Adeus ao Museu Nacional. 

O museu queimou de verdade. As primeiras noticias que eu vi, eu não acreditei. Pensei: é aquele amigo bobo postando fake news de novo. Mas aí começaram a pipocar as reportagens, apareceram os testemunhos e as notícias no rádio e na TV e, ainda assim, a ficha demorou a cair.
Eu vou abrir meu coração e dizer para você que eu já sofro com os objetos históricos não encontrados ou já há muito tempo perdidos. Explico. Eu me pego pensando, de vez em quando, se não existem objetos valiosos soterrados, por exemplo, debaixo das grandes cidades. De baixo do concreto, do asfalto e dos prédios do Centro da Cidade. Às vezes eu me pergunto: será que antes de construírem alguma coisa, eles reviram o solo e se certificam de que não há nada de valioso enterrado ali?
Lá na Gamboa, vale a pena conhecer, existe o Memorial aos Pretos Novos. Quando era feita a travessia dos negro escravizados pelo Atlântico para o Brasil, muitos sucumbiam às doenças e aos maus tratos. Quando chegavam aqui, seus corpos eram jogados em covas coletivas e a localidade era conhecida como cemitério dos pretos novos. Os historiadores sabiam da existência desse cemitério, ma sua localização era completamente desconhecida até 1996, quando foi feita uma obra na fundação de uma casa localizada na Gamboa. Com as primeiras escavações da obra, foram encontradas ossadas humanas pertencentes aos negro mortos. Eu chorei e fiquei arrepiada da primeira vez que ouvi essa história.
Deve ter muita coisa enterrada por aí que a gente não conhece.
Outra questão que me traz muita reflexão e pesar, é a curiosidade e o pesar por artefatos há muito perdidos. Como é o caso da Biblioteca de Alexandria. Eu já investi algum tempo de vida imaginando o que havia lá.
Então imagina a situação quando eu realmente me dei conta do que havia acontecido com o nosso museu. É realmente difícil de acreditar. Extremamente lamentável.
O conhecimento é o que nos faz andar para frente e o que dá o fôlego da luta de quem não quer repetir as atrocidades do passado. Conhecimento é o poder de construir um mundo melhor. A ausência dele significa atraso, doença, desigualdade, injustiça, terror.
No fundo, no fundo, eu não choro nem pelas peças que estavam lá (espero que tenham registro de tudo), o que é verdadeiramente assustador é o que esse descaso representa e o futuro que ele anuncia. Junte isso com a situação da educação e se pergunte o que dá para esperar do futuro deste país.

Link do Memorial dos Pretos Novos: http://www.museusdorio.com.br/joomla/index.php?option=com_k2&view=item&id=83:memorial-dos-pretos-novos#sobre_o_museu.

Adeus.

