O Fascismo não é aquilo que te falaram.

Fascismo virou xingamento, e agora, dependendo do gosto, todo mundo é fascista, manifestante contra a Dilma, o governo israelense, o Barack Obama e o Marco Feliciano. Na esquerda, o fascismo é comodamente colocado como extrema-direita, e pra direita, é considerado um primo do marxismo. Todas as correntes levam as próprias teorias políticas a sério, mas as do fascismo são consideradas um estelionato para defender coisas completamente diferentes.

Mas o fascismo tem sim uma série de teóricos, e desenvolveu um programa político coerente, com o objetivo de construir um Estado totalitário, ou seja, que controlasse todas as instituições, da educação aos esportes, dos institutos científicos às igrejas, para criar um homem novo, heroico e combatente (homem, claro, porque o papel para as mulheres era criar os seus filhos, os futuros guerreiros da Nação). O fato do fascismo ter governado também para a burguesia não o torna um simples instrumento dela pra ser usado quando for preciso esmagar uma revolução, como a maioria dos marxistas imagina.

A grande participação de ex-militantes da extrema esquerda nos movimentos fascistas e o discurso revolucionário de muitas organizações fascistas até hoje (que muitas vezes pode ser confundido com o da extrema esquerda) não devem ser vistos simplesmente como uma manobra ideológica, e sim como expressão real de uma rejeição à sociedade atual.

Nos momentos extremos em que os partidos fascistas conseguiram governar sem alianças, na Alemanha entre 1942 e 1945 e na Itália durante a República de Salò, eles tomaram medidas anticapitalistas radicais (planificação econômica, expropriação de parte das grandes empresas etc) que apontavam para uma nova forma de sociedade, que eles consideravam uma forma de socialismo oposta ao marxismo.

O antissemitismo, que é presente em quase todos os movimentos fascistas, por isso, é muito mais do que um simples racismo contra judeus. É uma forma espontânea de anticapitalismo reacionário, identificando os judeus com o capital financeiro (“sem pátria”, “parasita”, “antinatural”), em oposição ao capital “produtivo”, “nacional”. Esse discurso antissemita está presente em partes do movimento socialista desde Proudhon, foi criticado pela socialdemocracia alemã (Bebel disse que “o antissemitismo é o socialismo dos idiotas”) e hoje ainda aparece disfarçadamente em teorias como a do “lobby sionista” que controlaria a política externa americana e a mídia.
Para usar o conceito do Manifesto Comunista, o fascismo foi uma forma de socialismo reacionário. O Estado totalitário, como representante da Nação, regularia as contradições de classes, impedindo que o capitalismo destruísse a solidariedade nacional – exatamente o contrário da visão marxista e sindicalista revolucionária em que a classe trabalhadora radicalizaria as contradições de classes até destruir o Estado nacional.

Mas sim alguns elementos do fascismo se pareciam com os do stalinismo, ele mesmo fruto da contrarrevolução na Rússia nos anos 1930. É essa semelhança, e a deturpação do conteúdo do marxismo, radicalmente democrático e contrário a qualquer ideologia nacionalista (conteúdo que passou a ser defendido por organizações marxistas muito minoritárias), que facilitou a impregnação cada vez maior da extrema esquerda com elementos fascistas. 
Desde a década de 1990, sem bússola por causa do fim da URSS, a ideia de uma aliança “antissistema” seduz cada vez mais organizações e indivíduos identificados com o comunismo – e essa aliança tem sido proposta por elementos fascistas, hoje dando frutos como as campanhas de solidariedade com os separatistas ucranianos, a denúncia da defesa dos direitos individuais como uma manobra do imperialismo americano, o antissemitismo disfarçado de militância pró-Palestina e o apoio a várias ditaduras antiamericanas, como as do Irã e da Síria. Hoje, dificilmente poderia surgir um movimento fascista “clássico” de massas. O maior risco real do retorno de elementos fascistas no mundo de hoje está nessa aliança.

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