Pense direito. 

A maneira que nós pensamos influência a maneira como nos sentimos.
Albert Ellis, pai da Terapia Racional Emotiva nos fala da MUSTurbation (conceito em inglês difícil de ser traduzido, mas que significa algo como a “ditadura dos deveria”):
1- Eu devo me sair bem sempre ou eu não sou bom.
2- Você deve me tratar da maneira que eu quero, se não, você merece queimar no inferno.
3- O mundo deve me dar o que eu quero, quando eu quero, ou ele é um lugar terrível.
São esses pensamentos que alimentam nossa frustração quando as coisas não saem da maneira que nós demandados.
Por isso, o autor diz que temos que “pensar direito” e entender que não é o mundo que nos faz mal, mas sim a nossa maneira de encarar e de lidar com o mundo.
Se formos mais racionais ao pensar em nossas demandas, certamente aprenderemos a sofrer menos quando as coisas não saírem da maneira que desejamos. Isso nos dará inclusive forças para seguirmos em frente, para seguirmos buscando aquilo que desejamos.
Se você está em um relacionamento com alguém que trata você mal, e você pensa que esta pessoa é obrigada a te tratar bem, você insiste em um relacionamento fracassado com alguém que não vai mudar. Se você entende que a pessoa com quem você está não “tem que” coisa nenhuma, você termina o relacionamento e sai buscando o que você deseja.

Uma hierarquia para os seus problemas.

A maior parte das pessoas do planeta não estão sofrendo com nenhum tipo de transtorno psicológico. Mas estas pessoas também não estão bem.

Pensando num continuo, sendo -5 o pior estado emocional possível e +5 o melhor estado emocional possível, onde você acha que a maioria das pessoas se encontra?

Você acertou se pensou no 0.

A verdade é que a maioria das pessoas não está mal, mas também não está bem. Estão ali andando em cima da corda bamba. Uma hora acham que estão com um pezinho na depressão e/ou na ansiedade, outra hora estão sentindo um leve sentimento de prazer e felicidade.

Um amigo meu me ensinou uma técnica maravilhosa há alguns meses para “limpar o ar” nos momentos em que nós começamos a nos sentir um pouquinho mais para baixo. É uma técnica bem simples e poderosa.

 

Em primeiro lugar faça uma lista dos seus problemas e de afazeres atrasados.

Agora, ordene os itens da lista em uma hierarquia, do maior e mais complicado, mais difícil de ser executado até o mais simples, o menor, mais tranquilo e rápido de se resolver.

Pense, para cada um dos itens, se você já enfrentou problemas iguais ou similares no passado. O que você fez que ajudou a resolver o problema que você pode repetir agora?

Por fim, “mãos à obra”! Comece a executar a sua lista, partindo do problema mais simples e irrelevante.

 

Isso mesmo. Comece pelo problema mais simples e irrelevante da sua lista.

Quando nós pensamos nos nossos problemas, queremos atacar logo o problema mais monstruoso, mais difícil, aquele que incomoda mais e que é mais difícil de resolver. O que acontece é que a chance de termos dificuldades na resolução desse problemão são grandes por uma série de questões que veremos adiante. A consequência é o desânimo, o acúmulo de problemas e a sensação de que não seremos capazes de dar conta deles.

Imagine que você é o super-herói de um desenho animado. A luta do herói nunca acontece diretamente com o grande vilão da história. Se fosse assim, o desenho só teria um episódio. O herói passa por uma série de inimigos, cada vez mais poderosos, adquirindo mais força e sabedoria e se preparando para enfrentar o chefão mais adiante. Esses são os problemas que você já enfrentou.

É importante sempre ter em mente como nós resolvemos nossos problemas no passado e o que aprendemos nestas ocasiões. O que podemos aproveitar e o que podemos melhorar em nossa resolução de problemas?

Além disso, quando o grande chefão aparece, ele sempre vem acompanhado dos seus capangas. Estes capangas são inimigos facilmente derrotáveis, mas que, se forem ignorados pelo herói, podem ser mortais. Esta é a imagem da sua lista atual de problemas: um ou dois problemas maiores e os seus capangas.

O herói precisa derrotar os capangas antes de atacar o chefão.

Com os seus problemas acontece a mesma coisa. Normalmente nós temos um grande problema – o chefão – e vários outros pequenos problemas – os capangas – que são facilmente derrotáveis, mas que, quando ignorados se somam ao chefão e dificultam muito a nossa luta.

Elimine os capangas em primeiro lugar. Elimine esses problemas pequenos que ficam ali sugando sua energia, te exaurindo mentalmente e drenando seu senso de autoeficácia.

Quando nós resolvemos esses problemas que estão lá no final da nossa hierarquia, nós adquirimos confiança e nos fortalecemos. No final, a chance de conseguirmos resolver então os maiores de nossos problemas, já será muito maior.

A Interdição do Suicídio.

Capítulo III    

A partir do século II d.C., Roma começa a se deparar com as tentativas de invasões bárbaras que ameaçam um império sub-povoado atingido pela fome e a peste. Sob a constante ameaça de dispersão do domínio territorial, ganha força a pregação cristã e novas noções de responsabilidade afloram no homem pecador decaído, divido entre a fé e o compromisso ético-político na “comunidade de fato” da ordem temporal. Declina o estoicismo e, com ele, o direito do cidadão de dispor da própria vida. A conduta refletida e racional é substituída pela doutrina da dignidade, de aceitação do destino (Chatelêt, 2000, p.26).

O império, em intensa crise econômica necessita cada vez mais de gente para defender o Estado e para sustentá-lo economicamente. A legislação prevê, então, novas sanções a determinados tipos de suicídio. Antes dessa crise, caso uma pessoa levada a julgamento fosse considerada culpada, além de morrer sob tortura tinha a família prejudicada pela confiscação de seus bens. No entanto, se houvesse um suicídio antes do julgamento, este ficava impedido. Depois do enrijecimento das leis aqueles suicidas não escapam mais à punição, mas sua ação é tomada como confissão de seu crime, portanto são imediatamente considerados culpados e se prosseguem as demais sanções. Endurecem também as penas contra escravos e soldados que atentam contra a própria vida. Isto para que, a partir do século IV d.C., passassem a ser condenados todos os tipos de suicídio e a punição designada a tal ato recaía tanto sobre os familiares quanto sobre o cadáver. Os rituais supersticiosos se estabelecem como pena assim como a confiscação dos bens. (Esse enrijecimento das leis que regiam a conduta foi aplicado a diversas esferas da vida privada. Ou seja, uma série de medidas de controle e organização sociais para tentar fazer com que o império superasse o período das invasões. O que não aconteceu. O grande império romano foi destruído. Eu destaquei aqui, por conta do interesse do trabalho, o endurecimento das penas contra o suicídio, mas o que estava em jogo era um conjunto de ações. Esse conjunto de ações teve como efeito uma outra maneira de olhar para a morte voluntária. Começou a ser criado um estigma em torno da ideia do suicídio que, principalmente no auge do império romano, não era verificado. A gente vai ver no que que isso deu mais adiante).

