Terapia boa pra cachorro.

Todo mundo sabe que os animais são ótimos terapeutas. Eu só não imaginava que eles eram tão bons assim. Mas vê só isso que uma amiga me contou de uma conversa que ela teve com uma mulher aleatória. 
Minha amiga perguntou – Mas e aí, o que aconteceu?
E a mulher respondeu – Menina, ela falou assim para mim: vai lá na quarta gaveta e olha lá, na quarta gaveta de cima para baixo, que você vai ver a prova do que eu estou te falando.
– E o que tinha lá na gaveta?
– Não, não tinha nada na gaveta, mas esse não é o ponto!
– Como assim esse não é o ponto? Não tinha nada na gaveta?
– Não. Mas o que aconteceu foi que eu olhei na gaveta e aquilo me fez um mal que eu tava pensando em me jogar da janela.
– Que isso!
– Pois é! Mas, graças a Deus, o cachorro me impediu. Não me deixou me jogar, não.
– O cachorro?
– É! O cachorro da vizinha! Você precisa de ver! Um amor de bicho. Sabe quando o bicho é mais humano do que muita gente por aí? Então, é o cachorro da minha vizinha.
– Aí foi ele que te salvou?
– Uhum!
– Você tem que ver! Agora toda vez que eu estou chegando no meu apartamento ele fica assim atrás da porta, oh!, abanando o rabo e latindo. Pena que eu não posso ver ele não porque essa vizinha é uma velha chata e não abre a porta, mas eu sei que ele está lá porque eu sinto como ele fica, tadinho. Eu sinto muito essas coisas, sabia? Que nem naquele dia da festa, se lembra? Que o Maurício estava e eu vi na cara dele naquele dia que ele ia ser demitido. Eu não falei com ele antes, né, porque eu não gosto de brincar de Deus, mas eu já sabia.

Depois desse relato louco eu cheguei em casa pensando que eu só queria ter perguntado como o cachorro da vizinha impediu a tal mulher de se jogar da janela. Eu quero esse cachorro para ser meu terapeuta.

Vanessa, não!

Sinto-me completamente abandonada. Meu amor não quer saber de mim. Eu estou aparentemente completamente equivocada. Me sinto maltratada, mas isso é ele que se sente no meu lugar e eu devo ocupar alguma outra categoria de desamados.
Eu quero que ele ceda, ele eu já nem sei mais o que quer. Quero que ele não repita esses absurdos, ele não está nem aí.
Eu me pergunto se ele está sendo violento comigo. Será?
Ele acha que eu sou a violenta.
Ele acha que sou eu que abandono, eu que maltrato eu que não cuido; eu já estou em dúvida. Será que realmente não faço essas coisas?
Me questiono, mas isso não tem efeito nenhum na prática, o que eu quero é mostrar para ele que ele me distrata e eu já não sei mais como fazer isso.
Sempre que tem gente em volta, as pessoas parecem não perceber nada. Ou será que ignoram nosso sofrimento? Desviam os olhares desconcertadas. Aí eu me dou conta, com arrepios, que ele também me ingora. Me tornei invisível, ainda assim é ele que sofre. Tento gritar e espernear e ameaço me matar. Alguém me vê agora? Alguns cochicham: ignora. Ela está fazendo isso só para chamar atenção.
Sim!
Sim!
Por favor!
É de atenção que eu preciso!
Mais atenção, pelo amor de Deus!
Mas quanto mais eu peço atenção, mais ativamente eles me ignoram e vão todos escorregando para longe de mim.
Não! Por favor, não vão embora! Por favor, não me deixem aqui!
Te deixar aí? Mas foi você mesma que se afastou. Com esses suas vozes, essas suas dores, esses seus sofrimentos. Foi você mesma que se condenou.
Mas foram vocês, vocês! Você!
Se você estivesse aqui eu não estaria chorando. Eu não estaria gritando. Eu não estaria invisível. Eu não estaria me matando.
Aí eu fui embora.
E ficou todo mundo bobo. Nossa, eu não acredito que ela fez isso. Alguém sabe o que estava acontecendo com ela?

Paraíso.

Estou aqui agora. Em um hotel no Paraíso.
Valiosas essas liberdades. De poder resolver viajar, de uma hora para outra, sem ter que pedir ou dar satisfação a ninguém.

