Um mês de postagens diárias.

 

Eu não pude deixar de reparar que hoje faz um mês que eu mergulhei de cabeça no projeto de escrever um post por dia no blog.

 

Muita coisa aconteceu na minha vida neste último mês.

 

Acredito que esta nova experiência está me trazendo muitos resultados positivos.

 

E muitas crises também.

 

O que eu posso dizer é que ainda está valendo muito a pena.

 

Fiquei pensando hoje no que me levou a começar a escrever.

 

Eu me lembro de ter começado a escrever as minhas primeiras histórias lá… Nos tempos imemoriáveis do CA.

 

Eu tinha uma amiga chamada Caroline Oliveira de Sá (se vocês a conhecerem, me mandem o facebook dela. Eu já cansei de procurar e nunca encontrei). Eu e ela dividíamos um diário. Cada dia uma levava o diário para casa, escrevia e, no dia seguinte, nós trocávamos.

 

(Essa experiência acabou de me dar uma ideia para uma atividade de journal therapy. Poderia ser uma técnica bacana para promover a reaproximação entre casais passando por momentos difíceis no relacionamento. Se o casal não estier morando na mesma casa, eles podem, cada uma das partes, fazer anotações em um caderno durante a semana, anotações estas que seriam o resultado de reflexões sobre o relacionamento, e os cadernos seriam trocados toda semana. Ou o casal pode ter um caderno em casa para fazer o registro de situações-problema. O registro deverá seguir um modelo: gosto do modelo de crítica XYZ. “Você faz X, que faz com que eu sinta Y e eu gostaria que você fizesse Z”. Muitos casais vão arruinando seus relacionamentos porque brigam logo nos primeiros cinco minutos que se passam depois que eles se encontram em qualquer cenário que seja. Por exemplo, o casal chega em casa do trabalho e, dentro dos cinco minutos após se encontrarem, alguém reclama de alguma coisa. Esse tipo de briga que ocorre logo assim que duas pessoas se encontram é considerado por muitos terapeutas de casais como um elemento extremamente destrutivo para o relacionamento. Fazendo o registro no caderno seria possível mudar esse quadro, aumentando o tempo que o casal demora para começar uma discussão depois de se encontrarem, o que traria efeitos muitos positivos para o casal. Mas… Voltando ao ponto do texto…).

 

Eu e Carol escrevíamos as mais loucas histórias. Até hoje eu lembro de duas. Num dos dias em que eu levei o diário para casa eu escrevi que tinha feito a máquina de escrever da minha avó voar para de baixo da cama. No dia seguinte ela escreveu que ela tinha feito a casa dela voar para a beira de um lago! A ideia era ler mesmo o que a outra escrevia. Tão bom lembrar disso. Mas depois eu comenta mais as reminiscências da infância.

 

Depois veio a fase das cartinhas. Todos aqueles papéis coloridos, canetas cheirosas e as onze ou doze páginas que escrevíamos para todos os amigos e amigas com letras de músicas, descrições do crush, juras de amizade eterna… Isso era lá para a quinta série.

 

Com treze anos eu comecei a escrever histórias de fantasia. Foi só então que eu comecei a ter a sensação de que eu estava escrevendo de fato. Foi por causa de um CD de uma banda que eu amava, chamada RHAPSODY. Eu comecei escrever inspirada pelas músicas dessa banda.

 

Continuei escrevendo durante toda a adolescência. Mais prosa do que poesia. E lendo. O amor pela leitura também já estava solidificado nessa época – mas esse é outra história.

 

Eu tinha muitos amigos que escreviam também. Alguns gostavam de mostrar o que escreviam, como eu (eu era meio estrelinha no fundo e precisava da aprovação das outras pessoas, duas das minhas principais questões emocionais), outros faziam com que você tivesse que ficar implorando uma semana para que eles mostrassem o que tinham escrito.

 

A escrita preenchia os momentos tediosos para os adolescentes presos nas salas de aula dos pré-vestibulares.

