Raiva. 

Eu quero que você saiba que eu estou muito puta com você. Eu passei o dia fervendo de raiva. Muita raiva. Tremendo de raiva. Minha vontade era de socar a parede fingindo estar socando a sua cara. Mas eu não soco paredes. Eu escrevo parágrafos e parágrafos de desabafo repletos de imaginação. E assim, a minha raiva se torna produtiva e positiva e eu crio algo universal a partir dela. Deste modo eu me vingo e lido com as minhas emoções enquanto você fica aí sendo babaca e desperdiçando oxigênio e fazendo nada; eu ainda estou aqui usando sua traição para cumprir mais um dia da minha meta. Eu vou me superar a cada dia, enquanto você canta vitória e fala mal de mim pelas minhas costas. E a melhor parte? Se você ler isso, você não vai jamais ter certeza de que eu estou me referindo a você! Eu sei que essa pergunta vai ficar martelando na sua cabeça: “Será que era para mim aquele texto”? E você NUNCA vai ter certeza e esse requinte de crueldade estilo tortura psicológica Hollywoodiana me deixa feliz e excitada para caralho! Hahahhaha (risada malévola).

Resenha: “Assassinato no Expresso do Oriente”.

Aviso: este texto contém spoilers.

O filme Assassinato no Expresso do Oriente é irresponsável.
É importante deixar claro que eu não li o livro. Falo especificamente do filme. Mas, se o diretor usou da sua liberdade artística para fazer modificações no enredo ou se ele não usou dessa liberdade, os dois casos são igualmente lamentáveis.
No filme, o investigador Hercule Poirot, após resolver rápida e miraculosamente o caso do roubo de uma relíquia religiosa em Jerusalém, é convocado numa nova missão que o leva a pegar o trem Expresso do Oriente em direção a Londres.
A certa altura da viagem, que duraria vários dias, um homem é misteriosamente assassinado. A tensão aumenta pois, além do assassinato, o trem sofre com um descarrilhamento após ser atingido por uma avalanche de neve.
A tarefa de investigar o assassinato antes do trem alcançar seu destino final recai sobre o investigador.
A partir daí, acompanhamos os interrogatórios conduzidos por Hercule Poirot com os passageiros. Começa a vir à tona, a partir de pedaços de informações garimpadas dos discursos dos doze passageiros a bordo do trem, a história de um outro crime ao qual muitos dos passageiros pareciam estar conectados. Tratava-se do sequestro e assassinato de uma criança.
Ao final do filme a trama chega ao clímax quando o bigodudo confronta de uma só vez os doze passageiros. Numa cena pretensamente comovente, descobrimos que todos estavam mancomunados na execução do crime.
No fim das contas o assassinado havia sido o suposto perpetrador do sequestro e assassinato da criança, o que, de uma forma ou de outra, afetou a vida de todos os passageiros do trem.
Hercule Poirot se defronta com um grave dilema moral: o investigador acusava os doze pela execução brutal de um sequestrador e assassino de crianças ou encobria a vingança? Afinal, os doze eram pessoas de bem, não eram assassinos por natureza, apenas pessoas amargurados que haviam sofrido uma terrível injustiça, que tiveram suas vidas paralisadas ou destruídas há muitos anos atrás e que buscavam, uma vez que a polícia havia falhado em encontrar o culpado da violência sofrida pela criança, fazer justiça com as próprias mãos.
Poirot “decide com o coração” e ignora os fatos que havia descoberto, encobrindo a verdade, para que aquele grupo de pessoas pudessem seguir suas vidas e tentar viver em paz dali em diante.
É verdade que a discussão a respeito de se o que é ilegal é necessariamente errado é longa e tem as suas nuances. No entanto, há casos em que o convívio social já avançou satisfatoriamente. O fato de considerarmos o assassinato uma coisa errada, tanto do ponto de vista legal quanto social, é uma das coisas positivas do avanço da organização dos seres humanos em sociedades (pena de morte também discutida a parte em outro momento). O que o filme faz é glorificar e romantizar uma prática extremamente reacionária, retrógrada, atitude que já deveria ter sido superada há anos. Essa atitude, no filme, se torna ainda mais grave porque vem encarnada na figura do personagem que representa a razão universal e a força da moralidade humanista.
Isso sem contar com o fato de que o filme deixa completamente de lado a exploração do caso da criança. Se tratou apenas do uso deliberado de uma violência brutal apenas para colocar em cena outra violência brutal. A criança em si foi apenas um peão completamente esvaziado de vida.
Em segundo lugar, a própria vingança foi “necessária” pois a investigação oficial do caso não levou a lugar nenhum. Foi malfeita, corrupta e descuidada. De modo que o filme não convence o expectador curioso em relação à trama de que o homem assassinado no trem era de fato o culpado do assassinato da criança. Esse descuido com a fundamentação do enredo de uma história tão séria faz com que o sentimento incitado na plateia seja o de aceitação inquestionável da culpa do suposto vilão e da validação da premeditada vingança com requintes de crueldade.
O filme não nos leva a refletir sobre os limites dessa prática de linchamento. É muito fácil odiar um assassino de crianças, mas a história está cheia de supostos assassinos de crianças, bruxas, comunistas, judeus etc. que foram perseguidos e mortos por cidadãos de bem sem direito às mínimas garantias da sociedade liberal a um julgamento justo e ao respeito pelo valor intrínseco da vida humana.
E nós ainda podemos ir além. Se cruzarmos o limite ético da proibição do assassinato onde iremos reestabelecer este limite?
Mataríamos apenas assassinos de crianças? E os assassinos dos adultos? Resolveríamos estender a concessão a eles também? Os assassinos passionais se distinguiram ainda dos premeditados? E os assassinatos culposos, e as mortes decorrentes de falhas humanas, e os médicos que receitam remédios para pessoas que acabam utilizando-os para cometer suicídio? Pode ser que você, leitor, considere este último caso absurdo, mas talvez a mãe de um jovem que usou a medicação prescrita pelo psiquiatra que falhou em salvar a vida do filho dela veja as coisas de outra forma.
E aquelas pessoas que ficam muito, muito, muito irritadas quando são assaltadas? Pode ser que elas passem a achar justo matar os ladrões (que vira e mexe já são linchados).
O sentido da nossa argumentação não é moralista. É perfeitamente compreensível que uma pessoa que teve seu ente querido assassinado seja tomada por um desejo de vingança. Não estamos nem discutindo a questão da vingança em si. O que é inadmissível é que a figura de autoridade, a lei, julgue tais crimes de maneira parcial, fora do que a lei permite. E é exatamente isso que acontece no filme, a figura do investigador que representa a integridade ética social cede à barbárie e valida um crime meticulosamente arquitetado, deixando livre e nos fazendo sentir uma piedade acrítica por uma gangue de assassinos linchadores.