Não que eu não tenha avisado amigos e parentes, mas essa certeza da que a vida é sua para fazer absolutamente tudo que você quiser com ela é maravilhosa.

Mas será mesmo que somos tão livres assim?

Claro que pegar um avião e ir para em uma cidade a duas horas de distância é mole. Estou eu aqui, em Paraíso, São Paulo.

Mas eu teria oportunidades plenas de viver exatamente a vida que eu tenho razões para valorizar?

Amartya Sen, um economista e filósofo indiano muito importante pensava a liberdade nesse sentido. Temos realmente oportunidades reais de levar a vida que temos razões para valorizar e, portanto, a vida que escolhemos viver? Sen ganhou o prêmio Nobel de economia em 1998 e suas idéias contribuíram enormemente para a criação do IDH como forma mais apropriada de medir o bem-estar social.

Amartya Sen não acredita, por exemplo, que a renda, a riqueza ou o PIB são informações suficientes para avaliar as vantagens e as desvantagens que as pessoas possuem umas em relação às outras. Essas medidas não dão conta dos múltiplos aspectos da vida de uma pessoa ou da população de um país.

O que realmente importaria, para o filósofo seria a capacidade que cada pessoa possui de viver a vida que valoriza. Se uma pessoa possui menos capacidades (no sentido de oportunidades reais) de viver a vida que valoriza do que outra pessoa, a primeira está em desvantagem em relação a segunda pessoa. 
E você? Tem oportunidades reais de viver plenamente a vida que valoriza? Do que você precisa para transformar os recurso que você tem na boa vida que você deseja? O que está faltando para você?

Conversas universitárias. Ou: sobre o sucesso na academia.

As palavras de hoje são roubadas das conversas fenomenais que nós temos na vida cotidiana.

Eis como o diálogo transcorreu:

– Você viu aquele cartaz que tem ali?

– Não.

– Um absurdo isso. Você já ouviu falar em X (não me lembro nenhum dos nomes que ele mencionou).

– Fala o que é só para eu ter certeza de que não sei.

– Hm… sabe Y?

– Definitivamente não.

– E Z?

– Nunca ouvi falar.

– Enfim, é uma ideologia babaca, bizarra de direita! Eu não sei como tem um cartaz disso aqui.

– É… Estamos vivendo um momento estranho… Deixa eu te perguntar, você já fez a apresentação do seu texto?

– Não. Eu tive que faltar. Tive que resolver umas questões no banco que requeriam o CPF do meu pai, só que ele andou morrendo ultimamente.

– Oi? Quê?! Seu pai morreu recentemente?

– Sim. Há dois meses.

– Sinto muito…

– Ok. A vida é assim, a gente não sabe se vai estar vivo amanhã. Tem que relaxar mesmo. O meu pai se preocupou demais a vida inteira e não cuidou do que realmente importava. Ele só pensava em dinheiro. Por isso que quando eu já estava muito velho para ficar em casa sendo sustentado e a minha família começou a reclamar eu vim fazer filosofia.

– Para ficar rico, não é?

– Exatamente. Eu só quero ter dinheiro suficiente para poder largar isso tudo aqui e montar um movimento de luta com os índios da região Centro-Oeste. E mais nada.

– Muito bom esse seu propósito.

– Só quero isso mesmo e mais nada.

– Entendi. Legal. Pois é. Eu te perguntei se você tinha feito a sua apresentação porque a minha é hoje e eu estou tensa para caralho, apesar de eu ter entrado nessa também ultimamente de pegar mais leve com as coisas e entender que o que quer aconteça, vai ficar tudo bem.

– Que isso! Não fica tensa não. Vai entrar nessa por qual motivo? O máximo que a gente pode esperar da vida é mediocridade e insignificância mesmo. Então você vai se estressar? Para quê?! O sucesso, dentro da academia, é se tornar um super especialista em ideias das quais você discorda! É até melhor fracassar mesmo. E ainda tem sabe o quê? A academia gosta disso aí que você está falando. A academia goza em manter os alunos ociosos e ansiosos. Eles não querem que você trabalhe porque, se não, o seu estudo não vai ser de qualidade, e eles exigem tanto de você, porra, você acaba quebrando! Tudo para quê? Para supostamente alcançar o sucesso, que, não se engane, vai ser sempre insuficiente e tendencioso.

– Poxa, valeu. Fiquei de boas agora. Estou tranquila. Vamos lá.