A doutrina cristã, então já dominante e, conforme declina o império Romano, cada vez mais influente na organização política, ainda que por razões diversas daquelas das do imperador, também demonstra seu repúdio ao suicídio e promove ampla campanha de moralização dos costumes (Góes, 2004, p.172). As atitudes tomadas pela igreja nesse sentido são: o esforço pela revalorização do casamento (e da virgindade), condenação aos desvios sexuais (sexo oral, masturbação), proibição do aborto como método contraceptivo (Áries e Duby, 2006) e a recusa de sepultura cristã para os suicidas. A necessidade dessa oposição seria a princípio devida às atitudes dos cristãos devotos que se entregavam com plena disposição ao martírio[1]. (A própria doutrina cristã estava ameaçada na época por conta do desprendimento da vida dos devotos do cristianismo que chegavam a praticar ações terroristas naqueles primeiros anos. Portanto, houve também, nesse período, a luta pelo estabelecimento da religião católica oficial e de seu código de conduta. Impressionante isso, não é? A luta pelo estabelecimento dos princípios da religião católica na verdade foi uma luta mesmo. Uma batalha de corpos e de ideias, de homens poderes, de riquezas. Não foi o caminho pacífico da iluminação).

As bases para a condenação do suicídio, contudo, não estão expressas nos Textos Sagrados, sendo assim houve dificuldade para a Igreja em assumir uma posição definitiva e coerente perante o ato, que só virá a se firmar por volta do século XI d.C., mesmo assim devido ao contexto histórico e não pela força de seus argumentos. As Escrituras Sagradas não traziam julgamentos do ato, mas, pelo contrário, uma série de exemplos louváveis do mesmo. Razis, cognominado pai dos Judeus, “preferiu morrer nobremente antes de cair nas mãos dos ímpios”, transpassou-as com sua espada, lançou-se animosamente da torre onde se encontrava na multidão de soldados que forçavam sua porta.

Todavia, ainda respirando, cheio de ardor, ergueu-se e, embora o sangue lhe jorrasse como uma fonte de suas horríveis feridas, atravessou a multidão numa carreira; em seguida, de pé sobre uma rocha escarpada e já inteiramente exangue, arrancou com as próprias mãos as entranhas que saíam, e lançou-as sobre os inimigos (Macabeus II, 14, 45-46).

(Essa foi outra parte insana do trabalho: percorrer a bíblia atrás dessas citações. Mas o legal da pesquisa é justamente isso. Não era só aprender sobre o suicídio em si, o que por si só era muito interessante, sem dúvida, mas eu sempre gostei também de aprender sobre outros períodos históricos, de saber como as coisas eram no passado. É meio isso mesmo, você começa a perceber que tudo foi construído pelos seres humanos e que as coisas nem sempre foram do jeito que são hoje, portanto, elas podem mudar. Tendo sido criada em uma família católica, também foi particularmente interessante para mim ver como a bíblia trazia ensinamentos diferentes daqueles que eram passados na igreja e pelos que professam essa fé. Foi ficando cada vez mais clara para mim aquela ideia de que a religião é construída por pessoas. Isso faz com que você comece a perceber que a sua religião e a do amiguinho são iguais e as duas merecem respeito. Uma não é melhor do que a outra. Todas são sistematizações da fé que o ser humano é capaz de expressar, são feitas por homens – literalmente falando – na maioria das vezes, e atendem a determinados interesses).

Eleazar, numa façanha arriscada, “projetou então salvar todo o povo e conquistar um nome eterno” atirando-se debaixo do elefante do rei para matá-lo e morreu junto com ele (Macabeus I, 6, 43-46). Sansão, aprisionado e cego pelos filisteus, evoca o nome de Deus rogando-lhe força para se vingar: “Morra eu com os filisteus! Dizendo isso, sacudiu com toda a força o edifício, que ruiu sobre os príncipes e sobre todo o povo (…) Matou pela sua própria morte” (Juízes, 16, 30). Abimelec, gravemente ferido, pede a seu escudeiro que lhe desfira um golpe de espada para que não digam que foi morto por uma mulher (Juízes, 9, 54). (Ok, esse é o exemplo mais idiota). E Saul, derrotado em uma batalha lançou-se sobre a própria espada e seu escudeiro morreu do mesmo modo (Samuel II, 31, 4-5).

A própria morte de Cristo, ato fundador do cristianismo, não teria sido por uma entrega voluntária? Cristo se entrega à própria morte, sem tentar em momento algum dela se evadir. Esta questão ocupa teólogos medievais de maneira mais demarcada até aproximadamente o século V. (A morte de Cristo era muito comparada com a morte de Sócrates pelos teóricos que eu estudei. Os dois teriam tido oportunidade de fugir de seu destino, mas seus ensinamentos não teriam sido levados a cabo se eles tivessem escapado da morte).

De um modo geral, a negação da vida terrena e a aspiração à morte para se aproximar de Deus e da eternidade abrem espaço para predisposição ao suicídio. O bom cristão, a exemplo de seu mestre, é induzido ao sacrifício da própria vida. Conforme os ensinamentos bíblicos “Quem quiser a sua vida perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por minha causa encontrá-la-á” (Evangelho São Mateus 16, 25). No século II, Tertuliano, hostil à latinidade pagã, admite a ideia de uma penitência da alma após a morte, da qual somente os mártires escapariam. Todos os outros teriam um tempo de espera até ao juízo final. (O martírio é caracterizado por uma entrega voluntária à própria morte. Você concorda que essa atitude é abarcada pelo conceito de suicídio? Há muito debate em torno dessas ideias. Mas, geralmente, entende-se que esta é sim uma forma de suicídio. Por isso todo o embaraço dos teólogos perante a necessidade de encontrar bases bíblicas para a condenação do ato).

