O que é e como fazer Blackout Poetry. 

Tenho feito experimentos com Blackout Poetry. Esta técnica e outras, como a Caviardage, parecem ter tido origem na ação de censurar um texto, apagando certas passagens do mesmo com um grifo preto.

Atualmente existem inúmeras formas de se fazer Blackout Poetry. Mas o essencial é que você deve pegar uma matéria de jornal ou uma página de um livro (ou qualquer outro texto que desejar) e olhar para ela, sem necessariamente ler com muita atenção, envolvendo as palavras ou passagens que chamarem sua atenção. Depois, você pode cobrir o resto do texto da forma que quiser! (Veja um exemplo no final do post).

A técnica ainda mostra como são equivocadas idéias muito arraigadas e tradicionais, como as de autoria e de originalidade.
Normalmente pensamos no autor como aquele que se fecha em uma cabana no meio do mato e cria algo inédito a partir da folha em branco. Ele sai de seu refúgio com sua grande obra em mãos. Mas o autor nunca está só e a folha nunca está verdadeiramente em branco, sempre há algo por detrás do que escrevemos, outros lugares, outras sensibilidades que tiveram acesso às mesmas coisas. E o que nós condensamos e colocamos no papel não é nada além da nossa forma de acesso a um conteúdo que é essencialmente compartilhado. Nada é verdadeiramente nosso. Como poderia ser? “Escrita é citação em cima de citação”.
A Espanhola 

Insolente

Mundana

Tingia os cabelos

Doidivana

Rara

Levantava o vestido

À vista 

Em pleno amor

Prólogo do filme “O Anticristo”.

Uma criança caía da janela no momento em que sua mãe atingia o orgasmo. O menino estava encantado com a neve lá fora. Ele subiu no parapeito e sacudiu as mãozinhas no ar agitando os flocos. Confundia-os com brinquedos.

O menino havia passado pelo quarto dos pais a caminho da janela. Ele olhou a figura emaranhada que se contorcia em cima da cama. O mesmo olhar sereno que olhava para ursinhos de pelúcia que flutuavam pelo quarto. Os pais, que já estavam prestes a gozar, não ouviam nada, nem mesmo crianças vagando pela casa.

O menino deveria estar no berço. Mas a barulheira que os pais ignoravam o acordou e instigou; o som da água do chuveiro, da máquina de lavar roupas, o barulho de garrafas sendo derrubadas e líquidos derramados.

O casal havia colocado o bebê para dormir e a roupa suja na máquina de lavar. Homem e mulher foram tomar banho e acabaram trocando olhares apaixonados.

As gotas de água do chuveiro, todo o líquido derramado e a neve que entrou pela janela não chagaram a constituir o volume de uma só das lágrimas da mulher.

“50 Tons”.

Assisti, na semana passada, ao segundo filme da trilogia no cinema. Assisti ao primeiro filme no cinema também. Não li os livros. O segundo filme, assim como o primeiro, foi ruim. Quando expressei esta opinião para uma conhecida ela logo tentou me animar, afirmando que ela havia lido os livros e que, no final, a mocinha “conserta” o rapaz. Mas, na verdade, do rapaz, do tal do sádico, eu não tenho muito o que reclamar. Especialmente levando em consideração apenas o primeiro filme.

A começar por aquele quarto que, convenhamos, é um sonho para qualquer um que curte BDSM. E, pelo menos pelo que o filme dá a entender, o contrato que o sádico apresenta à futura submissa para que ela deixe claro o que permite ou não que seja feito com seu corpo parece bem detalhado. Não pareceu, de fato, que ele a obrigou a nada. O que torna as coisas verdadeiramente complicadas é o background de criança sofrida para explicar a CAUSA do sadismo. No segundo filme esse background se torna ainda mais assustador e problemático. Descobrimos que Grey vivenciou uma série de coisas horríveis no quando era criança (horríveis mesmo) e, por isso, tem o desejo de punir mulheres que se pareçam com sua mãe. Isso tudo passa uma imagem extremamente negativa do BDSM que, quando praticada entre dois adultos consensualmente, pode ser muito sensual e extremamente prazeroso. No filme, os adeptos da prática aparecem como pedófilos (a mulher que o “ensinou a transar) e/ou com um histórico de abuso, agressão e abandono.