– Claro.

A dificuldade de desabafar na internet.

Eu gostaria que o texto de hoje funcionasse como um desabafo. Mas enfrento dois problemas sérios.

 

Em primeiro lugar, desabafos para anônimos na internet já são mais do que clichês. Não que eu seja a priori contra os clichês, mas, neste caso específico, não vou conseguir trabalhar esse clichê de uma forma legal. Usar clichês requer do escritor que ele esteja com a cabeça no lugar para raciocinar a respeito do modo como aquele clichê o afeta em particular, ou como a situação que ele viveu ou vive no momento é clichê ao mesmo tempo em que retém suas particularidades, o que a torna interessante. Assim, ele pode falar do clichê de uma maneira minimamente singular (como a releitura de Édipo Rei no filme Incêndios. Vocês viram? Vale muito a pena). Mas esse não é o meu caso agora. Minha cabeça está pesada demais, eu estou irritada demais, cansada demais.

 

Em segundo lugar, eu já tentei fazer esses desabafos na forma de narrativas que eu vomito no papel. Mas eu tenho o péssimo hábito de me envergonhar delas depois. E, apesar de um dos objetivos de escrever no blog seja perder o medo de me expor, eu ainda não me sinto totalmente preparada para isso. Já recebi críticas negativas a respeito do blog e pensei seriamente em desistir (outra coisa que eu preciso desabafar no futuro). Um exemplo de um texto do qual eu me envergonho, que foi feito em um momento de muita raiva, você pode ver aqui.

 

Hoje eu vou me despedir sem saber como desabafar on-line. O importante nessas horas é que eu tenho um celular com o número de um ou dois bons amigos.

Pole dance e vida acadêmica.

Eu lia livros da Disney quando era bem novinha. Li muito A Bíblia Para Crianças também. Isso é o que eu me lembro de ler antes dos dez anos de idade.

 

Eu me lembro de já ser, desde cedo, fascinada por livros grossos. Eu cheguei a surrupiar E O Vento Levou da estante da minha mãe e leva-lo para a escola quando eu estava na terceira série (já dá para ter noção de que eu sofri muito bullying quando eu era criança, não é?).

 

Mas, naquela ocasião, eu não cheguei, de fato, a ler o livro, eu só o carregava para cima e para baixo.

 

Comecei a ler livros de mais de vinte páginas ou com mais de quatro linhas em cada página, com dez para onze anos. Foi quando saiu o primeiro livro do Harry Potter. Minha mãe começou lendo para mim de noite, mas ela acabava dormindo rápido algumas vezes e eu ficava morrendo de curiosidade. Comecei a ler sozinha. Não que eu dispensasse as histórias da minha mãe, mas eu até preferia as inventadas do que as lidas de algum livro.

 

Ela inventava histórias do tipo: a formiguinha estava andando pela estrada – aí ela começava a dormir e eu a cutucava, mas não com tanta força para que ela não acordasse completamente e ela continuava – aí o chefe dela chamou ela na sala dele…

 

Eu morria de rir.

 

Enfim, fui do Harry Potter para os livros do Tolkien, daí para as Brumas de Avalon e assim por diante.

 

Não parei de ler até a faculdade. Mas isso eu acho que já contei para vocês.

 

O que ficou de fora é que tinha outra atividade que me acompanhava desde sempre: a dança. Ou o que eu considerava dança.

 

Minha mãe queria que eu fizesse balé e eu não quis de jeito nenhum, até hoje não é o que mais me encanta na dança.

 

Mas eu aceitei fazer jazz e não parei nunca mais de fazer coisas com o corpo até… Adivinha quando… Isso mesmo! Até entrar para a faculdade.

 

Do jazz eu fui para a GRD (ginástica rítmica desportiva), depois para a dança do ventre e a dança cigana, estas últimas eu fiz ao mesmo tempo dos treze aos dezessete anos.

 

Então, quando eu passei para a faculdade de psicologia, não deixei apenas a paixão pela literatura de lado, mas também o meu amor pela dança.

 

Não foi uma morte rápida. Foi uma morte lenta e eu fui insensível a ela. Eu fui sentindo como se a minha antiga vida estivesse se tornando obsoleta, eu fui abraçando um novo estilo de ser e de me comportar como se alguma mudança positiva estivesse acontecendo.