As bases para a condenação do ato são, então, buscadas primeiramente na doutrina platônica, tal como interpretada pelas autoridades eclesiásticas. Santo Agostinho emerge aqui como seu principal representante, utilizando-se também do “não matarás”, que segundo ele interditaria tanto a morte auto-infligida quanto o homicídio. Esta é a primeira aproximação destas duas ações: a de matar a si mesmo e a de matar ao próximo. O suicida é um homicida de si mesmo. O quinto mandamento, no entanto, está longe de ser absoluto, pois é permitido matar os condenados, e os inimigos, tanto da Igreja quanto do Estado. (Olha como as coisas não são assim, preto no branco. Essa discussão é feita em diversos tons de cinza. Como a igreja condenaria de maneira absoluta o assassinato, mesmo que seja o assassinato de si mesmo? Tudo bem que tem um mandamento que proíbe matar, mas a igreja tinha que abrir certas exceções. É aí que você vê a questão dos interesses dos quais eu falei. A igreja tem interesses aliados com os interesses do Estado, especialmente em se tratando de Estados que não eram laicos, a igreja tem interesses econômicos. E, não se engane, nem mesmo os mandamentos são maiores do que esses interesses. Por que motivo você acha que a igreja não está travando uma guerra com o governo dos Estados Unidos atualmente para lutar contra a pena de morte? Pelo contrário, o padre vai lá na cadeia confessar os condenados? Pois essa não é uma briga que interessa para a igreja comprar agora. Assim, como a igreja já precisou fazer muitas guerras para proteger seus interesses, ela não poderia condenar completamente o assassinato e o suicídio, como consequencia). Além disso, a própria doutrina cristã se apresenta como uma dificuldade, por pregar o desprezo a esta vida mundana e enaltecer a vida eterna[2]. As considerações de Santo Agostinho sobre o suicídio estão expostas em A cidade de Deus e se constituem como a primeira demonstração bem articulada que se conhece no Ocidente sobre o tema.  Durante toda a Idade Média, notadamente no período patrístico, sua leitura constituía importância fundamental na formação dos doutores da Igreja, tal como a Bíblia. Em função das controvérsias entre Império e Igreja, era lida a partir de uma perspectiva política. Pois, pretendia indicar as forças malignas que atuavam por meio da luta política, na Terra, através da sede de poder e de glória, sem afirmar, contudo, que o Império estaria destinado à danação. Ele reconhece que na cidade terrena encontram-se vivendo juntos tanto os que pertencem à cidade celeste quanto os que pertencem à cidade da Terra. Em A cidade de Deus, o tema do suicídio, avaliado do ponto de vista da desobediência divina, é tratado a partir de dois ângulos.

No primeiro, prevalece a condenação do suicídio no que concerne à valorização da vida e à consideração desta como dádiva divina. A morte de si poderia ser interpretada como meio para alcançar a dimensão supratemporal da vida eterna que a tudo se sobrepõe. Por essa razão, o filósofo desenvolve argumentos em resposta aos discursos que justificavam a morte voluntária. Seguindo sua argumentação, nenhum cristão teria o direito de causar a própria morte, mesmo que tal iniciativa tivesse como pretexto: evitar cometer mais pecados futuros, preservar a pureza; expurgar pecados passados, buscando uma vida melhor após a morte; martirizar-se para redimir os pecados do mundo. Segundo Santo Agostinho, o suicídio torna impuro aquele que atenta contra si; a vida torna-se necessária para penitência e reparo de pecados passados; o julgamento divino após a morte não concederá uma vida melhor a um pecador e contrai-se um pecado próprio gravíssimo ao matar-se pelo pecado alheio.

No segundo, o filósofo absolve personagens bíblicos e as mulheres santas cristãs que praticaram tal ato, em respeito à Tradição e à autoridade das Escrituras. Diferencia sua argumentação quando são avaliados casos pagãos. Ressalvas ao suicídio só são admitidas em se tratando de valores aplicados àqueles que assumem o cristianismo. Aos pagãos, é previamente estabelecido o rigor do julgamento condenatório. Todavia, não é possível inferir a aprovação à prática de suicídio religioso equivalente ao martírio. Finalmente, porque um juízo de condenação universal poderia pô-lo em contradição com a veneração da Igreja, o filósofo deixa em aberto os casos marcados pela certeza absoluta de uma permissão divina. (Ou seja, pode se matar em alguns casos, algumas vezes o suicídio é mesmo louvável, mas em outros não, sendo o ato considerado extremamente reprovável).

Com Santo Agostinho, houve uma tendência à “unificação doutrinal” que permitiu reunir a pluralidade do pensamento grego, constituindo um conjunto teórico capaz de nortear as condições de acesso à verdade sob um mesmo solo.  Essa unificação se estende à prática quando prescreve condutas mediadas por procedimentos de purificação e “combate à concupiscência” (Foucault, 1984, p. 221).

Por volta do século XI d.C., uma nova medida é adotada pela Igreja para tentar impedir o suicídio: a confissão passa a ser obrigatória para todos os fiéis pela sua sacramentalização. Por essa medida, pretendia-se aliviar a consciência dos fiéis pelo recebimento imediato do perdão divino de seus pecados, graças ao poder intercessor da Igreja. Deste modo esperava-se aplacar o desespero do suicida diante da grandiosidade de suas faltas e a incerteza da misericórdia divina.

Já ao longo da primeira metade do século XIII, São Tomás de Aquino, diretamente influenciado por Aristóteles, representa o apogeu da escolástica medieval quando aproxima a fé da razão e a filosofia da teologia. Dilui oposições entre as verdades da razão natural e as verdades divinas reveladas, esclarecendo que a razão divina seria a expressão plena da razão humana. Para tal projeto, lança mão do método escolástico da disputa para analisar se matar a si mesmo seria lícito ou não. Este método consistia em apresentar argumentos retirados de fontes reconhecidas pela Igreja contra e a favor de algo para que, em decorrência da quantidade ou do peso dos argumentos, se chegasse a um veredicto quanto ao assunto. Primeiramente, São Tomás de Aquino apresenta cinco argumentos segundo os quais seria lícito se matar para em seguida apresentar três argumentos segundo os quais seria ilícito se matar: o suicídio seria contra a natureza, pois toda coisa amaria a si mesma, logo destruir-se seria contra uma inclinação natural. Em segundo lugar, ele seria contra a sociedade, na qual cada um teria um papel a desempenhar. Por último, seria um pecado contra Deus que, tendo-nos dado a vida, seria o único que possuiria o direito de dispor da mesma. Contudo, pela necessidade de justificarem os suicídios cometidos por figuras caras à Igreja, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino admitem que, por um apelo divino, o suicídio poderia ser com glória executado. (Nossa, cada volume da Suma Teológica é um livrão, não é. Eu ficava com dor nas costas de carregar aquele negócio para cima e para baixo na hora de estudar esses argumentos).