Por outro lado, temos a submissa. Que, antes de mais nada, eu gostaria de observar, parece começar a curtir um BDSM softcore no segundo filme. E, é claro, tem como missão de vida ensinar o multi mi, bi ou trilhonário (não sei) a amar. Ok. Estou entendendo então que: 1) de leve o tapa não dói; 2) o propósito da vida daquela mulher era resgatar a pobre alma de um homem sofrido. Sobre a primeira conclusão: a princípio a crítica era moral! Não se tratava da quantidade de violência empregada, mas do próprio fato da necessidade de uma tal prática existir. Parece que a mulher faz ali algum tipo de concessão que é incoerente com a imagem que o filme apresenta do BDSM. Forte não pode, mas de leve tudo bem? Esse é um retrato irresponsável da prática sadomasoquista. A segunda conclusão eu nem preciso comentar, não é? Já vimos essa história trocentas vezes. Por trás de todo grande homem há uma mulher que o ama e que recarrega suas energias.

Mas você acredita que nem era isso que eu queria dizer inicialmente sobre o filme? Meu ponto com esse texto é, simplesmente: esse é um filme de audiência majoritariamente feminina, certo? Então por que diabos eu vi mais o peito da mulher do que a bunda do cara????????? Saí do cinema perplexa.

Resenha da primeira temporada da série “3%”.

A séria brasileira 3% se passa, aparentemente, em um futuro distópico. 97% da população brasileira vive no continente em uma situação extremamente desfavorável, enquanto os outros 3% da população vivem no MarAlto, uma sociedade supostamente muito mais desenvolvida e na qual tudo abunda.

Quando os adolescentes do continente completam 20 anos, eles têm a oportunidade de participar do Processo. O Processo é um método de seleção que separa os 97% dos outros 3%, ele é baseado na ideia de mérito individual.

Embora seja possível notar que, mesmo dentre a população do continente, existe uma diferença entre as “classes”, pois um dos personagens aparentemente tem uma funcionária doméstica que trabalha há anos para sua família, todos entram no Processo em plena igualdade, todos com as mesmas chances de competir. Supostamente. Logo vemos que não é bem assim. O Processo não tem nenhum tipo de apoio diferenciado para portadores de necessidades especiais, por exemplo. Notamos, contudo, uma igualdade ligeiramente maior do que a da nossa sociedade em termos de participantes negros.

A série conta com a marcante reprodução de duas lindas músicas brasileiras: Mulher do Fim do Mundo de Elza Soares e Último Desejo cantada por Maria Betânia. É um pouco espantoso ouvir estas músicas no ambiente da série. Admito. Mas é um espanto maravilhoso.

Chegamos ao ponto que eu ansiava. Estas músicas criam um elo forte entre a fantasia da tela e a nossa realidade. Desde o primeiro momento da série comecei a pensar no vestibular. Pouco mais de 3% da população brasileira consegue ingressar e concluir os estudos universitários. O Processo meritocrático de seleção não está lá no futuro distópico, está na nossa cara. E aqueles que passam costumam sim, do mesmo modo retratado pela série, se esquecer dos que ficam do “lado de cá” (como é chamado o continente na série) e se achar superior a eles. É criada a ilusão de que o vestibular/Processo é de fato justo e seleciona os mais preparados. Interessante notar que o idealizador do Processo aparece em alguns momentos treinando uma criança pela qual ele tem particular interesse em uma das provas do Processo. Assumimos que este menino estará mais preparado quando a sua hora chegar. Assim como aqueles que possuem ampla acesso à educação possuem mais chances de passar no vestibular do que aqueles que tiveram uma educação precária e condições de vida desfavoráveis tendo em vista o que é exigido do jovem na hora de saber se ele está apto para o ensino universitário.

Li muitas críticas à série que se referiam à pouca profundidade psicológica das personagens. De fato, diversos aspectos humanos são levantados sumariamente ao longo das provas às quais os candidatos são submetidos. Não há uma exploração profunda dos aspectos apresentados, mas o laço com a realidade é tão forte que os sentimentos despertados pela série dão conta plenamente de levar adiante e aprofundar os debates pincelados pela série.