Patrulha da escada do metrô. 

Eu não gosto de utilizar a Saída A do metrô de Ipanema. As escadas rolantes estão sempre com defeito.
Mas esta é a entrada que fica mais próxima do local onde trabalho. Com pressa, foi para lá mesmo que eu fui, pedindo a Deus para as escadas rolantes estarem todas funcionando, pois eu trabalho com um saltão enorme. Nossa! Como seria difícil ter que descer as escadas com este salto e todo peso que eu estou carregando.
Mas aquelas das quais eu precisava, as que desciam, estavam paradas.
As escadas para subir estavam todas funcionando, eu notei, infelizmente.
Bom, estou eu descendo a escada normal segurando no corrimão. Segurando no corrimão esquerdo. Eu estava, portanto, do lado esquerdo da escada.
Quando eu uso a escada rolante, eu sempre fico na direita para dar espaço para quem quiser passar. Mas quando se trata de subir e descer escadas normais, eu nuca reparei que tinha lado certo. Especialmente às 22h, quando não tem niguem passando.
Mas eis que me vem um sujeito, homem, alto, andando rápido e olhando distraidamente para frente, sem me notar, aparentemente. Ele começa a subir as escadas normais, apesar da escada rolante de subir, como eu já disse, estar funcionando perfeitamente. Quando ele pisa no primeiro degrau, eu já estou no meio da minha descida. Mas ele começa a subir pelo mesmo lado que eu estou descendo. Ainda assim, eu continuo. Pensei: “Meu deus, me ajuda agora. Faz esse homem desviar”!
Ele não desvia.
Ele levanta a cabeça quando chegamos próximos um do outro e diz: “É pela direira”.
Eu sorri e desviei.
Imediatamente me subiu uma raiva e um sentimento intenso de tristeza.
Não sou ingênua. Eu entendo que essas coisas não acontecem do nada. Tem um motivo para esses sentimentos. E comecei a repassar a situação na minha cabeça.
Ele deveria ter desviado. Eu estava descendo a escada por aquele lado antes dele começar a subir.
Eu desconheço essa regra de lados para subir ou descer em escadas normais, fora de horário de pico ainda por cima.
Ele foi covarde e não me encarou desde o início, quando eu já o estava observando. Só olhou no meu rosto no último segundo.
Mas nada disso importa tanto quanto o fato de que eu desviei.
Por que eu desviei?
Não tem a ver com esse cara, nem com essa situação desagradável. Isso é uma migalha da minha vida.
Eu desviei porque lá no fundo eu tenho medo de defender a minha posição para pessoas que eu não conheço. Desviei porque acho que os outros vão me sempre me ver como estranha, errada, e feia, e boba, e chata.
Então, quando esse cara falou que eu deveria estar na direita, aceitei e fui, resignadamente, para o meu canto. E depois de ter me subestimado mais uma vez eu senti raiva e tristeza.
A coisa boa dessa história, é que entender verdadeiramente esses mecanismos afeta a maneira como nos sentimos e nos comportamos. Portanto, no lugar de permanecer amargurada, remoendo a situação e chegar em casa tratando mal o meu marido, eu escrevo o que me aconteceu, já me sentindo aliviada, e pensando que o sujeito poderia ter uma grave dificuldade para lidar com mulheres. Essa grave dificuldade faz com que ele seja extremamente rígido e inflexível perto de uma. Como resultado dessa inflexibilidade, ele se agarra às suas regras e padrões preestabelecidos para poder lidar com aquela experiência devastadora que foi ter que interagir comigo.
Enfim recuperada do estresse, subo as escadas da estação Afonso Pena pelo lado direito; desta vez como um experimento, só para ver se ia dar problema de novo, e reparo que tem um grupo de adultos conversando e subindo a escada exatamente atrás de mim. Ou seja, não consegui saber se a regra vale mesmo e aqueles ali eram vândalos como eu, ou se o cara lá realmente era um exagerado.

PS: ao chegar em casa meu marido me disse que essa regra é implícita por causa do trânsito. Eu não saberia. Jamais dirigi e não poderia jamais fazer isso por causa do problema de visão. Ainda que isso seja uma convenção, eu não mudo uma palavra do meu texto.

Vai subir, motorista!

Outro dia, estava eu suando dentro de um ônibus na Presidente Vargas. Era o meio da tarde, o sol estava alto ainda, um calorão, mas o ônibus estava vazio. Graças a deus. Havíamos acabados de sair do ponto da Cidade Nova em direção à Praça da Bandeira.
Foi quando a vi apontando para o céu, gritando para o motorista que acelerava; uma mulher que seria deixada para trás. Meu coração disparou e eu ainda olhei para o motorista: vai subir! Mas, no lugar de demonstrar compaixão, ele deu um sorrisinho maroto e foi embora.
Mais adiante, já perto da estação de São Cristóvão, escuto o motorista xingando e gritando, ele gesticula e eu me levanto assustada.
Que isso? Assalto?
Com quem você pensa que está falando – grita uma voz aguda.
Começo a espixar o pescoço e olhar para os lados. O que está havendo?
Os outros passageiros, muito sagazes, já explicam: não, o que aconteceu foi o seguinte, ela fez sinal lá atrás e ele não parou. Foi isso.
Vou até as janelas da frente do ônibus do lado do motorista e vejo um táxi fechado o ônibus e a tal mulher em pé no meio da rua gritando com motorista que ele não sabia quem ela era, ele não tinha idéia de quem ela era. Ah! Se ele soubesse. Ela xingava o motorista e de quebra, o prefeito da cidade, e todo mundo ia pegar. Aquilo não ia ficar daquele jeito.
O motorista se engaja na conversa: eu sei, sei muito bem quem você é sim. Minha senhora, você quer saber quem eu sou? Vou te falar quem eu sou. Você vai ver bem.
Eles pareciam que não iam se cansar nunca daquela discussão. Mas os passageiros começaram a reclamar: Vamos embora motorista!
Ele engata a marcha ré, a mulher ainda dá um trote atrás dele e esbofeteia o ônibus que consegue se desvencilhar e arrancar. O motorista xinga a mulher até o Meier, pelo menos.
Eu saltei na Dias da Cruz me perguntando quem devia ser aquela mulher, no fim das contas? Meu primeiro impulso foi pensar: juíza. Mas, porra, pegando ônibus?!
Me distraio porque ouço a voz de novo, já familiar, lá estava ela, dentro do táxi, colada na traseira do ônibus.
Vai dar merda, com certeza.