Ainda sobre a vida fora da casa dos pais.

Fico me perguntando como é possível que nunca tenham cortado a luz na casa da minha mãe.
Eu e meu marido estávamos prontos para sair de casa hoje de manhã para ir para as nossas respectivas aulas do doutorado (ele na física e eu na filosofia), quando o interfone toca. Depois de desligar, meu marido começa a rondar pela casa tirando as coisas da tomada e me diz que o porteiro é quem havia interfonado para avisar que iam desligar a luz. Ok, pensei. Ótimo. Deve ser algo necessário para ver aquela questão do vazamento da semana passada (escrevi sobre um vazamento bizarro que ocorreu no meu prédio ¡na semana passada! neste texto). Que bom que estão consertando aquele negócio.
Quando chegamos na portaria, a grande surpresa: “Olha aí! Vieram cortar sua luz”! “Como assim, amigo?! Cortar a minha luz”? “Sim. Tem uma conta em atraso, senhor”. Nossa! Que desgraça!
De fato, o diabo da conta de fevereiro não foi entregue (sabe lá Deus o porquê. Nós achamos as contas de janeiro e março lá em casa, mas a de fevereiro mão estava em lugar nenhum. Concluímos que ela não foi entregue, pois as outras contas, inclusive as do ano passado, estão todas lá na pastinha).
Enfim, pagamos a conta imediatamente. “Oh, seu moço, tá aqui o comprovante, oh, do pagamento, o senhor não pode, então, deixar a luz ligada, não”? “Pode não, senhora, desculpe, a gente vai desligar e a senhora liga para lá e pede para religar”. Puta que pariu, moço, sério isso?
Até o porteiro se estressou. Parece que ele tem uma casa lá em Campo Grande que não tem luz. Para resolver o problema ele teve que mandar botar poste e cumprir mais um monte de exigências e a empresa de energia já está com a visita atrasada para ir lá e realizar a ligação há mais de vinte dias. “Quer dizer que para vir aqui cortar a luz vocês vem, mas lá ligar a minha cadê que alguém vai? Cadê que a empresa manda alguém”? E aí o porteiro falou para os caras que eles não iam desligar nada… e o cara ameaçou cortar a luz do prédio inteiro… e o porteiro ficou irado e foi lá fora tirar foto da placa do carro dos caras… e o maluco foi correndo atrás para tampar a placa. Foi um “pega pra capá”.
Enfim, estamos sem luz porque esquecemos de pagar a conta. Repito: como é possível que minha minha mãe nunca tenha esquecido, pelo menos não assim tão completamente, de pagar a conta de luz?
Mas não tem problema não. Cá estamos nós, estou agora em um quarto de hotel, com hidromassagem e sauna, comendo e relaxando.
Se fudeu, Light! O que vem de baixo não me atinge! Quis me sacanear?! Pois eu estou aqui de camarote curtindo a vida!

Os adultos do presente, do passado e do futuro.


Hoje eu fui almoçar com um amigo. O almoço foi excelente, mas a volta… Nem tanto.

Peguei um Uber (todo mundo está falando que a Uber já não está tão boa assim, mas eu ainda não me cadastrei no novo aplicativo de transporte da moda. Mas realmente tem sido difícil pegar Uber) e, infelizmente, o motorista veio conversando comigo a despeito do fato de eu ficar olhando fixamente para o celular torcendo para que ele parasse de falar. Eu não consigo interromper as pessoas em situações como estas de uma forma direta. E eu fico falando “uhum”, porque fico constrangida de ignorar completamente, aí a pessoa se sente encorajada a falar mais. Enfim.

Ele começou falando do trânsito. Dizendo que o trânsito estava muito bom na Lapa para uma quinta à noite. Estava mesmo. Mas ele continuou:

– Mais tarde isso aqui vai estar lotado. Cheio de jovem bebendo. Não sei de onde tiram tanto dinheiro assim para beber. Porque cerveja nesses bares, drink, isso tudo é caro. Eu estava falando para a minha mulher, eles já têm vinte… Trinta anos. Trabalham, mas ainda moram na casa dos pais. E não colaboram com nada dentro de casa, hein. Aí sobra dinheiro para gastar com farra. A minha mulher fica falando que “ah… você na sua época era a mesma coisa”. Eu sei. Eu sei que na minha época… Há! Ninguém me segurava não! Você me perdoa aí, dona, viu? Mas é porque, a senhora sabe como é, não é, garotão… A senhora é casada?

– Uhum…

– Pois é. Mas hoje em dia as jovens… Vou te contar. Não está fácil não. Outro dia mesmo peguei umas aí que disseram que eram maiores de idade e eu “tá”. Sabe? Não acreditei muito não. Mas a menina estava falando como ela tinha bebido todas. Na minha época a gente saía e tal, mas não era assim não. A juventude era diferente.

– Diferente como? – Disse eu cínica, mas interessada. Essa curiosidade mórbida que eu tenho sobre o que pensam as outras pessoas. Só me desespero.

– Ah, não sei te dizer não. Mas era diferente. Na minha época a gente ia para a farra, mas hoje em dia… Eu não sei… Parece que está tudo muito, sabe? Na minha época dia de farra era sexta, sábado, domingo… Hoje em dia isso aqui [a Lapa] já fica cheio na quinta feira. Na quinta isso aqui já está lotado. É quinta, sexta, sábado. Domingo que a gente nem vê tanto movimento. Mas não é só aqui também. Tem vários lugares, ruas e ruas por aí cheias de bares. Na minha época não tinha isso não.