 

Eu me lembro de ter lido O Morro dos Ventos Uivantes durante as aulas de Estatística no terceiro período da faculdade e esse foi um dos últimos livros que eu tinha lido até recentemente, quando este quadro mudou. Eu não me lembro quando foram as minhas últimas apresentações de dança, mas devem ter ocorrido mais ou menos nessa época.

 

Quando eu comecei a me dedicar à escrita e à leitura novamente, a necessidade da dança veio junto.

 

Atualmente eu estou lutando contra a culpa para poder dar conta do meu trabalho, da literatura, da dança e do doutorado em filosofia sem achar que eu estou fazendo pouco em cada uma dessas áreas.

 

É uma loucura isso. Eu ainda tenho que lidar com a mesma armadilha que me prendeu na graduação. “Se a sua vida não se resume única e exclusivamente à academia você não deveria estar no meio acadêmico”.

 

Esta, além de ser uma exigência que nunca vai ser satisfeita (mesmo as pessoas que mais se dedicam aos estudos que eu já conheci estão insatisfeitas e acham que deveriam estudar mais), é uma exigência falsa.

 

Não é verdade que você não pode ter uma vida fora da academia para ser alguém intelectualmente. Para fazer algum tipo de trabalho que importe.

 

O livro da Carolina de Jesus vale muito, muito, muito mais do que muita tese que está por aí mofando nos porões das bibliotecas acadêmicas.

 

Atualmente eu estou fazendo dança do ventre e pole dance (que é muito difícil e maravilhoso!) e isso me faz mais bem do que qualquer livro do Kant que eu já tenha lido. E olha que ele foi um dos dois principais autores que eu estudei no mestrado. Eu sinto que ele deveria ser mais importante na minha vida, mas ele, infelizmente, não é.

 

A vida acadêmica tem um alto potência para ser massacrante, com chances de se tornar um relacionamento abusivo.

 

Mas eu estou desviando novamente do que eu consigo falar hoje, que é a minha história com a dança.

 

Eu ainda estou cozinhando mentalmente um post sobre a academia além dos dois que eu já postei de que você pode acessar aqui e aqui.

 

Mas agora eu estou um pouco deprê por ter entrado neste assunto.

 

Texto louco esse, não é mesmo? Às vezes é ruim escrever desse modo: imaginando que eu estou em diálogo com alguma pessoa sem programar o texto (eu vou escrevendo e imaginando um interlocutor que responde e comenta o cada tópico). Isso acontece porque eu estou escrevendo todo dia e às vezes não tenho tempo para preparar os textos como eu gostaria. Uma das desvantagens de ter como meta a publicação de um post por dia.

 

Acho, então, que vou simplesmente encerrar por aqui deixando vocês com o vídeo da minha primeira apresentação no pole dance.

 

Dança! E valores. 

Minha primeira apresentação de dança do ventre depois de muito tempo aconteceu hoje de noite.

Eu cheguei no teatro atrasada.

Pois é. Tinha um monte de coisas para fazer durante o dia e eu não queria (nem podia muuuuito também) abrir mão de nenhuma delas… Aí fui me enrolando… Senti que estava fazendo tudo meio que pela metade.

O ponto é que eu estava pegando o ônibus na hora em que deveria estar chegando no local da apresentação. Dinheiro para uber não tinha, então, fazer o que? Tinha que esperar o trânsito colaborar (porque o motorista a gente sabe que mete o pé).

Tô no ônibus, um calor da porra, brigando com o meu marido.

Trágico.

A gente cai nessas armadilhas, não é mesmo? De se estressar com coisas que não têm solução.

Eu sei que esse tipo de sensação é infrutífera e prejudicial. Mas fala comigo isso na hora que eu estou estressada! Sério. Fala memso.

Eu tenho feito o esforço super consciente de, quando alguém me fala que eu estou estressada, tentar me acalmar. Ou quando eu mesma percebo que estou repetindo o mesmo padrão, tento segurar a onda. E tenho conseguido bons resultados. Então, quando eu estiver estressada, me fala, que eu vou tentar me controlar.

Como fazer isso? A parte difícil não é ter consciência de que se estressar não faz bem e que devemos tentar nos manter calmos mesmo na adversidade. Isso todo muito sabe. O difícil é saber como fazer isso. E digo mais! É difícil encontrar motivação para colocar em prática aquela respiraçãozinha anti-estresse que a galera aprende por aí.

