Teoria Jurassic Park.

Todo mundo tem um carinho todo especial pelas memórias da infância.

São filmes, desenhos, músicas que nós curtíamos quando éramos pequenos e que, na nossa concepção, são maravilhosos. Clássicos eternos.
Até que….
Encontramos alguém que não compartilhou das mesmas experiências que nós e, para nossa surpresa e indignação, o tal alienígena 👽 fala mal daquilo que toca nossos corações.
Exemplos das minhas paixões de infância no que diz respeito aos filmes (provavelmente todos passavam na Sessão da Tarde ou no Cinema em Casa).

1- Matilda: a menina que eu queria ser, fala sério. A garota era foda. Poderes mágicos e vingança!!! Não tinha como ser melhor.

2- A Princesinha: cara, o que é aquela cena dela atravessando de um telhado para o outro?! Eu torço mais por aquela menina do que pelo o Brasil em final de copa do mundo.

3- Jardim Secreto: duas crianças descobrindo um passado encantado através da exploração de um jardim secreto com direito a rituais impactantes. Final emocionante.

4- A Lagoa Azul: lógico. Precisa dizer alguma coisa? Eu até hoje não sei qual é o um o dois ou o três. Ou quantos filmes tem. Eu sei que são todos maravilhosos. Um é com o velho outro com a mãe… Tem mais algum, gente? Estou em dúvida. Enfim. Amo.

5- Jurassic Park: não podia faltar. Dá nome a minha teoria. Dinossauros maneiríssimos perseguindo pessoas estúpidas (e mulheres de salto, né).

O caso é que meu marido, que tem mais ou menos a minha idade, não viu Jurassic Park quando era criança. Quando eu soube dessa aberração, baixamos o filme imediatamente.
Nós falamos sobre esse assunto por ocasião do lançamento, no cinema, de mais um filme da série. Não podíamos assisti-lo sem ver pelo menos o primeiro filme.
Então eu estava assistindo pela milésima vez o Jurassic Park I super emocionadae torcendo contraditoriamente tanto para os personagens humanos quanto para os dinossauros bonzinhos (porque tem isso no filme, né, dinossauro bom e dinossauro mal). Depois que terminamos de assistir, eu olhei para o meu marido com os olhos brilhantes só para ter minha felicidade destruída: que filme horroso! – Ele falou. Mandei-o a merda. Como você se atreve a falar mal desse filme?!
Desde então, começamos a trocar experiências sobre nossas paixões infantis e ele criou a teoria Jurassic Park.
Segundo essa teoria, existem coisas às quais nos apegamos na infância e que achamos maravilhosas, mas que são, na verdade, muito ruins. De modo que, quando não há esse apego infantil, não vamos, depois de velhos, passar a gostar de certos conteúdos.
Ele conseguiu me convencer. Quando comecei a rever minhas paixões infantis, muita coisa ruim, ruim mesmo, se tornou evidente. Desde falas e personagens extremamente machistas e misóginos até músicas preconceituosas da Disney (vocês já pararam para escutar com calma a música de abertura do Aladin? Dá uma olhadinha – https://www.google.com.br/amp/s/m.vagalume.com.br/disney/aladdin-a-noite-da-arabia.html.amp).

Então, a teoria passou a fazer muito sentido para mim é foi até terapêutico esse processo. Eu realmente passei a caçar e rever certas coisas da minha infância e reavaliá-las.
É um processo de auto-conhecimento que vale muito a pena. Tem coisas que vão te surpreender.
Só por curiosidade…
Uma coisa que meu marido gostava quando era pequeno e que eu achei estúpida é o desenho do Marsupilami. Conhecem? Amam?

Alguém está me batendo.

Quando eu era criança meu pai me batia e eu pensava: meu pai está me batendo.

A errada era eu que não conseguia atender a expectativa paterna. A errada era eu que brincava passada a hora de criança dormir. Errada sempre que mexia onde não devia. Errada sempre que respondia quando os adultos falavam.

Hoje em dia estou crescida e meu pai já não me bate mais com a mão.

Mas quando eu falo: Pai, ele vai tirar a cerca.
Ele pergunta: Você já viu o terreno e a cerca não está mais lá?
E eu respondo: Não, pai. Mas eu estou indo lá agora. Assim que acabarmos de ler o jornal, Marcos vai me pegar e vamos até lá ver.
Ele diz: Então amanhã quando você vir me ler o jornal você fala que a cerca foi retirada. Antes disso, fique calada e me prepara um café com queijo minas.
O médico falou que você não podia comer queijo minas, pai.
Mas toda vez isso agora! Você é médica?! Pois deixe que a respeito do queijo eu me entendo com o médico. Você faz o que eu falo!

Agora a errada sou eu que se preocupa. Errada sou eu que não virei médica, não virei advogada, não virei vidente. Virei mulher casada, mãe, cumpridora de deveres o obrigações. Do jeito que meu pai queria.

Mesmo agora que já estou criada alguém me bate. E a mão é pesada como na infância.
E eu descobri só agora, que meu pai já não aguenta o peso do jornal com o músculo fraco do braço direito que me arrancava couro com a vara, de onde vem a mão.

Eu sei agora que a mão vem carregada de infâncias partidas por Varas;
e carrinhos de arar;
e corações partidos;
e fome;
e sede;
e de sol na nuca o dia inteiro;
e de noites largado sob o sereno do campo em dia que não dava para voltar para casa do trabalho; e de promessas quebradas;
e sermões de padres;
e dores não choradas;
e de conversas desperdiçadas com cumprimentos despretensiosos.

Eu não bati essas dores nos meus filhos.

E, com tudo isso, o meu problema é que eu não sei socar parede. Não sei socar nada. Eu grito, esperneio e choro quando estou sozinha. Fora isso não sei para onde vai a minha raiva. Quando meus filhos desobedecem, quando cuido do meu pai.
Eu sozinha me sinto incapaz de dar um fim a essa corrente de ódio, porém mais incapaz eu fui de dar continuidade a ela.