Por fim, o que se percebe de uma maneira geral é que, na medida em que o Império Romano decai e a Igreja católica se torna extremamente influente no governo, se alinham as forças do Estado e da Igreja contra a morte de si mesmo. Observa-se então que, neste momento, as necessidades sociopolíticas e econômicas se aliam à moral.

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

[1]A exemplo do movimento donatista, grupo religioso extremista de dissidentes da Igreja oficial e do Império, em geral de classes desfavorecidas que praticavam atos de terrorismo espalhando horror e derramando sangue em Roma. Era costume entre os membros do grupo tirar a própria vida arrogando para si a glória do martírio, seja entregando-se aos soldados do império, constrangendo pessoas a matá-los  sob ameaças de matá-las ou jogando-se do alto de rochedos. Esse ímpeto donatista surge como fruto da crise econômica e política. Sua violência e extravagância poderiam ser interpretadas por uma ânsia de participação social (Góes, 2004).

[2]Segundo as Sagradas Escrituras “Se alguém vem ter comigo e não me prefere ao seu pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida não pode ser meu discípulo” (Evangelho de São Lucas 14, 26.)

A Austeridade Romana e a “Saída Racional”.

Capítulo II

Inspirada nos princípios estoicos, a fundação da cidade ecumênica romana ergue-se sob a lei natural da razão, imutável e inscrita no cosmo. (Enquanto eu estava lendo sobre as diferentes escolas filosóficas mencionadas neste trabalho, porque eu já amava filosofia na época e tinha curiosidade de saber uma pouco sobre cada uma, eu acabei me interessando muito pelo estoicismo. Li bastante coisa do filósofo estoico Sêneca. O primeiro artigo que escrevi completamente sozinha, sem orientação, por puro interesse, foi sobre a morte na perspectiva do Sêneca. Foi esse artigo que eu apresentei na minha seleção de mestrado. Este artigo Também faz parte dos textos que eu quero reler e retrabalhar através do blog para um possível envio para uma revista filosófica no futuro. Até porque, infelizmente, a lógica produtivista está aí, não é, e eu preciso pensar mais em publicações nos próximos anos). A razão é para os romanos o princípio do universo, é norma de justiça e da ação calculada que permite guiar a sábia conduta.

Segundo Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), preceptor de Marco Aurélio e Nero, a morte assume importante papel na formação do homem sábio. A liberdade e a vontade guiadas pela razão conduziriam à perfeita humanidade e à consonância com a ordem natural do universo, do logos. (Bom, sim, claro. Existe essa consonância com o universo, pois é a lei da razão, que governa o homem, que governa também todo o universo. Para que exista tal consonância, o homem deve viver racionalmente). O homem sábio alcançaria a liberdade se se colocasse acima da injúria e extraísse de si mesmo suas satisfações. A filosofia serviria como técnica para uma vida feliz, livrando a alma do peso do corpo, das paixões sensuais e do temor da morte. (Era essa ideia que me encantava. O poder da filosofia de livrar-nos do medo da morte. O poder de se elevar acima das circunstâncias, de ser feliz a despeito do que nos aconteça. A chave da vida boa estaria nos ensinamentos de algum filósofo por aí, eu pensava). Assim, o saber teórico deve ser exercido em vida, pela prática das virtudes, como uma arte. (O exercício do saber teórico em vida. Perfeito para mim que gostava tanto de pensar sobre a existência. Já estava na psicologia por isso mesmo. E, cedo, eu vi na filosofia a complementação necessária e o fundamente da própria psicologia. A filosofia seria capaz de fornecer a visão de homem e de mundo que a psicologia trabalharia na prática clínica. Eu ainda sonho com esta ideia). A elaboração da arte de viver inclui ainda uma inflexão, a arte de morrer, de saber evadir-se quando a vida se torna indigna.

A morte voluntária pode desviar da crueldade do inimigo, da proba escravidão, da doença e da humilhação. Segundo Sêneca, “a vida inteira é aprender a morrer”, pois que o homem, enquanto mortal, segue seu curso irreversível para o destino determinado pela natureza. A morte é o livramento da tormenta da vida que nos arrebata as instabilidades, “nos joga uns contra os outros”. Sêneca não perfila ao lado daqueles que se opõem a morte voluntária, chegando mesmo a defendê-la em certos extremos. Esta defesa era o reflexo de um julgamento a respeito das condições da vida quando desfavoráveis ao exercício bem-sucedido da razão, “é preciso deixar esse modo de vida ou deixar a própria vida”. (Sêneca, 2008). (Bastante austeridade, mas ele mesmo parece que não seguia seus ensinamentos. Era um velho, rico e gordo. Mas tinha uma fala austera. Lembra alguém que você conhece)? Ainda, com relação ao momento adequado para se abandonar esta vida, declara: “Velhos decrépitos mendigam em suas orações um acréscimo de uns poucos anos” de vida, enquanto, aqueles que prepararam o espírito para combater a dor, habitaram o corpo como alguém que esteve “prestes a se mudar”, estarão preparados para o dia em que tiverem que morrer não tornando este o mais miserável de suas vidas. Logo, não importa quando se encontrará a morte e sim o quão digna será.

Segundo Minois (1998), Roma talvez tenha sido, dentre todas as civilizações, aquela mais favorável ao suicídio. Nela não se observava proibição alguma ao cidadão comum no que dizia respeito ao ato. Sem interdições morais, a “saída racional” (eulógos exagogé) era considerada por suas causas necessárias ao indivíduo mantendo o estatuto ético da conduta estoica. (Engraçado isso, não é? Tem coisa que a gente escreve que depois a gente mesmo não entende. Eu não entendi esta última frase. Como assim “causas necessárias)? O cidadão livre romano era senhor de sua vida e não a concebia como um presente dos deuses, podendo dispor da mesma de acordo com sua vontade. Contudo, segundo a Lei das Doze Tábuas, antiga legislação que deu origem ao direito romano, somente o chefe da família era detentor de status cívico e tinha poder absoluto “de vida e de morte” (vitae necisque potestas) sobre si mesmo, seus filhos, esposa e escravos (Ariès e Duby, 2006). (TAM TAM TAM!!!) A tentativa de suicídio de qualquer dos três últimos constituía uma afronta à autoridade legal do pater familias, bem como à figura  do imperador. Aos soldados e escravos eram previstas algumas penas no caso de sobrevivência a uma tentativa de suicídio. No primeiro caso, havia por detrás da proibição um interesse político evidente; no segundo, interesses econômicos.

