos que estão precisando estudar também é uma boa pedida. É mais tranquilo se foder quando o outro do seu lado tá se fudendo também. Brincadeira. Então, falando sério, é muito mais gostoso estudar com um amigo estudando ali do seu lado. A companhia faz muita diferença. Torna o clima mais leve. Vocês não precisam nem estar estudando a mesma coisa. O que vale é estar perto um do outro. A empatia e o consolo da companhia é que importa. (Fora que dá pra trocar dois dedinhos de prosa nos intervalinhos, não é).
Ah! E claro, tem o café!
Ficar trancado um dia inteiro num quarto sozinho estudando é algo enlouquecedor. Eu sei que muitas vezes é isso que a academia diz que você tem que fazer. Não acredite nisso nem por um segundo.

“Eu espio com os meus olhos”. Parte IV.

Até a terceira série, as zoações dos colegas eram inofensivas para mim. Nada do que eu vivi até este período ficou marcado como especialmente negativo. Tinha um pouco da estranheza, eu acho, da parte das outras crianças em relação a mim, pois eu não via a bola nos jogos de queimado, não via onde caiu a pedrinha da amarelinha, não sabia dizer se o paquera da amiga era bonito ou não, não copiava do quadro, não respondia quando acenavam para mim. Mas as crianças não eram especialmente más nessa época, ou eu era mais resiliente.

O problema começou na terceira série.

Além das zoações inespecíficas, que serviam para zoar qualquer pessoa, eu comecei a sofrer com as zoações específicas e elas me magoavam demais.

Uma coisa era aquele garoto que virava para todo mundo e dizia: “Eu não sei se você tem dente ou trave de gol”. Quando todo mundo estava se xingando de “burro” e você era só mais um a ser xingado da mesma coisa a experiência é uma.

Quando você começa a ser alvo de xingamentos específicos, direcionados única e exclusivamente para você, a experiência de singularização fica mais evidente. Como consequência, eu comecei a ser vista como diferente e isso foi fazendo com que eu ficasse isolada socialmente.

“Cara de peixe morto”; “Abre o olho!”; “Quantos dedos têm aqui?” (com o dedo na minha cara); “Cegueta”; “Cega”; “Ceguinha”; e, além das falas, tinham os comportamentos. Eu geralmente fico com os olhos apertados ou olho pela parte de baixo do olho (como quem usa óculos multifocal tem que fazer), pois isso me ajuda a ver um pouco melhor. Esse gesto que eu fazia para ver melhor era imitado pelas outras crianças.

Tudo isso servi apenas para zoar a mim e a mais nenhuma outra criança.

Até eu faço gozação com o meu problema de visão. Meus amigos fazem. Se a gente não rir de si mesmo está condenado ao sofrimento. Mas ser zoado com amor pelos seus amigos é bastante diferente de ser ofendido por pessoas que afirmam te odiar.

Ainda havia aquelas crianças que, assim como alguns professores, pareciam ficar com raiva do meu problema de visão e demandavam que eu me curasse magicamente.

Por exemplo: havia crianças que não me zoavam por causa do problema de visão, mas que me chamavam de metida, porque eu não as cumprimentava quando passavam por mim. Eu explicava que não cumprimentava porque não as enxergava. Era só elas virem até mim e me cumprimentarem, ou me chamarem a atenção de alguma outra forma, que eu falaria com elas sem problema nenhum. Não era de propósito que eu as estava ignorando. Mas elas não aceitavam muito bem esta situação e ficavam irritadas comigo. Continuavam achando que eu era metida e se afastavam de mim.  

Já me perguntei muito o porquê disso. A melhor explicação que eu consegui encontrar, foi o fato da minha deficiência não ser aparente. As pessoas não conseguem entender isso muito bem: uma pessoa que sofre com um prejuízo tão grande, mas que elas não conseguem enxergar… Essas pessoas acham que eu estou de palhaçada ou de má vontade.

O fato é, eu fui um tipo de criança que já teria sofrido bullying de qualquer forma. O problema de visão só fez com que as coisas ficassem um pouco mais difíceis. Até porque, além do bullying, eu passei por uma série de outras dificuldades.

