“Por onde andam meus pés”? Dia 4.

Contei para vocês a sensação das pedrinhas do quintal da minha avó sob os meus pés descalços. Agora vocês estão apresentados.
O chão estava quente naquela hora que eu tirei a foto. O calor, as pedrinhas e o Natal.
Foi para a casa da minha avó que meus pés me trouxeram hoje (com a ajuda dos pneus do carro da minha mãe, porque é bem longe).
Todos os anos nós passamos o Natal aqui. Assim como todos os domingos de todos os anos. Esta família se reúne sempre.
Eu sei que existem famílias que esperam o Natal para se reunir e brigar, a gente faz isso periodicamente. Toda semana nós nos reunimos, comemos, rimos e brigamos. No Natal só muda a hora. No lugar de ser no almoço é na janta.
O dia é corrido, passado inteirinho dentro da cozinha: maionese, farofa, várias farofas diferentes, arroz, macarrão, rabanada, carnes, várias carnes diferentes também. O dia inteiro de forno e fogo ligados. Muito calor.
Aqui é muito, muito quente. Tão quente que um ventilador de teto na cozinha não dá jeito.
Hoje, lá pelas quatro, começou a chover, só que não deu nem tempo de dar graças a Deus antes de faltar luz. O ventilador de teto parou e o calor nem tchum. A chuva não refrescou a casa. Me fale de apreciar as pequenas coisas! Uma brisa fresquinha fazia todos pararem e suspirarem.
Nesse clima, cozinhar foi um suplício ainda maior.
Comer a rabanada com café no fim da tarde foi um suplício.
Eu estou tentando escrever e está difícil de me concentrar sentindo as gotas de suor escorrendo da dobra do joelho… da dobra do braço… na testa… nas costas.
Eu fiz uma pausa na escrita do texto para tomar banho e mesmo depois do banho continua quente.
Hoje eu derramei açúcar em cima de mim e foi muito difícil de limpar porque ele meio que derreteu no meu colo suado. Eu tive que ir lá fora no tanque tomar um semi-banho de torneira.
Eu tenho uma lembrança de tomar banho de tanque lá fora quando eu era pequena. Era de noite e a luz da área estava acesa… A iluminação era relaxante. E, naquela época, já fazia calor aqui, então um banho lá fora era o paraíso.
Tem o chuveirão também, lá no quintal, mas com a idade parece que vai ficando mais difícil simplesmente ir lá, e se molhar, e secar ao relento sentada no portão conversando com os amigos como eu fazia antes. Não. Conforme o tempo vai passando eu fico cada vez mais tempo aqui dentro ajudando a cozinhar.
Está muito calor aqui. Mas daqui a pouco todo mundo vai chegar da missa de qualquer jeito, todo mundo vai comer a comida quente de qualquer jeito e vai se abraçar também para desejar feliz Natal. Aqui a gente ignora quando alguém diz: não me abraça não que eu tô suado! Se fosse assim ninguém se tocava.
Está muito calor aqui e mesmo assim eu vou voltar ano que vem e domingo que vem.
As tradições funcionam assim: sempre tem um desconforto, mas alguma coisa compensa o sofrimento. Por mais que você olhe de soslaio para as mensagens clichés, por mais que você xingue todo mundo quando você está no shopping cheio comprando presentes que você não tem dinheiro para pagar, quando você está derretendo na cozinha…
E aí? O que é que tem no Natal e nas tradições de um modo geral?
Tem a sensação das pedras debaixo dos pés descalços: o gosto da infância que já não tem mais tanto glamour assim, mas que, por algum motivo, você não consegue abandonar.
Você não larga disso tudo porque você sabe, lá no fundo, que não tem muito para onde correr.

Você prefere morrer de frio ou de calor?

As sensações térmicas corporais são coisas muito estranhas.
Parece que, pelo menos o meu corpo, não tem memória térmica nenhuma.
Quando eu estou com frio eu fico pensando: “ah, meu deus! Que coisa horrível deve ser morrer congelada. Suas extremidades ficam roxas e dormentes e, se bobear, quebram que nem copo que escorrega da mão enquanto a gente lava louça”!
Nesses momentos, me bate aquele desejo do sol forte de quarenta e cinco graus do Rio de Janeiro na minha testa.
Então, eu saio de algum lugar gelado (recentemente eu passei isso no cinema. Fiquei lá congelando durante o filme e não via a hora de ir para a rua) e vem aquele bafo quente na minha cara, mas, nos primeiros instantes, eu ainda estou tipo: “ah! Que delícia! Eu não sei como eu cheguei a pensar que eu odiava o calor”!
Ok. Só que aí eu ando dois minutos no sol e já estou suada, fedendo, morrendo de sede e me lamentando: “como deve ser algo tenebroso morrer de calor! Você morre fedido, suado, com a garganta seca de sede (infecção urinária no meu caso, porque quando eu fico sem beber água, ela ataca). Que horror! Mil vezes morrer de frio. Dizem que vai só dando sono e você morre em paz”.
Ou seja, minha vida no Rio de Janeiro é uma montanha russa de sentimentos em relação à temperatura.
Seria maravilhoso se o corpo não tivesse problema de memória: “poxa… Eu acabei de passar o maior sufoco… Duas horas nesse frio do caralho. Vou aproveitar aqui agora duas horinhas no sol tranquilo…. De boa… Sem começar a exalar fluidos e odores desagradáveis”.