Qual é o segredo então? O que funciona para mim é pensar nos meus valores.

Quando você sabe o que é importante para você, tudo que cruza seu caminho aparece através da perspectiva dos seus valores.

O que são valores? Valores são características das pessoas que fundamentam o modo como elas interagem consigo mesmas, com os outros e com o mundo.

Quando a sua vida ou as suas atitudes não estão aliadas com os seus valores você sofre e sente que alguma coisa está errada com a sua vida.

Se uma pessoa tem como valor central a liberdade, é possível que ela fique muito mal em um emprego que exige que ela fique dez horas do seu dia dentro de um escritório sem ver a luz do sol.

Há pessoas que se submetem às maiores atrocidades para evitar o divórcio por terem o valor família como central.

Nem sempre é óbvio para nós quais são os nossos valores. Por isso, segue uma dica:

Se imagine no alto de um prédio bem bem bem alto que há dez metro de distância de outro tão alto quanto. Você está no telhado de um desses prédios e há uma ponte de madeira que leva ao telhado do prédio ao lado. Está vetando muito. O que faria com que você atravessasse a ponte?

Esse exercício pode te dar uma dica de quais são os seus valores.

Bom, dois dos meus principais valores são: amor e prazer.

Tendo isso em vista, tem cabimento brigar com meu marido e me estressar a caminho de uma apresentação de dança (que me dá muito prazer)?

Não!

Ao me dar conta disso eu comecei a tentar ficar clama. Hoje foi fácil. Mas sobre esse processo de como eu faço para ficar mais calma em situações estressantes eu falo em outro momento.

O mais importante é que eu cheguei a atrasada, mas deu tudo certo no fim das contas. Quando eu parei de me estressar pude recalcular o tempo que eu teria e me programar para fazer o que precisava nesse tempo.

E quer saber? Se não tivesse dado certo estaria tudo bem também. Eu apenas  teria que me desculpar com as minhas colegas e dançar em outra oportunidade!

Um mês de postagens diárias.

 

Eu não pude deixar de reparar que hoje faz um mês que eu mergulhei de cabeça no projeto de escrever um post por dia no blog.

 

Muita coisa aconteceu na minha vida neste último mês.

 

Acredito que esta nova experiência está me trazendo muitos resultados positivos.

 

E muitas crises também.

 

O que eu posso dizer é que ainda está valendo muito a pena.

 

Fiquei pensando hoje no que me levou a começar a escrever.

 

Eu me lembro de ter começado a escrever as minhas primeiras histórias lá… Nos tempos imemoriáveis do CA.

 

Eu tinha uma amiga chamada Caroline Oliveira de Sá (se vocês a conhecerem, me mandem o facebook dela. Eu já cansei de procurar e nunca encontrei). Eu e ela dividíamos um diário. Cada dia uma levava o diário para casa, escrevia e, no dia seguinte, nós trocávamos.

 

(Essa experiência acabou de me dar uma ideia para uma atividade de journal therapy. Poderia ser uma técnica bacana para promover a reaproximação entre casais passando por momentos difíceis no relacionamento. Se o casal não estier morando na mesma casa, eles podem, cada uma das partes, fazer anotações em um caderno durante a semana, anotações estas que seriam o resultado de reflexões sobre o relacionamento, e os cadernos seriam trocados toda semana. Ou o casal pode ter um caderno em casa para fazer o registro de situações-problema. O registro deverá seguir um modelo: gosto do modelo de crítica XYZ. “Você faz X, que faz com que eu sinta Y e eu gostaria que você fizesse Z”. Muitos casais vão arruinando seus relacionamentos porque brigam logo nos primeiros cinco minutos que se passam depois que eles se encontram em qualquer cenário que seja. Por exemplo, o casal chega em casa do trabalho e, dentro dos cinco minutos após se encontrarem, alguém reclama de alguma coisa. Esse tipo de briga que ocorre logo assim que duas pessoas se encontram é considerado por muitos terapeutas de casais como um elemento extremamente destrutivo para o relacionamento. Fazendo o registro no caderno seria possível mudar esse quadro, aumentando o tempo que o casal demora para começar uma discussão depois de se encontrarem, o que traria efeitos muitos positivos para o casal. Mas… Voltando ao ponto do texto…).