A violência e tragicidade dessa morte, contudo, não deixava de causar inquietações. De modo que em alguns lugares eram realizados rituais supersticiosos com o cadáver do suicida para impedir que o morto perturbasse os vivos. Por exemplo, em algumas regiões, o corpo era mutilado e cada parte enterrada separadamente. Em outras, ele era enterrado em uma encruzilhada ou com uma estaca cravada no peito. Tudo isso para que o morto não viesse a se levantar e encontrar o caminho de volta à sua cidade. (Loucura esses rituais. Mas vem coisa pior pela frente)! Também, acredita-se que o suicídio por enforcamento era o mais rejeitado pelos romanos, uma vez que as vítimas mortas por asfixia sem efusão de sangue eram oferecidas às divindades telúricas (Minois, 1998, p.66). (Essa informação foi outra que eu coloquei porque eu achei que parecia fazer uma referência interessante, mas eu nunca consegui encontrar muitas informações a respeito. Vou fazer mais algumas pesquisas sobre isso para ver se eu consigo encontrar alguma coisa. Afinal, cinco anos já se passaram da minha formação… Muito artigo novo já foi escrito nesse tempo…).

A natureza do ato variava por razões que compreendiam motivos políticos, para escapar à decrepitude da velhice, por ordálio[1], suicídios lúdicos – como era o caso dos gladiadores voluntários –, martírios voluntários – cometidos pelos cristãos em nome da fé, nos tempos em que o cristianismo está se firmando – e os suicídios por taedium vitae. Este último se define pelos suicídios por desgosto da vida, sendo caracterizado por uma espécie de tédio mórbido e ansioso, ocorrendo mais frequentemente nos períodos das grandes transições históricas ou crises da consciência quando as verdades religiosas e científicas, os valores tradicionais e a moral são postos em questão. Ele é verificado normalmente no seio da elite intelectual. (Olha só quantas concepções diferentes de suicídio existiam nessa sociedade! Hoje em dia isso também existe, mas como o suicídio é sempre pouco debatido, são discussões com as quais não estamos muito familiarizados. Talvez eu ainda escreva sobre isso no blog. Sobre taedium vitae eu já escrevi. Você pode ver aqui).

Contudo não se tem razão para crer que Roma haveria assistido a um número de suicídios relativamente maior do que o ocorrido em outros períodos históricos por conta de sua permissividade perante o ato. (Esse é outro tema quente de discussão).

 

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

[1] O ordálio era uma espécie de julgamento dos mortais pelos deuses. Nesse tipo de situação a morte era certa. Tal julgamento consistia em submeter o acusado a circunstâncias nas quais a vontade dos deuses pudesse se manifestar. Por exemplo, ele poderia ser lançado a um rio e o seu afogamento traduziria tal vontade. No entanto, caso isso não ocorresse se entendia que a culpa do sujeito era tão grande que mesmo o rio o rejeitara e ele era então submetido a uma pena de morte.

Abertura de Possibilidades na Polis.

 Capítulo I

O caso específico da morte como escolha refletida é posta ao lado da razão no mundo grego, devendo ser avaliada e tida como solução para uma vida desonrosa. É notável a multiplicidade de argumentos e concepções que envolvem as correntes filosóficas gregas e, mesmo dentro dessas, tantas outras ocorrências particulares. As abordagens sobre o tema apontam para opiniões acerca do suicídio que envolviam repúdios e glorificações. Havia na Antiguidade, certo reconhecimento da nobreza do ato e as posições favoráveis eram muito mais frequentes do que em períodos históricos posteriores. Não se trata de um período legitimador do ato, mas sem dúvida, não havia elaboração de severas interdições.

Como ilustrativo do afirmado pode-se recorrer ao exemplo de uma série de personagens históricos ilustres tais como os suicídios patrióticos de Temístocles e Demóstenes; o suicídio por remorso de Aristodemo; suicídio para escapar a decrepitude da velhice de Demócrito; suicídios filosóficos por desprezo à vida de Zenão, Hegésias, Diógenes e Epicuro; suicídio por amor de Panteu, Hero e Safo (Minois, 1998, p.61). (É muito pobre geralmente a pesquisa de um trabalho monográfico. Não por desinteresse do aluno, mas porque o aluno é extremamente limitado no que ele pode dizer em uma monografia. Ele ainda não é o produtor do conhecimento, ele é o reprodutor do mesmo. Na monografia, a tarefa do aluno é basicamente a de mostrar que ele é capaz de ler e compreender um determinado número de escritos consagrados de diversos autores e reproduzir o conhecimento que ele adquiriu nas próprias palavras. Esse é um trabalho que me parece um bocado vazio de significado. Para que serve esse resumam feito pelo aluno ao final de uma graduação? Mais uma rebuscada prova de que ele absorveu conteúdo da maneira tradicional. Pior ainda é o destino do trabalho monográfico no mundo acadêmico. As monografias não são bem vistas como referências bibliográficas nem mesmo de outras monografias. No mínimo, para você citar em um trabalho acadêmico ou em um artigo, você pega uma dissertação de mestrado. E olhe lá! Não é das referências tidas como mais confiáveis ou “nobres”. Bom, tendo em vista esse estado de coisas, nos limitamos a repetir o que os autores consagrados disseram. Messes espírito, eu repeti os exemplos citados por Minois na minha monografia. Eu pesquisei sobre cada um dele para saber o que tinha acontecido, pois o autor não entra em detalhes, mas mesmo assim eu não deixo de sentir um certo incômodo, sabe? Foi ele que fez a pesquisa e não eu. Eu imaginava que pesquisar, academicamente falando, era ir até a biblioteca e desenterrar coisas desconhecidas. Essa foi uma expectativa frustrada…)

Entre os pré-socráticos não são encontradas muitas menções ao tema, exceção feita aos pitagóricos. Opondo-se radicalmente ao suicídio, argumentam que, por ser esta uma morte violenta, ela desequilibra as relações matemáticas que ligam a alma ao corpo. (Eu me lembro de ter achado a maior loucura essa coisa de que as relações que ligam a alma ao corpo são da ordem de equações matemáticas! Muita viagem! Dava para escrever uma ficção científica em cima dessa ideia. Eu procurei pela equação na época e não consegui achar nada. Agora, relendo a monografia, bate novamente a curiosidade: será que os caras chegaram a escrever essa equação? Esta aí uma coisa que eu gostaria de ver). Ademais, haveria, nesta vida, um propósito a ser cumprido do qual não se deve evadir, pensamento que explicita a importância dada pelos pitagóricos às questões espirituais, em consonância com sua herança órfica (Oliva e Guerreiro, 2000). (Essa herança órfica eu me lembro de ter dado um trabalho para entender na época. Difícil encontrar informação de fontes utilizáveis na monografia, sobre o tema. Iria dar muito trabalho. Como todo aluno sensato, eu só mencionei com a referência de onde o leitor poderia encontrar mais sobre o tema e deixei para que quem tivesse interesse corresse atrás do que se tratava. Na verdade, se eu não me engano, tratava-se da influência, na filosofia, das ideias do poeta místico Orfeu. Se você tiver curiosidade, não é difícil encontrar informações sobre ele na internet).