“A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”.

Claro. Qualquer texto sobre vingança tem que começar com esta frase. Se não, não se trata de um texto sério.

Estou fazendo alguma piada? Não.

Eu ouvi o Seu Madruga repreender o Chaves por querer dar uma martelada na cabeça do Quico afirmando que: “a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”.

Mas… em outras trocentas vezes, o Chaves fazia merda, o Quico reclamava, a Dona Florinda acudia e achava que a culpa só podia ser da “gentalha”, ela batia no Seu Madruga – a gentalha – e este ia atrás do Chaves e dava um cascudo nele enquanto vociferava: “é tudo culpa de quem?!”. E eu ficava: “whaaaaat?”.

Eu recebi mensagens confusas do Chaves durante a minha infância em relação a essa história de vingança. Afinal, é bom ou ruim?

Fiquei anos me debatendo, em crise de consciência, por conta dos desejos de vingança que me assolavam e os perdões que eu não conseguia emitir.

Eu realizei vários tipos de vingança ao longo da vida:

– eu já escrevi coisas horríveis a respeito de certas pessoas nos meus diários;

– eu já escrevi o nome da pessoa que eu não gostava em uma folha de papel e queimei a folha;

– eu já surrupiei pequenos objetos de lojas para me vingar do sistema capitalista;

– eu já falei mal de alguém pelas costas;

– eu já esfreguei mentalmente os meus feitos na cara de outras pessoas, imaginando;

– eu já escrevi textos com finais horríveis para pessoas horríveis.

– eu traí meu “companheiro” em relacionamentos pretensamente amorosos.

Bom, essas dentre outras coisas. E depois de cada uma delas eu me sentia um pouco mal e um pouco bem.

Várias lições de moral ficavam ecoando na minha cabeça e me deixando tonta e com mais raiva.

Já tentei perdoar também. Repetir mantras positivos, desejar o bem a quem me fez o mal. Me prometeram que perdoar significava se livrar dos sentimentos negativos e seguir adiante com a própria vida, quem sabe até esquecer. Foi então que eu aprendi que perdoar é difícil para caralho, ou eu tenho uma mega de uma falha moral de nascença que me impede de conseguir perdoar.

Com o tempo, contudo, o que eu pensava sobre perdão e sobre vingança mudou completamente.

Existem vários graus diferentes de intensidade e de repercussão do comportamento vingativo e do perdão também.

Eu sei que eu já me vinguei muito nessa vida e eu me lembro mais das vinganças em si – que foram prazerosas ou emocionantes – do que do acontecimento ou da pessoa de quem eu estava me vingando. Simplesmente não é verdade que a vingança consome a pessoa que quer se vingar. Às vezes ela alivia a sua frustração e o seu sentimento e você pode seguir em frente com a sua vida. E quanto ao perdão, algumas vezes é tão difícil perdoar, é necessário fazer tanto esforço para conseguir perdoar, que você acaba se sentindo consumido pelo fato que não sai da sua cabeça, além de se sentir incapaz e essencialmente mau por falhar na tarefa de perdoar quem te ofendeu.