– Ruas cheias de bares?

– Não, isso até tinha. Mas não era como está hoje. Entende o que eu estou te dizendo? O jovem hoje em dia perdeu o limite. Foi isso. Na minha época a gente bebia, mas tinha limite. Hoje em dia não tem mais esse limite. Os próprios pais não colocam mais esse limite. Minha esposa fala que eu era terrível, mas eu estou aí, não é? Trabalhando. Essa juventude aí até trabalha, mas não quer saber de nada não.

– Uhum…

– E olha que o país está em crise, como eu estava te falando. De onde que eles estão tirando dinheiro? Eu estou tendo para pagar as contas e olhe lá. Se eu tivesse dinheiro eu estava bebendo por aí também. Mas tem que ter responsabilidade. Que nem essas manifestações aí que aconteceram. Eu acho que foi tudo manipulado mesmo, porque você vê que eles não se importam com nada esses jovens. Eles não querem saber de nada. Pelo que eu vejo? Eu não vejo a juventude se importar com nada. Só querem saber é de celular, de rede social, dessas coisas assim. E de beber. De coisa séria mesmo… Esse ano agora é ano de eleição e eu estou só acompanhando pelas redes sociais que estão fazendo uma movimentação para não reeleger nenhum desses que está aí no poder. Tomara que pegue essa onda aí. No meu facebook é só o que tem.

– Pode parar ali atrás daquele carro, ali mesmo, moço. Obrigada.

Ufa! Saí do carro.

O discurso do motorista foi bastante emblemático desse olhar que os adultos em geral têm da juventude. Eles se reconhecem nela de alguma maneira, mas algo parece diferente e eles olham para essa diferença de maneira negativa (no caso desse motorista, especificamente, parecia haver também uma certa inveja tornada em ressentimento).

O maior paradoxo da sucessão das gerações: de uma geração para outra o que era ruim antes, melhora; mas o que era bom, piora. Como assim? O que eu quero dizer com isso?

Os adultos vão te dizer que, na época deles, começava-se a trabalhar mais cedo, os pais eram muito mais rigorosos e não tinha tanta moleza quanto a juventude atual tem. Ou seja, a juventude nunca pode reclamar do que está ruim, porque antigamente era pior. Então, o que era ruim antigamente, melhorou. As mulheres não têm que reclamar, porque antes era pior. As crianças não têm que reclamar porque antes os pais desciam o cacete nos filhos e hoje em dia isso “já não acontece mais” (não vou nem me aprofundar em abuso infantil). Não quero nem debater o fato dessas diferenças existirem ou não (eu até acredito que existem), o fato é que isso não invalida o sofrimento das novas gerações. Que é um sofrimento que, no seu contexto, não pode ser qualificado como “maior ou menor” em relação ao sofrimento de antigamente.

Por outro lado, tudo que era bom antigamente, piorou; e os jovens de hoje em dia devem ser cerceados, corrigidos e censurados, comparados com os jovens do passado. Antigamente os jovens farreavam, mas não era como é hoje. Antigamente não tinha essas coisas de homossexualidade, “mas tinha aquele cara lá na minha cidade que a gente apelidava de frutinha que vivia apanhando”. Antigamente o jovem tinha responsabilidade, hoje em dia, eu não sei dizer porque, mas os jovens não têm mais responsabilidade nenhuma.

Basicamente: “No meu tempo não tinha essa moleza que você tem hoje e vocês, mesmo assim (ou por isso mesmo), só fazem m****”.

Esse discurso se repete geração, depois de geração. Se você se deixar levar por ele, a conclusão óbvia é a de que a humanidade está indo para o buraco. Se está sempre piorando de geração em geração… Este é um trajeto descendente. Esse pensamento é um sinal do pessimismo e do ressentimento (em relação à brevidade da vida humana) entranhados na cultura.

O mais triste é pensar que esse movimento vai se repetir em larga escala na minha geração, e na próxima, e na próxima. Já existem atualmente pessoas de mais ou menos trinta anos lamentando “a vida que as crianças estão levando hoje em dia”. Aí eu pergunto:

– Caral**, sério que você está falando isso? Seus pais não diziam a mesma coisa para você quando você era pequeno? Eles não ficavam lamentando “a vida que você levava”? Agora você está dizendo a mesma coisa das crianças de hoje em dia?

As respostas são irracionais:

– Sim. Meus pais me diziam isso, mas era diferente. Eles não podiam nem imaginar que as coisas iam ficar desse jeito. Se eles soubessem não teriam me enchido tanto a paciência. Os nossos pais eram só exagerados, hoje está sinistro mesmo. Essas crianças não saem do celular! Na minha época meus pais brigavam porque eu ficava o dia inteiro na rua (ou no play) ou então era por causa do telefone. Sempre tinha briga por conta da conta do telefone. Era muito mais saudável do que ficar no celular.

Daqui a pouco vão ser as crianças que hoje em dia não saem do celular reclamando de algum comportamento que vai mobilizar as crianças do futuro.

Diferentes temas, exatamente a mesma estrutura de repressão e pensamento.