 

Ela tinha seu papel na hora de nos ajudar a expressar nossos sentimentos e compreendê-los. Às vezes, contudo, o efeito era o contrário. Eu já cometi a atrocidade de fazer uma “releitura” de uma poesia que uma amiga minha havia feito e ela olhou bem na minha cara e falou “Você não entendeu nada”. Intrigas e compartilhamento de experiências, sonhos e fantasias. Isso era a escrita na adolescência.

 

Por algum motivo, na hora do vestibular, “escritora” não me pareceu uma carreira possível. Fui para a psicologia e depois para o mestrado em filosofia.

 

Por sete anos da minha vida, e minha escrita e a leitura foram dominados pela academia. Por sete anos tudo que eu fazia com o meu corpo e com a minha mente estava a serviço da UFRJ.

 

Até que no último ano do mestrado eu não aguentei mais. Senti uma ânsia incontrolável de voltar a ler literatura sem culpa e a escrever, escrever, escrever muito.

 

Bom, já sabemos a que isso me levou, não é mesmo? Muitos cursos de escrita criativa, muitos livros sobre a arte de escrever, muita literatura e muitos novos projetos literários.

Confissão (primeira versão).

Ontem eu publiquei o texto “Confissão” em sua versão mais recente.

Esse texto, contudo, já havia saído em um pequeno livro de contos que eu publiquei independentemente no ano passado.

Acontece que entre o texto publicado e a versão que eu postei ontem no blog existem algumas diferenças. Eu fiz um trabalho de voltar ao texto e trabalha-lo um pouco mais. Um texto nunca está pronto e acabado. Chega um momento em que o autor decide parar de mexer nele, mas é isso. Não quer dizer que o texto chegou à perfeição. Isso existe? Enfim…

Hoje o que vou fazer é postar a primeira versão desse mesmo texto, para que vocês possam avaliar: se melhorou… se piorou… Além de poderem acompanhar um pouquinho do meu processo de escrita.

Como foi para mim este processo? É um ato de coragem mexer em um texto “pronto” e publicado. E, acima de tudo, um ótimo exercício. Mas eu confesso que tenho sentimentos ambivalentes ainda em relação a esta prática ainda que a considere boa do ponto de vista racional. Algumas vezes eu acho que mexo e o texto piora. (Tipo mexer na merda e fazer ela feder mais do que antes). A minha autoestima vai para o fundo do poço quando isso acontece. Outras vezes, eu mexo no texto e acho que ele melhora muito. Aí o meu ego infla e eu assumo empreendimentos loucos como postar um texto por dia no blog (mas depois eu desabafo sobre isso).

Não mexo em todos os textos, mas naqueles que eu ainda não decidi declarar como encerrados e, como já disse, acho que o processo vale a pena sim, apesar dos pesares! Mesmo que, em algumas vezes, a gente precise meter vários ctrl Z e desfazer todas as alterações.

Acho que isso vale para tudo na vida. A gente tem que tentar mexer para melhorar mesmo. Se não der certo, esquece e parte para outra!

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Confissão (primeira versão).

Apesar de nascida e criada no Rio de Janeiro eu, assim como muitos outros cariocas, não conheço alguns dos pontos turísticos mais importantes da cidade.

Fui recentemente ao Pão de Açúcar e ao Cristo Redentor. Na verdade, ao Cristo eu cheguei a ir duas vezes no último mês. Na primeira ocorreu um imprevisto; o dia estava extremamente nublado. Não se podia ver nem a cabeça do Senhor, nem a cidade abaixo. Estávamos, aparentemente, entre duas camadas de nuvens. O pico do morro estava acima das nuvens, de modo que tínhamos a impressão de que se nós nos jogássemos lá de cima nada terrível aconteceria. Apenas cairíamos nas nuvens macias logo abaixo. Na minha opinião a textura das nuvens parecia densa e consistente, apesar de macia, como a de um elástico. Por outro lado, as nuvens acima de nós pareciam mais frágeis e delicadas. Esfumaçantes.