Um exemplo mais rico será encontrado com a polêmica condenação de Sócrates, que suscita a hipótese de suicídio e provoca debates a respeito do pensador tê-lo aceitado, à medida que recusou chances de minimizar sua pena. Havia sido acusado pelas autoridades atenienses de professar contra os deuses e corromper a juventude, pondo em risco a ordem da cidade. Sócrates entendia que o cumprimento de qualquer penalidade seria o reconhecimento de culpa e traição aos seus ensinamentos proferidos até então. Ao longo de seu julgamento desafia seus juízes e comprova a inconsistência das acusações, além de rejeitar penas alternativas propostas por seus concidadãos ou o pagamento de fiança por seus alunos. No diálogo Fédon, os acontecimentos demonstravam que as atitudes de Sócrates sugeriam resignação diante da morte. No entanto, em seus últimos momentos, quando indagado sobre essa conduta, ensina a seus discípulos que “os homens estão em uma espécie de prisão e que não devem nem se liberar nem se evadir da mesma” (Fédon, 62-b). Os homens pertencem aos deuses e, por conseguinte, só poderiam matar-se ao receberem um sinal, uma forma de autorização dos mesmos, como era o seu caso. Certos trechos do diálogo Fédon apresentam ensinamentos sobre a alma segundo os quais aquele que se dedica à filosofia estaria se dedicando a um exercício de saber morrer. Para o filósofo, a alma se tornaria cada vez mais elevada através da filosofia, mas só podendo encontrar a verdade e a sabedoria absoluta – a contemplação das essências – na morte. Portanto, a mesma não deveria ser temida, sendo, com efeito, a própria musa da filosofia. (Um parágrafo da monografia sobre o Fédon… Mas como deu trabalho escrever esse parágrafo. Ler o diálogo, ler sobre o diálogo, resumir as partes mais importantes. É muito insano esse trabalho. Tem coisa até que rende mesmo. Você lê um parágrafo e escreve uma página. Aqui, eu li mais de cem páginas e escrevi um parágrafo. Que tristeza).

Nas Leis, ao definir condenações para os delitos, Platão estabelece que aqueles que matam a si, privam-se do seu destino e cabe aos mesmos serem enterrados “sem glória” e sem lápides, em regiões anônimas. São levantadas três ressalvas para tal condenação que tornam confusos os limites dessa interdição, como em caso de ordenação pela justiça da cidade, acometimento do indivíduo por grande dor, ou ainda se o mesmo é investido de intensa vergonha “contrária à vida”. Afora essas exceções, a morte de si é tida como indefensável, covarde e indolente (Platão apud Puentes, 2008, p.61).

A filosofia aristotélica aproxima-se de Platão apenas por reputar ao homem sua função social acima de interesses pessoais. Aristóteles apresenta sua posição de maneira mais incisiva, negando qualquer exceção a favor da morte de si mesmo e introduzindo um novo argumento contrário a ela. Em sua obra A Ética a Nicômaco, o filósofo afirma que os cidadãos têm obrigações para com sua comunidade, tirar a própria vida representaria uma injustiça contra a Cidade. Afirma que esse caso específico de proibição do suicídio não se encontra nas leis, mas o que ela não ordena, proíbe (Aristóteles, 1973: v 15, 1138 a, 6-7).

Em 323 a.C., a morte de Alexandre e a tomada das cidades gregas pela Macedônia tiveram por efeito drásticas rupturas no pensamento clássico. Subjugado pelo domínio estrangeiro, o homem grego, cidadão e animal político, que antes exercia sua liberdade nos espaços públicos da cidade, agora passa a confinar sua busca por autarquia através de recursos espirituais, num processo intimista de adaptação às transformações sociais. Sendo assim, a filosofia desse período está marcada por um forte caráter ético, que se mostra na busca individual pela felicidade, uma espécie de “salvação interior” (Châtelet, 1981, p.168) independente das circunstâncias. Esse pensamento diz respeito a uma prescrição do bem viver que caracteriza a filosofia em seu sentido popular, a “filosofia de vida”.

Cabe aqui uma digressão teórica. Em seus estudos sobre a sexualidade na Antiguidade, Foucault ressalta as formas de relação consigo mesmo exercidas através de práticas cotidianas pelos indivíduos, as quais permitem o entendimento de si enquanto sujeito.  Essa experiência de si respeita a um projeto estético da existência, no qual tais sujeitos constituem um estilo de viver próprio. Os modos individuais de relação com os saberes (jogos de verdade e discursos) e práticas de temperança, de técnicas racionais – estratégias de poder – que lhes permitem se reconhecer e estabelecer verdades sobre si, conferindo sentido, dentre tantas outras, às condutas diante da morte (Foucault, 1984, p.15). (Parece deslocado esse paragrafo ou é impressão minha? Mas tem a ver. Por conta dessa ideia da “filosofia de vida”. Fala do modo como as pessoas se relacionam consigo mesmas. E disso o Foucault sabia falar, ainda que, não abro mão de dizer, suas interpretações da filosofia do mundo antigo sejam questionáveis).