 

Eu e Carol escrevíamos as mais loucas histórias. Até hoje eu lembro de duas. Num dos dias em que eu levei o diário para casa eu escrevi que tinha feito a máquina de escrever da minha avó voar para de baixo da cama. No dia seguinte ela escreveu que ela tinha feito a casa dela voar para a beira de um lago! A ideia era ler mesmo o que a outra escrevia. Tão bom lembrar disso. Mas depois eu comenta mais as reminiscências da infância.

 

Depois veio a fase das cartinhas. Todos aqueles papéis coloridos, canetas cheirosas e as onze ou doze páginas que escrevíamos para todos os amigos e amigas com letras de músicas, descrições do crush, juras de amizade eterna… Isso era lá para a quinta série.

 

Com treze anos eu comecei a escrever histórias de fantasia. Foi só então que eu comecei a ter a sensação de que eu estava escrevendo de fato. Foi por causa de um CD de uma banda que eu amava, chamada RHAPSODY. Eu comecei escrever inspirada pelas músicas dessa banda.

 

Continuei escrevendo durante toda a adolescência. Mais prosa do que poesia. E lendo. O amor pela leitura também já estava solidificado nessa época – mas esse é outra história.

 

Eu tinha muitos amigos que escreviam também. Alguns gostavam de mostrar o que escreviam, como eu (eu era meio estrelinha no fundo e precisava da aprovação das outras pessoas, duas das minhas principais questões emocionais), outros faziam com que você tivesse que ficar implorando uma semana para que eles mostrassem o que tinham escrito.

 

A escrita preenchia os momentos tediosos para os adolescentes presos nas salas de aula dos pré-vestibulares.

 

Ela tinha seu papel na hora de nos ajudar a expressar nossos sentimentos e compreendê-los. Às vezes, contudo, o efeito era o contrário. Eu já cometi a atrocidade de fazer uma “releitura” de uma poesia que uma amiga minha havia feito e ela olhou bem na minha cara e falou “Você não entendeu nada”. Intrigas e compartilhamento de experiências, sonhos e fantasias. Isso era a escrita na adolescência.

 

Por algum motivo, na hora do vestibular, “escritora” não me pareceu uma carreira possível. Fui para a psicologia e depois para o mestrado em filosofia.

 

Por sete anos da minha vida, e minha escrita e a leitura foram dominados pela academia. Por sete anos tudo que eu fazia com o meu corpo e com a minha mente estava a serviço da UFRJ.

 

Até que no último ano do mestrado eu não aguentei mais. Senti uma ânsia incontrolável de voltar a ler literatura sem culpa e a escrever, escrever, escrever muito.

 

Bom, já sabemos a que isso me levou, não é mesmo? Muitos cursos de escrita criativa, muitos livros sobre a arte de escrever, muita literatura e muitos novos projetos literários.

Conheça a Journal Therapy.

Journal Therapy – que significa literalmente “terapia do diário” – é uma técnica de escrita de si que possui fins terapêuticos. Está passando da hora dela ser mais conhecida e divulgada no Brasil.

Ontem eu comentei sobre a escrita no diário como algo muito positivo, mas é interessante saber que existem diversas formas diferentes de escrever no seu diário.

Normalmente, a escrita que colocamos em prática é uma escrita livre que não possui grandes pretensões. Contudo, o diário pode ser um grande aliado no caminho para a cura e o autoconhecimento.

Na journal therapy o foco não está na descrição de eventos externos, ou no mero registro dos fatos cotidianos. É essencial que a escrita tenha um propósito, que ela seja orientada para um fim e que o ponto central da escrita sejam os pensamentos, sentimentos, reações e percepções do autor, ou seja, as experiências internas do autor de um modo geral estão no centro da journal therapy.

Existem inúmeras técnicas de journal therapy:

 

1-      Método das cartas não enviadas.

Eu já utilizei este método com um paciente no consultório. Meu objetivo. Era uma pessoa que guardava muitas mágoas, ao mesmo tempo em que se sentia desconectado do mundo e distante das outras pessoas.