Quando fomos ao Cristo pela segunda vez o dia estava totalmente claro. Não havia uma nuvem do céu. Eu, sinceramente, preferi a primeira visita. Mas nada disso vem ao caso.

A visita sobre a qual lhe escrevo é a visita que fiz à Catedral no centro da cidade. Resolvi ter a experiência completa. Iria no domingo pela manhã, doaria dinheiro na hora do ofertório, apertaria a mão das pessoas ao meu redor na hora da Paz de Cristo, comungaria etc.

Pois bem, cheguei à igreja atrasada. Cheguei tarde mesmo e ainda fiquei por algum tempo observando os turistas do lado de fora. Os turistas reais. Vindos de outros países. Tiravam fotos e sorriam e falavam alto. Achei aquilo tudo um pouco desrespeitoso e acredito que tenha entrado na igreja mais católica do que cheguei ao local.

A catedral não me pareceu tão bonita assim por dentro. Aquela estrutura não combina com a de uma igreja. Sempre imaginei igrejas turísticas como grandes catedrais góticas de estilo europeu. Para quem espera esse tipo de coisa, a Catedral de São Sebastião do Rio de Janeiro é uma grande decepção. Pouco patriótico, eu sei, mas, ainda assim, o sentimento foi inevitável. Para ser justa, devo dizer que a catedral tem seus méritos. Para começar ela tem um formato coneidal, isso era novidade. Em seu interior vemos quatro grandes vitrais que se estendem quase desde o chão da catedral até o teto, lá eles se encontram formando uma cruz. Já ouvi dizer, não lembro quando nem quem disse, que cada um dos vitrais representa uma das características da igreja. O vitral que se encontra bem à frente de quem entra pela porta principal simboliza a unidade da igreja. Das figuras que parecem no vitral, eu consegui distinguir a Bíblia e o Cálice da Salvação. O vitral que fica às nossas costas representa as pessoas que são chamadas a compor o rebanho do Senhor. Simboliza a catolicidade da igreja. Há alguns homens pintados nela, apesar desse vitral supostamente indicar a universalidade da igreja. À esquerda de quem entra, estende-se o vitral que representa a santissidade da igreja e os dons do Espírito Santo. Nele fui capaz de distinguir as figuras de maria e José. Por fim, a direita, o vitral que simboliza o fato da igreja ser apostólica. A imagem de São Pedro aparece nesse vitral.

Se me permite uma análise que está certamente fora de minhas capacidades, eu digo que o simbolismo mais interessante de todos era não o dos vitrais em si, mas o que surge da união dos vitrais trabalhados e as paredes de concreto bruto da catedral. A junção do humano, imperfeito, ranhoso com o divino cristalino e colorido.

Os bancos, por sua vez, eram arrumados para formar um semicírculo ao redor do altar, postados um ao lado do outro e em fileiras até o fundo. Sentei-me no último banco da última fila. Passado pouco tempo comecei a reparar que havia uma criança inquieta perambulando ao meu redor. Logo veio a mãe e o repreendeu, arrastando-o de volta a um banco mais adiante. Ri sozinha. Crianças são estranhas demais. Logo me preocupei, contudo. Será que era alguma coisa comigo que a fazia rir? Ajeitei o cabelo, passei a mão pelas roupas. Nada de errado. Comecei a olhar em volta procurando o motivo da diversão. Reparei quase com o sobressalto que havia uma figura encolhida em cima do banco logo ao lado do meu. Ao vê-la, senti seu cheiro. Como eu não havia reparado antes? Embaçado, encardido e esfarrapado, estava lá adormecido, um mendigo. Me refiz do susto virei-me para o altar e voltei a cantar.

Logo fui interrompida novamente. Novo susto. Um barulho surdo ao meu lado virou violentamente minha cabeça para o lado, o banco com o mendigo havia sido arrastado por três homens. Todos os barulhos a minha volta se tornaram ensurdecedores.