Não tem um jeito fácil, nem bom de falar sobre isso. O próprio motivo desse texto existir vem de uma profunda incapacidade de processar os sentimentos dessa situação.
Eu lembro que antes da gente se mudar, eu estava tão triste durante boa parte dos dias e teve um específico que eu tava em casa… E eu digo casa porque é isso que esse lugar vai sempre ser pra mim: minha primeira casa, meu primeiro lar, por vontade própria pelo menos. Só hoje eu entendo a importância que isso teve pra mim. Enfim, teve esse dia que eu tava nessa minha primeira casa e ela chegou. Eu não lembro direito o estado de espírito em que eu estava antes, mas assim que eu a vi eu soube que eu precisava abraçá-la. E quando eu a abracei eu comecei a chorar, e chorar muito, muito mesmo, de não conseguir falar direito, quase como choro agora escrevendo essas palavras, como talvez chore também quando ler em voz alta e talvez também algumas vezes antes e depois disso.
Chorando eu comecei a lembrar e a falar do tanto que a gente viveu em quase cinco anos morando juntos, dividindo esses menos que 40 metros quadrados. Lembrei, como lembro agora também, desde antes da gente começar a morar aqui, de quando vim aqui com alguns amigos encher cano de pvc com argamassa pra se proteger nos atos. Antes disso ainda, eu lembro do clima ruim que ficou com a mãe dela quando a gente foi comprar piso novo, ou alguma outra coisa na Leroy Merlin do lado do Norte shopping e na hora de colocar no porta mala, esquecemos a tampa da mala que fica atrás do banco no estacionamento. Lembrei do clima ruim que ficou com a minha mãe quando a gente se mudou daqui. Lembrei de quando a gente botou internet aqui, de quando botou o ar condicionado que só ficou aqui um ano e foi embora junto com a gente, da parede de dry Wall com o qual a gente conviveu pouco tempo também e que só pagamos metade até hoje. Lembro de comprar os pufes, também antes de vir pra cá na Praça Dois. A gente tinha visto eles juntos antes e ela tinha dito que tinha gostado. Eu os comprei pra fazer uma surpresa. Uma das poucas e primeiras coisas que eu comprei sozinho para a nossa casa. Lembro de como a casa foi enxendo de coisas, de livros, de roupas, de mais livros, de tralhas de todo o tipo, de uma estante maior pra botar mais livros.
Lembro de quando a gente prendeu o suporte na TV na parede com a ajuda dos amigos e ela ficou meio tortinha, como ficou também na nossa nova casa. Lembro da feijoada que a gente fez e do 7 a 1 que vimos juntos, com muitos amigos.
Lembro muito também das vezes que alguém dormiu aqui, um amigo mais vezes que todo mundo.
Das conversas, das noites viradas de estudo, fazendo relatório ou tentando fazer 100 questões de termodinâmica. De tomar cerveja no bar, inclusive no dia que a gente foi atacado no ato e depois foi no hospital tirar raio X. Lembro das reuniões políticas, das vezes que os amigos passavam aqui pra estudar e acabavam só tirando um cochilo antes de ir pra casa, da vez que um casal de amigos passou aqui antes de ir num show na Lapa, conheceram um outro amigo que ja estava aqui e ainda me apresentaram o estranho desenho do Steven Universo.
Lembro do senhor pigarro e do seu gosto musical impecável, lembro da senhora do churrasquinho e das noites que ela garantiu nossa janta, lembro de ter conhecido um dos melhores self-services do mundo, lembro do stress com uma tal pizzaria e de tantas vezes que o chuveiro queimou, até a vez que o apartamento quase pegou fogo.
Lembro das nossas brigas, dos nossos choros, desse choro de agora que eu vou lembrar pra sempre. Das nossas declarações de amor, das nossas risadas, das vezes que a gente fez sexo pela casa, inclusive no banheiro quando tinha gente dormindo aqui.
Lembro da gente planejando o casamento, fazendo todo aquele brigadeiro… Lembro da gente escrevendo os nossos votos no dia anterior. Lembro de mim, me arrumando no dia do casamento. Das palavras de amigos tão queridos que ajudaram esse dia a ser tão especial.
Lembro da gente comendo coração de frango com banana à milanesa e vendo TV. Meu Deus… quanta TV a gente assistiu, quantos filmes e séries, todos os cigarros que fumamos, todos os livros que lemos e de eu ter terminado de ler em voz alta para ela o livro do Harry Potter e as Insígnias da Morte um dia antes da gente se mudar, da primeira e única vez que tivemos uma certa experiência psicodélica juntos.
Lembro de quando começamos a jogar Pokemon Go e do primeiro Dragonite que pegamos juntos numa rua bem aqui do lado. De ir na Biblioteca Parque aos sábados.
Tanta coisa. E eu me pergunto agora “pra onde vai tudo isso?”, da mesma forma que eu me perguntei nesse dia antes da mudança. Pensando nisso tudo que a gente viveu, nas pessoas que passaram por aqui, que fazem parte das nossas vidas, que é só um lugar, eu não consigo pensar numa resposta que consiga fechar esse buraco dentro do peito.
A gente aprende que o tempo não volta para trás e que os bens materiais não importam tanto, mas eu não entendo porque nada disso parece consolar nessa hora. Talvez porque cada tijolo dessa casa, da Pantera, ajudou a gente a fazer desse pequeno apartamento um lar perfeito, tão cheio de amor, amizade, risos, choros. E foi tudo tão real, com tanta força e tanta intensidade. Eu não sei pra onde vai tudo isso agora, mas eu espero que cada um siga carregando as lembranças que tem desse lugar e que isso sirva para alegrar os dias tristes que possam vir e fazer lembrar que mesmo os tijolos sendo diferentes, sempre teremos um lugar pra se encontrar e reviver nossos amores e amizades dentro dos nossos corações.
Eu agradeço a todos pelas lembrança maravilhosas e a você, meu amor, eu agradeço mais ainda por todo o apoio e presença na minha vida. Por ter tornado possível essa experiência de conhecer e ter vivido nesse lugar. De todas as pessoas do mundo, nenhuma teria sido a melhor pra ter compartilhado esses anos e essas experiências na minha vida. Houve muito amor nessa casa e você é a maior razão disso.
A você, apê, se eu acreditasse que você pudesse me entender ou sequer me ouvir, eu diria que eu nunca vou me esquecer de tudo que eu vivi aqui com as pessoas que eu mais amo nesse mundo, vou me lembrar sempre de você ter sido um teto tão confortável e aconchegante. Quem sabe um dia a gente se encontre novamente, mas até lá eu só tenho mais uma palavra pra dizer: “Obrigado”.

Adeus ao adeus.

Como fazemos para nos despedir?
Dizemos tchau, adeus, até mais ver.
Não.
Jamais vou conseguir me despedir.
Já disse tchau, adeus, até mais ver.
As lágrimas vão caindo e caindo.
O soluço vai aumentando, aumentando.
A sensação é de morte. Eu tô morrendo um pouquinho, você está morrendo.
Do que morre não dá para se despedir.
Essa despedida derradeira vai sempre ficar engasgada na garganta de toda a humanidade.
A gente não engole a morte.
Nem diz tchau, adeus, até mais ver.
As palavras são roubadas pelo susto.
A morte é sempre um susto.
O maior de todos os sustos.
Mesmo quando ela é anunciada, quando sabemos que ela está dobrando a esquina; ela bate na porta de casa, nós pulamos de susto.
Daquele susto que nos deixa brancos, com os cabelos em pé, a alma tremendo, encolhida atrás da carcaça inútil da qual se retira.
Sem poder dizer tchau, adeus, até mais ver, a gente absorve.
Frente à totalidade da morte a gente absorve.
Absorve a essência do que se iria, mas não vai. Nunca. Vai ficar aqui. Para sempre. Dentro de mim.
Não vou largar, nem abrir mão.
Sua moradia não é mais a tua carne, mas eu te ofereço o meu coração e a minha alma inteira.
Fica aqui que está quentinho. Eu vou pegar um vinho para a gente. Senta que eu já trago uns queijos e um docinho.
Você pode ficar aqui para sempre.