Em um primeiro momento, pedi que ele fizesse uma lista de todas as pessoas que ele conhece. Todas mesmo. Mesmo que ele não soubesse o nome delas (poderia estar escrito na lista “o homem que passa toda manhã debaixo da minha janela andando de bicicleta). Essa técnica por si mesma tem um nome, trata-se do “caderno dos seres”. É um caderno no qual você lista exaustivamente todas as pessoas que você tem ou já teve contato e depois analisa a ordem na qual as pessoas apareceram. Mas o meu objetivo não era trabalhar com o caderno dos seres, então, depois que o paciente fez a lista, eu pedi que ele escrevesse uma carta para cada uma das dez primeiras pessoas que apareceram na lista. Passamos um tempo trabalhando nas cartas, até porque inicialmente ele não sabia o que escrever. Mas no fim das contas foi um bom exercício. O resultado foi que ele começou a ter mais ideias a respeito do que poderia conversar com as pessoas, além dele ter compreendido melhor o que sentia por cada uma daquelas pessoas. Mas o poder da escrita das cartas não enviadas não termina por aí. Essa técnica pode ser usada para outros objetivos. Como, por exemplo, para ajudar pessoas passando pelo luto. Escrever cartas para pessoas que já faleceram é uma maneira muito boa e reconfortante de lidar com o sentimento de perda e com as histórias que sentimos inacabadas.

 

2-      Diálogo.

Escrever diálogos é ótimo para pessoas como eu, que possuem dificuldade em serem assertivas. É muito útil construir diálogos (o que eu faço mentalmente e na escrita com muita frequência), com o objetivo de realizar uma reflexão sobre a forma como falamos e nos colocamos perante outras pessoas. Se quiserem uma dica, imagine, para uma situação qualquer que você queria trabalhar, três tipos de diálogos – um no qual o seu posicionamento seja assertivo, um com um posicionamento agressivo e um com um exemplo de passividade.

 

3-      Classificação das áreas da vida por cores.

Este é o diário que eu uso com mais frequência. Eu tenho um caderno com três cores diferentes e, em cada uma das cores eu escrevo sobre uma área da minha vida. Isso me ajuda a separas as coisas que, às vezes, eu misturo indevidamente. Por outro lado, podem aparecer também conexões entre diferentes áreas da minha vida que eu não estava enxergando. Essa técnica também é a que me ajuda mais com a minha organização (juntamente com a técnica de fazer listas), pois ela me permite entender melhor, visualizar melhor, todas as coisas que estão acontecendo na minha vida e o que cada uma das áreas está exigindo de mim.

 

4-      Listas.

Essa é uma técnica muita subutilizada. Fazemos apenas listas de compras e afazeres, mas existem muitas listas interessantes que podemos construir. Algumas sugestões: listas de coisas difíceis que aconteceram comigo; lista de todos os desafios que eu já encarei; lista de todas as coisas que eu aprendi quando tinha treze anos (juro que eu já fiz essa! E foi já quando eu tinha vinte e poucos anos! Foi bem legal, esse tipo de coisa me ensina a respeitar e entender melhor as crianças e os adolescentes); lista de todas as coisas que eu já tive medo de fazer; e por aí vai. Escolha uma um tema para a sua lista e redescubra a sua vida!

 

5      Escrita cronometrada.

Essa ideia de usar um cronômetro é ótima para um trilhão de coisas, inclusive para a escrita terapêutica. Ela pode ser usada, por exemplo, para quando você está com dificuldade de escrever sobre algum tema. Não se condene a ficar olhando eternamente para uma folha em branco. Isso é uma tortura. Quando estiver com dificuldade em algum tema coloque um tempo para escrever sobre ele. Três minutos por dia. Não pense, só escreva.

 

Como eu disse: muitas técnicas. Conforme eu for selecionando coisas legais, vou colocando aqui para vocês!

 

Conversão.

Roberto recebeu o sagrado corpo de Cristo das mãos do padre. Voltou em silencio até o banco onde estava sentado. A hóstia colada no céu da boca começava a se desmanchar, aos poucos, soltava pedacinho por pedacinho. Fazia cócegas na garganta, pensou, mas se conteve, imaginando que deveria ser pecado pensar uma coisa dessas. O resto da missa correu como sempre, demorada. Roberto foi embora depois da bênção final que ouviu já da porta da igreja, empurrando outros fiéis que disputavam o lugar mais abaixo no início da escada, mas também não tão baixo a ponto da bênção não o alcançar.

Enquanto isso, Jesus Cristo começava a penetrar lentamente em sua carne, a ser absorvido pelo seu corpo. Pele dura, pouco porosa, mas o santo homem persevera.