Se o período clássico de Platão e Aristóteles é marcado pela censura do suicídio em suas nuanças, nas correntes helenísticas, a morte de si, enquanto atitude racional, torna-se a expressão máxima da liberdade pessoal e livramento de uma vida de injúrias. (Olha aí aquilo que a gente falou lá na introdução de que não existe uma essência do ato, uma única maneira de pensa-lo. Várias visões contraditórias convivem e entram em conflito o tempo todo. O tempo vai selecionando o que chega para nós como vertente principal, mas é só cavucar um pouco que essa imagem se desconstrói). Dentre as escolas filosóficas mais expressivas que se pronunciam a respeito do tema encontramos os cirenaicos, cínicos, epicuristas e estoicos. Os dois primeiros se mostram um tanto pessimistas com relação à existência, afirmando que a vida é certamente mais desprazerosa do que prazerosa, tendo-se, por conseguinte, a morte como alternativa preferível à vida. Nas palavras de Diôgenes Laêrtios, para os cirenaicos a felicidade é “totalmente impossível, pois o corpo é afetado por muitos sofrimentos, e a alma padece juntamente com o corpo e se perturba com ele, a sorte impede a concretização de muitas esperanças; consequentemente a felicidade é inatingível.” (Povo macabro). Um de seus principais representantes, Hegésias, chega a ser chamado de peisithánatos, que significaria “aquele que persuade a morrer” (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.68). Para os cínicos, a morte se constituía enquanto alternativa que de pronto se apresenta àquele que não vive arrazoadamente sua vida. Já a concepção hedonista de Epicuro alerta que o homem livre não deve almejar nem temer a morte. Segundo o filósofo, a morte refletida evidencia a transposição de equívocos supersticiosos e a filosofia se apresentaria como instrumento de libertação do homem e de acesso à verdadeira felicidade. Pois a alma não necessariamente padece junto ao corpo dos males que se lhe abatem. Ele também alerta para o risco da sociedade produzir nos homens a insensatez do gosto pelo luxo, pelo não necessário e sugere: “É um mal viver sob o jugo das necessidades, mas não é necessário viver sob a necessidade” (Epicuro apud Sêneca, 2008). (Na boa, eu citei o Epicuro a partir do texto do Sêneca, mas eu mesma não confio. Fiz isso pela dificuldade em acessar material do primeiro. Pois o Sêneca é um filósofo por si só. Sem comprometimento com as regras e os apreços atuais da academia, que tem a própria fama para proteger. Não duvido nada que ele possa ter distorcido a citação do Epicuro a seu favor).

Os estoicos inauguram uma perspectiva de indiferença sobre a vida e a morte, a exemplo de Zenão seu reconhecido fundador, que se matou por desprezo à vida. Afirmavam que o homem sábio haveria de preferir um modo de vida racional voltado para a contemplação e ação lógicas, em busca da retidão das vontades. Cumpre ao homem extirpar suas paixões e opiniões e cultivar suas virtudes, independente das circunstâncias de sua existência. Não teriam relevância a morte, a pobreza e a escravidão. Todavia, o desprezo pela vida somente seria legítimo por “motivos razoáveis”, quais sejam: em defesa de amigos e da pátria ou em casos de doenças incuráveis, dores insuportáveis e mutilações (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.130). A recusa de uma vida limitada, de enfermidade, aproxima-se menos da destruição de si do que de uma apropriação ou apego a si (Gazzola, 1990, p.102).

O contato de Roma com a cultura grega leva todo seu império a entrar na “órbita do helenismo”, redimensionando seus saberes. A proposta estoica de austeridade física e moral, baseada na resistência ante o sofrimento, bem como a participação do homem na vida pública, coincidiram com o modo de vida romano e sua dedicação ao Estado. O contágio pelo estoicismo, como a doutrina que privilegiava a autodisciplina, a sujeição à ordem natural e o cumprimento dos deveres atendia aos hábitos romanos e suas incumbências cívicas (Pirateli e Melo, 2003, p.64). O prosaísmo romano se distanciava da riqueza das abstrações gregas, no entanto, foi de fundamental importância para materializá-la em seus quadros cívicos e jurídicos.

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

História do Suicídio. Introdução.

INTRODUÇÃO

 

No presente trabalho pretende-se realizar uma discussão acerca de argumentos filosóficos, médicos e teológicos que influenciaram fortemente a noção de suicídio através do período compreendido entre os séculos IV a.C. e XVIII d.C., pondo em questão a própria definição do suicídio e tomando-o como base para reflexão sobre temas pertinentes a esses momentos históricos. (Este trabalho foi várias vezes apresentado na Jornada de Iniciações Científica da UFRJ. Ele sempre passava para a segunda fase, quando geralmente caía em uma mesa na qual os professores moderadores eram historiadores e eles sempre, sempre, sempre, implicavam com a abrangência histórica do trabalho). Dessa forma é preciso alcançar suas diversas áreas de constituição e validade, compreendendo seus modos de uso e a multiplicidade dos campos teóricos dos quais partem. Não se trata de uma história da interdição ou liberação da morte auto-infligida e sim da investigação de como esta insurge enquanto problema para o pensamento, regida por uma intensa relação de forças que em nada se aproxima da totalização e naturalização de fatos necessários que se organizem rumo a um sentido final. Também não se trata de buscar a proveniência do suicídio, sua essência, de forma exata, inabalável pela exterioridade e acaso. Entendem-se as definições a serem discutidas como redes de singularidades entrecruzadas de começos inumeráveis que demarcam aspectos inéditos sobre o tema, captando acontecimentos que compõem seu caráter dispersivo e heterogêneo.

Sob a perspectiva das indicações historiográficas de Michel Foucault, referimo-nos ao surgimento histórico, ou emergência de nosso objeto, como o ponto onde forças discursivas entram em conflito fazendo aflorar acontecimentos. (Portanto, fica claro que o nosso não era um trabalho de historiografia tradicional. Em parte, isso já justificava a abrangência do nosso recorte temporal).

Em diferentes períodos históricos, certas posições acerca do tema do suicídio despontaram dessas batalhas conceituais e se tornaram emblemáticas de seu tempo por constituírem campos de saberes dominantes. Tais posições acerca da prática da morte de si foram tomadas como marcos de reconhecidos momentos históricos, como discutiremos a seguir, a título de limitação metodológica. Todavia, a diversidade da rede de discursos minoritários, ou murmúrios, que perpassam a constituição dos grandes campos de saber desestabilizam a tentativa de estabelecer uma ideia original ou universal do suicídio. (Essa ideia de murmúrios é muito interessante. É como se, do debate teórico, sempre despontasse uma voz dominante, aquele que grita mais alto do que os outros, enquanto todos os outros estudiosos, e, principalmente, as estudiosas, ficam ali murmurando ao redor, baixo demais para que possamos ouvi-los. Precisamos de muita atenção para poder distingui-los. Vale ressaltar que se destaca quem grita mais alto mesmo, no sentido de quem ganha o jogo de poder, e não necessariamente aquele que está mais correto). Por essa razão, são levantadas algumas problematizações, antes de tudo para demonstrar a luta entre diferentes perspectivas, que não constituem uma ideia simples e totalizante, produto de aprimoramento progressivo, mas sim um objeto que traz consigo descontinuidades, rupturas, convergências e subversões de si mesmo. (Essa é a tentativa de ouvir os murmúrios). A demonstração da pluralidade na dimensão das práticas, dos saberes e dos jogos de poder tem por efeito dispersar o “gradiente de abstração” responsável pela conservação da ideia pura de suicídio, que resiste aos acontecimentos sob diferentes máscaras através dos tempos. (Esse conceito “gradiente de abstração”, poderia estar mais bem explicado. Foucault fala sobre isso em seu livro Arqueologia do Saber. Onde ele afirma que “a história de um conceito não é, de forma alguma, a de seu refinamento progressivo, de sua racionalidade continuamente crescente, de seu gradiente de abstração, mas a de seus diversos campos de constituição e de validade, a de suas regras sucessivas de uso, a dos meios teóricos múltiplos em que foi realizada e concluída sua elaboração” (p. 5). Entende-se que um conceito é algo abstrato. Essa característica garante que ele não seja influenciado pelas contingências, aquilo que acontece na realidade não tem efeito sobre os conceitos. Isso faz com uma determinada ideia permaneça aparentemente inalterada através dos séculos, que ela pareça eterna e imutável. Na verdade, há os tais jogos de poder por detrás da aparente univocidade dos conceitos. Quando ouvimos os murmúrios, o conceito de suicídio, por exemplo, se racha em mil pedacinhos).