 

Um coração para amar, pra

Perdoar e sentir

 

            Soa a voz dos homens pela primeira vez.

– Levanta, cara. Você tem que sair.

 

Um coração pra sonhar, inquieto e

            sempre a bater

 

            – Vamos, cara!

E cochicharam entre si.

 

Ansioso por entender as coisas

            que tu disseste

 

            Puxaram o braço do homem pobre.

E eu não entendia o que estava acontecendo. Não sei se eu cantava ainda.

 

            Eis o que eu venho te dar – continuava a música –

Eis o que eu ponho no altar – e que não vale de nada, pensei – Toma, Senhor que ele é teu

            Meu coração não é meu

 

O mandigo puxou o braço de volta e grunhiu.

 

Quero que o meu coração seja tão

            cheio de paz

 

Ergueram o mendigo que agora não reagiu.

 

Que não se sinta capaz de sentir

ódio ou rancor

 

            Olhei enquanto carregavam o homem pelos fundos da igreja até uma das portas laterais, acima dela se estendia o vitral com a imagem de São Pedro.

Eles voltaram cantando.

 

Quero que a minha oração possa me

            amadurecer

 

E eu também voltei a cantar.

 

Leve-me a compreender as

            consequência do amor

 

Me levantei num salto e cruzei com os três no meu caminho em direção à porta lateral.

Saí por ela sentindo medo. Imaginando que haviam lançado o mendigo escada abaixo. Mas ele estava logo ao lado da porta, braços e pernas abertos. Eu não vi os homens colocando-o lá, mas tenho a impressão de que, na posição que foi colocado, ele ficou. Além do mendigo do lado de fora da igreja haviam algumas crianças correndo, alguns adultos falando ao celular e vendedores ambulantes. Sentei-me na escada e senti uma raiva incandescente emanando da indignação que senti. Não só havia expulsado um mendigo que para estar morto só faltava esfriar de tão quieto que estava, como eu também não havia sido capaz de mover um dedo para ajudá-lo! Pensei em ir lá pedir ao mendigo que entrasse comigo de novo na igreja e se deitasse novamente no banco onde estava.

Me aproximei dele e o cumprimentei. Ele não me respondeu. Expliquei o meu plano com animação e o grande significado que aquela atitude teria. Seria um símbolo de resistência e de luta contra a opressão! Falei que poderíamos gritar se aqueles homens viessem novamente e que eu não o abandonaria. Acrescentei que se isso acontecesse, o padre provavelmente seria obrigado a interromper a missa e que nós apareceríamos até nos jornais da TV. Ele não emitiu nenhum som. Nem se moveu. Uma mulher se aproximou enquanto eu pensava como reformular meu discurso a ponto de motivá-lo. Ela colocou um terço na testa dele, uma nota de cinco reais em sua mão aberta e um pacote de biscoito aberto do lado de sua boca. E ele não se moveu.

Me afastei e fiquei sem ação até depois do fim da missa. Até que a certa altura bateu um vento um pouco mais forte, provavelmente de dentro da igreja que agora já não tinha mais tantas pessoas que o opunham resistência, e a nota de cindo reais voou das mãos do mendigo. Como estava, ele ficou. Parado, displicente, um indigente perfeitamente indiferente às condições da existência, ou assim eu presumi.

Levantei-me para ir embora ainda indignada com os falsos ideais. Entrei novamente na igreja, precisava ir ao banheiro antes de ir embora. Vi uma mulher num canto mais adiante assim que voltei para dentro da igreja. Ela colocava dinheiro em uma caixa de oferenda. O banheiro era na mesma direção. Quando passei perto da caixinha reparei que a ponta de uma nota de dez reais estava para o lado de fora. Me aproximei decidida, apesar de apavorada.

A indignação pulsava em ondas dentro de mim agora misturada com adrenalina. Puxei a nota de dez reais e enfie-a no bolso. Me virei e saí com passos largos pela porta da frente. Parei num bar ali perto, comprei uma cerveja e um maço de cigarros e voltei para casa satisfeita.