Jesus Cristo foi direto ao coração de Roberto.

E lá o encontrou assistindo Game of Thrones.

O coração das pessoas, sob o olhar do filho de Deus, não bate nem está cheio de sangue. Quando Jesus entra nos corações ele vê o dono da casa, que geralmente é pego de surpresa, fazendo o que mais aprecia fazer. Um pouco mais adianta de onde se encontra o anfitrião, estende-se um grande corredor, tanto maior quanto aspectos significativos possui o anfitrião em sua vida. Todas as paredes são vermelhas, essa é a única semelhança com o coração tal como nós o conhecemos.

Roberto, como era de se esperar, levou um susto quando viu o visitante e desligou imediatamente a televisão. Lembrava-se que o padre de sua igreja o havia aconselhado a parar de ver a série, por ser pecaminosa; desde então, Roberto passou a se confessar em uma igreja um pouco mais distante, mas para o padre de lá, nunca havia confessado assistir a série. Acreditava que isso minimizava o peso do pecado. Sentia culpa, mas sentia mais desejo.

Jesus vai andando, passa por Roberto, e chega a primeira porta à direita no corredor. Roberto apenas o observa. A presença mágica do filho de Deus o paralisa.

Jesus abriu todas as seis portas, uma a uma, demorou-se, olhou, olhou… em alguma ele chegou a entrar por alguns instantes. Roberto acreditava ver um certo ar de desapontamento na face do mestre. Nas duas faces. Quem me dera fosse numa só! Recriminou-se pela piada, puro efeito do nervosismo.

Roberto ouviu ao longe a voz de Jesus cumprimentado Natália. Na outra porta estava Carolina. E a voz de Jesus ressoa novamente. Olá, Carolina. Havia sido muito difícil para Roberto traçar a linha divisória entre as duas. Antes elas ficavam na mesma porta. Mas com os anos pegou prática.

Estavam acabando as portas.

Jesus não demorou muito mais para voltar ao pequeno hall onde Roberto se encontrava. Se olhássemos toda essa estrutura de cima, identificaríamos uma forma parecida com o buraco das fechaduras onde enfiamos as chaves, desenhado caricaturalmente.

Jesus voltava segurando um pequeno pé de abacate. O que é isso, Jesus? Roberto ficou curioso. Isto é o único fruto bom das suas últimas ações. Este brotinho aqui nasceu do abacate que você comprou e levou junto com algumas outras compras para a casa de sua mãe. O caroço foi plantado no quintal dela.

É Jesus, é assim mesmo. A vida está difícil. Muito trabalho, todo mundo perdendo o emprego, está tudo caro… E, com todo respeito, senhor, o senhor não tem ajudado muito, não é?! Jesus conteve o desapontamento. Do que você está falando, meu filho? Estou falando, Jesus, de todas as orações que eu tenho feito ultimamente. Roberto, eu não ouvi oração nenhuma sua! Faça agora o seu pedido que eu te atenderei. É meu filho, senhor. Que tem ele? Jesus, é claro, já sabia como aquela história acabaria. Mas se deleitava com a vivência de suas predições. O que te preocupa é a solidão que seu filho está sentindo, Roberto? Não é exatamente isso, Jesus. O senhor sabe que estou muito desapontado com ele. É bom que ele pense nas escolhas que ele está fazendo. O que eu queria era que não houvesse necessidade para nada disso, entende? Roberto, isso que você pediu não é oração que se faça! Ignorei, solenemente. Roberto… Não, Jesus, não diga mais nada. Vou resolver as coisas do meu jeito então. Ah…! Isso você não vai! Disse Jesus em toda a sua tirania de Deus do antigo testamento. Empurrou Roberto com tanta força, que ele cruzou a parede do coração, desceu pelo finalzinho do esôfago até o estômago, passou aos intestinos, uma parte sua saio nas fezes, o que ainda dava para aproveitar deu uma circulada pelo corpo e saiu depois pela urina.

Só Jesus restou no corpo do pecador.

Roberto estava terminando de almoçar a essa altura. Dalí em diante ele mudou. Radicalmente. Obra do demônio aos olhas de sua família e sua comunidade.

Roberto virou militante comunista, feminista, LGBT e do movimento negro. E passou a defender o uso da violência contra a repressão das forças do Estado.