A luz dessa referência metodológica, utilizamos como principal fonte pesquisa e ponto de partida para demais investigações o livro de Georges Minois (1998): História do Suicídio. Este estudo apresenta a problemática do suicídio, não como demográfica, mas religiosa, moral, cultural e filosófica que pode revelar modos segundo os quais os indivíduos vivem, se relacionam e auto-representam característicos de uma sociedade. (O recorte histórico que seguimos, foi o recorte feito por este autor).

Uma análise da morte voluntária implica, portanto, em restituir sua dimensão acidental e principalmente por em discussão suas noções parciais ou discursos de diferentes ordens. Os saberes a respeito desse tipo de morte colocam-se em relação de complementaridade com suas práticas e produzem verdades a respeito das mesmas. Nesse sentido, qualquer conhecimento produzido sobre a morte auto-infligida e seus modos de execução dizem respeito ao seu comprometimento político, histórico e social.

A exemplo da parcialidade dos discursos, podemos refletir sobre a significação da própria palavra suicídio.

O termo suicídio indica uma conotação claramente política e um compromisso moral de desprestigiar o ato associando-o ao homicídio, em razão de seu contexto histórico. A palavra suicidium, formada pelo prefixo ‘sui’, pronome possessivo e ‘caedere’, ato de matar, não foi usada antes do século XII por razões léxicas e gramaticais, pois a língua romana recusava compostos com prefixo pronominal. O termo foi forjado pelo teólogo Gauter S. Vitor, na obra Contra Quator Labyrinthos Fraciae, e claramente carregava o propósito moral supracitado, tal como foi proposto por Santo Agostinho. (Pois foi Agostinho que aproximou o ato do suicídio daquele do assassinato). O termo foi abandonado durante séculos por tais razões linguísticas e por volta do século XVII retoma importância, sendo difundido através da língua inglesa, que nessa época admitia barbarismos e neologismos, antes rejeitados pela língua escrita (Góes, 2004). (Por essa anomalia gramatical é que o certo em português é falar: “Fulano suicidou” e não “Fulano se suicidou”. Mas soa estranho sem o se mesmo).

Apresentaremos agora uma breve análise ressaltando alguns períodos históricos que remontam a diferentes usos da morte voluntária e inúmeros argumentos que a atravessam a fim de demonstrar a diversidade e riqueza de seus saberes e práticas.

 

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

Divulgação Científica.

Os trabalhos acadêmicos geralmente são engavetados depois de entregues (trabalhos de conclusão de disciplina, monografias, dissertações e teses) e grande parte deles jamais torna a ver a luz do dia.

Nós, os autores, ficamos nos prometendo que voltaremos a eles algum dia porque “ainda dá para tirar um artigo dali”. Mas dificilmente voltamos.

Resolvi aproveitar o projeto do blog para finalmente colocar em prática a proposta de retomar os trabalhos acadêmicos que já produzi. Despretensiosamente. Para me refamiliarizar com os estudos do passado e avaliar se algum é, de fato, promissor.

Aos poucos vou postando os trabalhos que já produzi (divididos em partes conforme eu os for relendo), fazendo comentários ou aprimoramentos nos mesmos, como um primeiro passo para recauchutá-los e, quem sabe, vir a publicá-los. Vou tentar me lembrar de sempre destacar os acréscimos ou correções sublinhando-as.

E ainda, é claro, um objetivo não menos importante, quero dar uma arejada nesses textos. Deixá-los mais disponíveis, acessíveis para além da comunidade acadêmica.

Farei isso sem pressa. Aos poucos e no ritmo que o meu coração ditar.

A começar pela minha monografia. A minha monografia teve origem no trabalho final da matéria Tópicos Especiais em Psicologia Social K, da qual fui monitora. A disciplina era sobre o tema do suicídio. O trabalho foi, em grande parte, feito em dupla, com Mhyrna Boechat.

 

REFERÊNCIA DO TRABALHO:

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

Os milhares de braços dos profissionais de saúde. 

“Psiquiatras são assim, cheios de braços. Fazem tudo que der pra ajudar. Se puder tirar a cabeça de um e botar em outro, faz também. Se não der certo, tá bom também”.

Eu ouvi esta frase de um usuário do serviço de saúde mental que estava participando de uma oficina de jardinagem lá no hospital da Nise da Silveira.
Isso aconteceu há meses. Eu anotei essa frase e fiquei com ela guardada sem saber o que fazer com esse duro choque de realidade, expresso em uma frase tão fantástica.
Muitos profissionais de saúde são assim mesmo, cheios de braços. Chegam em cima dos pacientes sem pedir licença, aferindo, medindo, apertando, abrindo, levantando roupas, mandando tossir.
Os psicólogos também vêm cheios de boas intenções e de boas teorias, fazem de tudo para ajudar. E se o paciente não vai bem, a complexidade dos fatores ambientais, psicológicos, sociais e biológicos era simplesmente complexa demais para que fosse possível uma interferência efetiva, ou o paciente resistiu.
Paciente é outro tipo de gente, se é que é gente. Derrepente ele se vê desautorizado a falar do próprio corpo e da própria mente.
Tem muito profissional por aí, contudo, tentando fazer diferente. A gente tem um forte movimento pelo desinstitucionalização da loucura atualmente no Brasil encabeçando essa luta.
Muita gente boa lutando para tirar suas mãos desautorizadas e suas teorias não solicitadas de cima das outras pessoas, sem lhes tirar também o cuidado e a melhor atenção em saúde disponível a que elas têm direito.