O incrível é que, mesmo no meio de tudo isso eu consegui encontrar as minhas melhores amigas.

Minhas amigas sempre fizeram tudo que podiam para que eu conseguisse acompanhar as aulas. Desde ir me falando e explicando baixinho tudo que o professor falava, até me ajudar a copiar a matéria que havia sido dada para o meu caderno na hora do recreio. Pensamos de tudo ao longo dos anos. O papel carbono foi uma das nossas melhores descobertas, apesar de ele não permitir que a minha amiga escrevesse dos dois lados da página do caderno dela porque borrava a minha cópia. Então, o prejuízo que os pais delas tinham com caderno era minha culpa.

Elas me ajudaram lendo os menus dos restaurantes, me ajudaram falando quais meninos eram meu tipo e quais não, me ajudaram a atravessar ruas, a pegar ônibus, a não morrer atropelada.

As amizades daquela época fizeram com que as tristezas vividas no sofrimento das chacotas, estejam agora, nas minhas lembranças, permeadas por todas os lados das maiores alegrias e aventuras que a infância pode comportar.

Não vou mentir. Tem uma barra que a deficiência impõe que você vai carregar sozinho e ninguém tem como sentir ou saber como é. Essa solidão não é exclusiva, mas é particular. Cada um tem o seu calo que faz com que só essa pessoa saiba como é andar nos próprios sapatos. A deficiência é assim também. Mas você nunca precisa estar solitário, mesmo quando estiver absolutamente sozinho no seu sofrimento. Não é porque as pessoas não entendem ou não sabem como é sentir o que você está sentindo, que elas não querem estar junto de você para te dar apoio.

 

Mutirão do Sintoma.

Qual é a dificuldade que seus amigos estão vivenciando? E você? O que tem te incomodado ultimamente? Será que vocês podem se ajudar de alguma maneira?

Outro dia, na casa de um amigo, surgiu a brilhante ideia do Mutirão do Sintoma.

A ideia é reunir um grupo de amigos que vão se apoiar mutuamente na resolução imediata de algum problema.

Todo mundo tem aquele e-mail que está evitando mandar, ou precisa enviar currículos e fazer cadastros em sites de procura de emprego. Talvez você esteja precisando fazer alguma ligação que vem adiando. Pode ser uma pequena mágoa que você guardou de um amigo que você precisa desabafar, mas está sem coragem para fazer isso.

Estes são pequenos problemas do dia a dia, a princípio de fácil resolução, que colaboram para tirar a nossa paz. São “pequenas poeirinhas” que podem ser varridas para fora da sua vida, te dando mais tranquilidade e uma visão mais clara dos problemas mais complicados com os quais você está lidando.

O chato desses problemas-poeira é que eles embaçam a visão, tornam a nossa vida mais confusa e bagunçada, de modo que ficamos sem saber por onde começar a resolver nossos problemas mais complexos.

Reúna os amigos em um dia tranquilo, prepare comida e bebida. Quando estiverem reunidos, façam um brainstorm dos problemas simples do dia a dia que vocês estão tendo dificuldade para resolver sozinhos (cada um isolado na sua própria casa) e se apoiem para que vocês possam resolver esses problemas ali mesmo, conjuntamente. Redijam o e-mail pendente juntos, façam as ligações pendentes na presença dos amigos para que eles possam te abraçar assim que você desligar o telefone. Enfim, o que der para vocês resolverem juntos resolvam!

Tire as coisas simples do caminho. E conte com os amigos para isso.

Conversas universitárias. Ou: sobre o sucesso na academia.

As palavras de hoje são roubadas das conversas fenomenais que nós temos na vida cotidiana.

Eis como o diálogo transcorreu:

– Você viu aquele cartaz que tem ali?

– Não.

– Um absurdo isso. Você já ouviu falar em X (não me lembro nenhum dos nomes que ele mencionou).

– Fala o que é só para eu ter certeza de que não sei.

