Natalia.

Escrever a sua carta de gratidão não foi fácil.
Cara, tenho coisas maravilhosas e terríveis para falar da nossa amizade.
A gente viveu muita coisa.
Você foi, em alguns dos momentos mais difíceis que eu vivi, um arco-íris de alegria e esperança. Uma coisa que eu sei a seu respeito é que você é muito mais forte do que a sua aparência de fada delicada transparece. Por dentro você é o incrível Hulk e o Thor juntos. Desespero total assolando as tormentas da minha alma (e da sua também, por que eu sei que você sofre), e você resplandecendo a luz do foda-se de uma maneira que eu nunca vi em mais ninguém. Você me deu muita força para seguir em frente ao longo dessa vida e eu sou grata a você por isso.
As pessoas ficam se perguntando e elas também perguntam umas às outras se existem almas gêmeas. Sabe o que eu acho? A galera esquece que gêmeos não vêem apenas em pares. A minha alma tem algumas irmãs gêmeas e a sua alma é uma dessas irmãs.
Nós passamos sim muito tempo afastadas mergulhadas nos afazeres cotidianos que nos roubaram o tempo de um café mais de uma vez, mas a amizade que eu sinto por você já transcendeu o tempo e o espaço. Ela só se torna mais forte com o passar do tempo.
Acho, inclusive, que foi o universo que plantou em nossos corações o desejo de viver da arte para nos aproximar e nos possibilitar o imenso prazer de podermos trabalhar juntas. Eu nem acreditei que a gente já vendeu livros, nossos livros, que nós escrevemos, lado a lado.
E nessa jornada de artista, eu passei a te admirar ainda mais. Você é incrível e eu aprendo com você até hoje.
Não. Eu não estou satisfeita. Eu quero mais a sua presença física na minha vida. Mas, é importante que você saiba, na minha mente você está sempre presente.

Metáforas.

Você é o milho da minha pipoca

O ácido na digestão

Você é a cola da minha coca

A ideia na minha revolução

 

Você é a roda do meu carro

O álcool da tequila

Você é a volta de um barco

É amor na minha vida

 

Você é o casaco no frio

O oxigênio na combustão

Você é a água de um rio

O homem que me causa ilusão

 

Você é o grau da minha lente

É o meu ângulo adjacente

São seus os cabelos no meu pente

Ó, minha luz do sol poente

 

Você é o giz que risca meu quadro

É o solado do meu sapato

Tu és meu, somente meu amado

 

Você é o sangue em minha veia

O produtor em minha cadeia

Preso, atado em minha teia

 

Você é o fogo que me queima

E o band-aid que me cura

São tuas todas as minhas juras

 

(poema produzido durante uma aula chata do ensino médio em maio de 2007, que apenas anos mais tarde encontrou destinatário…).

“Por onde andam meus pés”? Dia 5.

A infância é bastante superestimada. As (poucas) memórias que nos sobram dela parecem sempre repletas de magia, paz e felicidade. Se a infância é isso tudo mesmo ou não, discutimos depois.
De qualquer modo, eu gosto de lembrar da infância, como tudo mundo. Mas eu geralmente me lembro mais da adolescência. Acho que ela foi mais agitada, teve mais emoções intensas e é bem mais fácil de lembrar.
Hoje meus pés me levaram de volta à essa época.
Depois do almoço (que acabou seis horas da tarde e estava delicioso) eu fui dar uma volta pelo bairro da minha avó (tinha que esperar o sol baixar também, não é? Vocês se lembram que eu disse que aqui é quente para cacete).
Fui parar na praça da Igreja onde eu passava boa parte dos meus finais de semana entre os treze e os dezesseis anos.
Cheguei lá já na intenção de relembrar o passado e pensar o que ia escrever no texto de hoje.
A primeira coisa que eu lembrei foi a quantidade de gente que eu conhecia na época. Fiquei me perguntando como eu, tão anti-social, conseguia conhecer aquela galera toda. Não passou um minuto, uma rapaz se aproximou e me pediu o isqueiro emprestado. Ele me perguntou o que eu estava fumando. Tabaco. Ele também já tinha fumado tabaco e achava muito bom. De vez em quando, ele fumava outras coisas também. Um amigo dele também adorava uma onda. Eu só no: Uhum…. Ele chamou o outro rapaz: chega aew!!! O menino veio. Acredita que esse outro rapaz, apesar de aparentar já quase trinta anos, não dormia com a luz apagada! Nem abajur servia. Tinha que ser luz acesa mesmo. Me pergunta como eu soube se tudo isso? Nem eu sei. Os garotos só chegaram e começaram a falar da vida. Eu nem pude pensar no que eu havia planejado pensar. Mas eu sai dali com todas as respostas. É assim que uma garota anti-social fez tantas amizades em um bairro do subúrbio: ficando parada por cinco minutos numa praça qualquer.
Os ares da adolescência são menos místicos do que os da infância, mas ainda tem um quê especial.
Me entende?
A voz do rapaz falando coisas aleatórias da vida dele como se me conhecesse há dez anos, o pessoal ali na quadra jogando bola, a conversa alta da galera na mesa ao lado, o motor das motos que passavam na rua, o canto da missa que estava rolando.
Eu passei a adolescência no meio desses sons. E esses mesmos sons continuam lá! Inacreditável.
O cenário da minha adolescência ainda está montado, eu que me aposentei daqueles palcos.
Eu não viveria tudo aquilo de novo nem se você me pagasse. Mas com certeza é bom juntar os amigos num banco de praça para relembrar os velhos tempos.

Tributo ao sofrimento adolescente.

Mai gosta de ouvir músicas de bandas desconhecidas e super melancólicas no youtube acompanhando as letras, cantando e chorando junto enquanto pensa em suicídio.

Quando Mai acorda pela manhã, com o celular despertando às seis e meia, ela abre os olhos com as pálpebras pesadas. Suas mãos geralmente demoram a encontrar o celular que fica todo dia exatamente no mesmo lugar em sua mesinha de cabeceira. Ela desliga o alarme e volta a dormir. Passam-se mais uns quinze minutos até sua mãe vir bater na porta do quarto, gritando. A mãe grita porque Mai já está atrasada para a escola. Mai levanta irritada, vai para a escola com raiva. Ela pisa forte no chão, olha para baixo, anda sempre com as mãos enfiadas no bolso de um casaco preto que ela usa mesmo no pior dos calores. O fone de ouvido fica na orelha até o professor mandar tirar na sala de aula. Ela tira o fone para ouvir os outros adolescentes rindo da sua inadequação. Onde estão os seus amigos, Mai? E, mais importante, cadê o livro, Mai? Só trouxe esse caderno velho de novo? Algumas poesias por aí, rasgadas. E página depois de página, as folhas do caderno estão tomadas por rabiscos circulares feitos com caneta preta. Ela coloca a caneta na ponta da página e vai desenhando círculos até chegar ao centro do papel e ela continua riscando e riscando e riscando. A folha rasga, a caneta acaba e ela risca e risca e risca. Quando se dá conta ela está em casa com uma lâmina na mão fazendo mais um corte no braço. As bandas desconhecidas estão tocando no computador, ela canta junto e chora muito. A dor emocional é insuportável para ela. Dói. O clichê dói para caralho. Naquele momento dói mais do que tudo no mundo. Os cortes na pele são cada vez mais profundos. Seu sofrimento era clichê, até seu braço era clichê. Eles sangram como todo braço quando cortado por uma lâmina. 

No final, temos mais uma adolescente que tinha tudo para vencer na vida morta por suicídio.