Categorizar tanto a vingança quanto o perdão como algo simplesmente bom ou ruim é um erro. Nada nesse mundo é tão preto no branco. (Se a sua mente já foi parar nos psicopatas, segura! Eu não vou falar sobre isso neste texto. Prometo um para o futuro).

A vingança pode ser positiva e o perdão pode acabar sendo negativo.

Sim!

O problema é que quando pensamos em vingança logo imaginamos algo bastante sanguinário e violento. A vingança, na maioria das vezes não é assim. A vingança pode ser simples e libertadora.

Primeiro podemos dividi-la entre pública ou privada.

A vingança pública ocorre quando nossa ação vingativa tem efeitos diretos ou indiretos sobre outras pessoas: por exemplo, quando você fala mal de outra pessoa ou quando você dá um soco em alguém.

A vingança privada ocorre quando você realiza algum tipo de ritual privado que satisfaz o seu desejo de vingança: por exemplo, falar mal de uma pessoa em seu diário.

Afirmo que a vingança privada é saudável e tem um potencial para desencadear algum efeito maléfico próximo do zero.

Quanto ao primeiro tipo de vingança ao qual me referi, a vingança pública, precisamos ainda categorizá-la quanto ao grau de impacto que ela causa.

Acredito que ela tem cinco graus de impacto no que diz respeito a publicização em si da vingança. De mais leve para o mais grave esses graus seriam: a sua ação afeta a pessoa que é alvo da sua vingança, mas ninguém jamais descobre ou fica sabendo, nem mesmo a própria pessoa (por exemplo, aquela vingança mítica em filmes de Hollywood de cuspir no copo de outra pessoa. A pessoa foi afetada, pois vai beber o seu cuspe, mas ela nunca vai saber. Nem ela nem ninguém). No segundo grau, outras pessoas ficam sabendo da vingança, mas não aquela que é alvo da ação (quando se fala mal de alguém pelas costas). No terceiro grau, a pessoa fica sabendo da vingança de que foi alvo, mas as outras pessoas não (quando você xinga uma pessoa em particular). No quarto grau, a pessoa que é alvo da vingança, bem como terceiros ficam sabendo do que aconteceu (quando você faz um post maldoso no facebook jogando merda no ventilador e dando nome aos bois). Finalmente, no quinto grau, há violência física envolvida na vingança (não importa se se trate de um soco ou de um assassinato).

O quinto grau que eu descrevi acima acredito ser essencialmente mau. Independentemente da gravidade da agressão. Eu sou contra a agressão física na vida real. (Não precisa dizer o óbvio, não é? Lógico que euzinha mesma prefiro levar um soco do que ser assassinada, mas esse é um tipo de relativização que tem a vida como termo de comparação. E não valores morais, como é o caso na discussão sobre a vingança).

A exceção deste quinto item e do caso da violência privada, acho que não é tão fácil dizer que a vingança é essencialmente boa ou ruim.

Eu sei, eu sei. Eu apenas desloquei a relação maniqueísta para outro lugar. Isso mesmo. Mas eu acho que assim está certo e do jeito que a gente aprende normalmente está errado.

Mas ainda é necessário, para encerrar o capítulo sobre a vingança, fazer mais uma distinção. As consequências da vingança para a pessoa que a sofre.

Nesse caso eu faria quatro distinções: a pessoa pode defecar e caminhar para a vingança; pode reagir e procurar se vingar da vingança que sofreu; pode sofrer com as consequências da vingança experimentando sentimentos negativos, situação que culminaria no suicídio.

Vale ressaltar que essa distinção se aplica quando se trata de vingança pública, dos graus 3, 4 ou 5.

Nenhuma dessas distinções sobre as consequências para a pessoa que sofre a vingança eu incluiria confortavelmente no meu novo maniqueísmo.

Bom, falta pensar como o perdão pode acabar sendo negativo.

Eu ligo menos para o perdão, então não pensei muito sobre isso ainda. Mas, preliminarmente, o que eu penso é o seguinte: eu só me esforço por perdoar aquelas pessoas das quais eu me sinto incapaz de me vingar.

Quem são essas pessoas? Ou são pessoas que me afetaram tão imensamente que nenhum cenário possível dentro das minhas restrições morais daria conta do sentimento negativo que eu sinto (por exemplo, as pessoas que assassinaram meu pai), ou as pessoas que eu amo e por isso eu sempre quero perdoar.

Me esforçar para perdoar qualquer outra pessoa que não as que se encontram nesses dois extremos sempre me dá mais dor de cabeça do que qualquer outra coisa.

Quando a pessoa está em alguma área entre as duas que eu citei eu me vingo logo e sigo com a minha vida.