– Hm… sabe Y?

– Definitivamente não.

– E Z?

– Nunca ouvi falar.

– Enfim, é uma ideologia babaca, bizarra de direita! Eu não sei como tem um cartaz disso aqui.

– É… Estamos vivendo um momento estranho… Deixa eu te perguntar, você já fez a apresentação do seu texto?

– Não. Eu tive que faltar. Tive que resolver umas questões no banco que requeriam o CPF do meu pai, só que ele andou morrendo ultimamente.

– Oi? Quê?! Seu pai morreu recentemente?

– Sim. Há dois meses.

– Sinto muito…

– Ok. A vida é assim, a gente não sabe se vai estar vivo amanhã. Tem que relaxar mesmo. O meu pai se preocupou demais a vida inteira e não cuidou do que realmente importava. Ele só pensava em dinheiro. Por isso que quando eu já estava muito velho para ficar em casa sendo sustentado e a minha família começou a reclamar eu vim fazer filosofia.

– Para ficar rico, não é?

– Exatamente. Eu só quero ter dinheiro suficiente para poder largar isso tudo aqui e montar um movimento de luta com os índios da região Centro-Oeste. E mais nada.

– Muito bom esse seu propósito.

– Só quero isso mesmo e mais nada.

– Entendi. Legal. Pois é. Eu te perguntei se você tinha feito a sua apresentação porque a minha é hoje e eu estou tensa para caralho, apesar de eu ter entrado nessa também ultimamente de pegar mais leve com as coisas e entender que o que quer aconteça, vai ficar tudo bem.

– Que isso! Não fica tensa não. Vai entrar nessa por qual motivo? O máximo que a gente pode esperar da vida é mediocridade e insignificância mesmo. Então você vai se estressar? Para quê?! O sucesso, dentro da academia, é se tornar um super especialista em ideias das quais você discorda! É até melhor fracassar mesmo. E ainda tem sabe o quê? A academia gosta disso aí que você está falando. A academia goza em manter os alunos ociosos e ansiosos. Eles não querem que você trabalhe porque, se não, o seu estudo não vai ser de qualidade, e eles exigem tanto de você, porra, você acaba quebrando! Tudo para quê? Para supostamente alcançar o sucesso, que, não se engane, vai ser sempre insuficiente e tendencioso.

– Poxa, valeu. Fiquei de boas agora. Estou tranquila. Vamos lá.

– Claro.

A dificuldade de desabafar na internet.

Eu gostaria que o texto de hoje funcionasse como um desabafo. Mas enfrento dois problemas sérios.

 

Em primeiro lugar, desabafos para anônimos na internet já são mais do que clichês. Não que eu seja a priori contra os clichês, mas, neste caso específico, não vou conseguir trabalhar esse clichê de uma forma legal. Usar clichês requer do escritor que ele esteja com a cabeça no lugar para raciocinar a respeito do modo como aquele clichê o afeta em particular, ou como a situação que ele viveu ou vive no momento é clichê ao mesmo tempo em que retém suas particularidades, o que a torna interessante. Assim, ele pode falar do clichê de uma maneira minimamente singular (como a releitura de Édipo Rei no filme Incêndios. Vocês viram? Vale muito a pena). Mas esse não é o meu caso agora. Minha cabeça está pesada demais, eu estou irritada demais, cansada demais.

 

Em segundo lugar, eu já tentei fazer esses desabafos na forma de narrativas que eu vomito no papel. Mas eu tenho o péssimo hábito de me envergonhar delas depois. E, apesar de um dos objetivos de escrever no blog seja perder o medo de me expor, eu ainda não me sinto totalmente preparada para isso. Já recebi críticas negativas a respeito do blog e pensei seriamente em desistir (outra coisa que eu preciso desabafar no futuro). Um exemplo de um texto do qual eu me envergonho, que foi feito em um momento de muita raiva, você pode ver aqui.

 

Hoje eu vou me despedir sem saber como desabafar on-line. O importante nessas horas é que eu tenho um celular com o número de um ou dois bons amigos.