Relato de uma Trans  fora da marginalidade

Hoje eu tenho o prazer de apresentar mais um texto maravilhoso, forte e sensível ao mesmo tempo, da querida amiga Alexia. Que a luta dela possa ajudar e inspirar a todos!!!

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Em meu entendimento, a transexualidade pode ser conceituada como a condição na qual a pessoa não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer por conta de seu sexo biológico, o qual determina em nossa sociedade papeis de fêmea e macho e, por isso, sente necessidade de fazer a transição para o gênero ao qual ela se identifica. 

Apesar de me ver como uma garota desde que me entendo por gente – tenho memórias desde os 3 anos de idade, meu processo de transição foi bem tardio, pois – além de ter que vencer a resistência de família e sociedade, fugi dessa verdade a vida inteira – até mesmo por uma série de preconceitos que me foram plantados e enraizados ao longo da vida. 

Antes de iniciar a transição, pesquisei e estudei a temática por 2 anos aproximadamente (tenho que dar o exemplo, afinal sou profissional da informação), onde aprendi que gênero e sexualidade são coisas distintas (gênero é o que somos e sexualidade por quem sentimos atração), tomei conhecimento de termos como cisgênero (quem se identifica com o gênero atribuído ao nascer) e transgênero (quem não se identifica com o gênero atribuído ao nascer) e outros. Esse período foi essencial para que eu me despisse dos preconceitos internos, vencesse o acovardamento perante família e sociedade que eu tinha forte e me libertasse. 

Quando consegui entender o que eu sou – uma garota sim mas, por ter nascido em corpo classificado como masculino, sou considerada Transgênera, dei início a terapia hormonal, com acompanhamento de endocrinologista e psicóloga. Mas acredito que, mesmo percebendo transfobia, que antes era velada e agora anda um tanto mais evidente no local de trabalho, iniciar a transição tardiamente (março de 2018 completei 2 anos e meio) me possibilitou ser a profissional bem sucedida que sou hoje. 

De qualquer forma, vejo-me como privilegiada por ainda não ter sofrido violências por parte de pessoas desconhecidas (mesmo assim, ando sempre em estado de alerta em espaços públicos, principalmente quando estou sozinha); a transfobia que recebo costuma partir justamente de pessoas de meu círculo familiar, social e profissional. 

O Conselho Regional de Biblioteconomia, região 7 – CRB-7 (Rio de Janeiro) emitiu uma nota recentemente informando que foi o primeiro Conselho Regional de Biblioteconomia do Brasil a possuir uma bibliotecária transexual registrada a fazer uso de nome social, no caso eu. E agora estou, junto com o CRB-7, pioneira novamente na profissão, por ser também a primeira bibliotecária transexual com retificação de nome e sexo na documentação civil e, por consequência, no registro CRB. 

Muito da falta de conhecimento das pessoas, no geral, é atrelada ao preconceito internalizado da sociedade pois, mesmo o assunto sendo veiculado constantemente em vários canais e mídias, há uma resistência forte de uma grande parcela da população em querer compreender a questão, pois falta de informação e de acesso não é. É algo como “não sei, não quero saber, o que importa é o que eu acho” (sempre fundamentado em falsa moral). E – na boa, não vou pautar minha vida, minha existência, de acordo com crenças  e visão de mundo de gente que é ignorante porque assim o quer permanecer. 

Pesquisa e ações voltadas aos estudos de gênero com foco na diversidade, sexualidade e identidades ainda são um tanto tímidas e o tema ainda é pouco discutido de forma ampla e séria pela sociedade brasileira, sendo mais desenvolvidas em países onde a pesquisa e tecnologia são levadas a sério por parte do Governo, tanto que existe um protocolo elaborado pela Universidade da Califórnia e outro na Europa com orientações sobre terapia hormonal e outros estudos sobre a parte psicológica e social da transexualidade. 

A diversidade existe, as pessoas querendo ou não; gostando ou não e deve ser respeitada, pois o mundo é diverso e não há nada que fundamente nem justifique o ódio e a violência cometida contra quem é diferente.


Alexia de Oliveira é Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Pós-graduada em Gestão de Marketing pelo SENAC-SP e  Bibliotecária-chefe de um Centro Tecnológico no estado do Rio de Janeiro.

UM PONTO FORA DA CURVA  

O post de hoje é o relato político, parindo do corpo e da alma de uma mulher que nos fala de experiências e violências muito séries sofrida por milhões de mulheres na atualidade.

Texto extremamente necessário. Que ele nos ajude a refletir e lutar pelas liberdades de todas!

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“Sempre quando questionada, eu digo que não posso comparar minha vivência com a da maioria das mulheres trans no país pois – devido ao meu processo de transição física de gênero ser tardio (iniciado aos 40 anos), pude ter um convívio familiar, concluir o ensino fundamental e médio, estudar e me graduar em uma das melhores Universidades do país, pós graduar em instituição privada reconhecida e me inserir no mercado de trabalho formal, sendo hoje uma profissional bem sucedida.


De acordo com a Ong Transgender Europe, o Brasil é o país onde mais se mata pessoas trans no mundo, no qual aproximadamente 90% das mulheres trans vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica e estão jogadas na prostituição, quase sempre único recurso para poderem sobreviver, pois o mercado de trabalho formal – via de regra, lhes fecha as portas e quem deveria acolher e proteger – a família, costuma ser o primeiro lugar onde as violências se iniciam e, em boa parte das vezes, culmina com expulsão de casa. Sem suporte familiar, a mulher trans dificilmente terá condições de estudar (ambiente escolar é muito hostil), tampouco chegar à Universidade (ambiente não muito amistoso também). Abandonada pela família, sem estudos nem formação acadêmica e levando muita porta na cara do mercado de trabalho, só lhes resta a prostituição, onde são alvo de vários tipos de violências, desde agressões e escárnios verbais até assassinato.


Por ter formação acadêmica e ser uma profissional bem sucedida, sou considerada uma exceção. Claro que não estou imune à tratamento transfóbico, porém – esse tratamento sempre vem de pessoas de meus círculos sociais; até o momento, não tenho registro de transfobia pesada partindo de desconhecidos, salvo um ou outro deboche quando estou de cabelo curto, ocorrência inclusive relatada por amigas e conhecidas mulheres cisgêneras”.
Alexia é graduada em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista – Unesp, campus de Marília, Pós-Graduada em Gestão de Marketing pelo Senac-SP, atualmente Bibliotecária Chefe de um Centro Educacional Tecnológico Federal no estado do Rio de Janeiro e transexual.