Pinte sua dor de azul. 

O que é a raiva e o que são frases bonitas se não coisas que colorem a vida neste meio tempo em que estamos aqui.
Dizer que a vida é uma merda, não é a mesma coisa que dizer que viver é ruim. Em outras palavras: a vida é uma merda, viver é uma maravilha.
Olhe em volta. Há muita injustiça, fome, guerra, violência, preconceito, ódio. A gente vai morrer, certamente, e, ainda assim, ninguém fala sobre a morte e consideram-se anormais, patológicas e doentias a ansiedade e a tristeza profundas, quando não há nada de mais humano que sofrer pelas nossas misérias. Ainda assim, não vale a pena passar a vida se lamentando. Temos que aproveitar com todas as forças. Alegria ou tristeza, isso é o que colore a vida. Então, pinte sua dor de azul para que ela fique bonita e sorria sempre que não estiver chorando.

O rumo da vida. 

Todos esses dias iguais de trabalho.
Toda essa vontade de fazer as coisas de um modo diferente.
Como fazer a vida ser do jeito que a gente quer?
Como é que a gente quer a vida?
Na época da escola, eu só queria férias, mas nas férias eu sentida falta da rotina de estudos.
Como criar equilíbrio entre estes diferentes aspectos?
A vida precisa ser do jeito que a gente quer para que sejamos felizes?
Eu cresci assistindo filmes da Disney nos quais o príncipe e a princesa viviam felizes para sempre no final, aparentemente com uma fortuna que os sustentasse a eles e aos seus filhos e netos até a décima geração. O trabalho geralmente era a punição da mocinha antes dela ser resgatada. Minhas fantasias a respeito da vida perfeita definitivamente não são reias.
Como então querer algo real e bom?
No fim das contas, eu não conheço uma vida que seja feliz e equilibrada. Todos a minha volta então querendo algo, na vida deles também está faltando qualquer coisa.
Como confiar no que eu sinto e sentir o que é verdadeiramente importante para mim?
Eu olho para a parede e penso pesadamente sobre cada uma da palavras que escrevo. Isso quebra o ritmo desse texto de insatisfação por tempo suficiente para meu marido passar pela sala, meu gato pular na janela. Eu lembro que amanhã eu não vou acordar cedo e avalio que minha saúde não está tão mal assim. De algum modo meus pensamentos parecem encarar o abismo, mas nenhum sentimento de profunda e real insatisfação me castiga agora. Como continuar essa reflexão? É melhor apagar o texto e começar de novo? Não.
Eu preciso me cuidar mais? Sim. Eu quero trabalhar menos? Sim. Seria bom viajar qualquer dia desses? Certamente.
Quando eu estou na rua sentindo saudades de casa eu choro? Muito. Quando o dinheiro aperta eu me desespero? Terrivelmente. Quando eu erro, sofro? Horrores.
Esses altos e baixos, ainda assim, parecem bonitos a distância. Como a cordilheira impenetrável do meu passado, cheia de mistérios. Uma travessia que me deixa boquiaberta. Majestosa. Me dá prazer contemplá-la e, de algum modo, tanto a alegria extrema quanto o desespero se dissipam e eu aprecio uma calmaria agradável e confiável. Depois eu respiro, olho para frente, e atravesso mais uma de muitas montanhas. No fundo do vale a noite é densa e o sentimento é obscuro, nas planícies, a visão é ampla e eu posso correr e descansar, nos cumes há muita excitação e um deslumbramento inigualáveis. Depois que acaba começa tudo de novo, só que diferente. E tudo parece novo, lindo e delicioso de novo. Os pensamentos sempre profundos, mas a vida boa e sempre valendo a pena.

Hospital. Parte III.

Acordei ainda no centro cirúrgico. Depois da cirurgia, ainda bem. Tremendo loucamente e me coçando inteira. Não lembro o que eu falei, mas lembro que comecei a falar sem parar. Me reasseguraram dizendo que eu podia me acalmar e eu respondi que, por favor, se não fosse incomodar, eu gostaria de continuar falando. A médica vinha e ia e falava alguma coisa comigo também, mas eu tampouco me lembro das coisas que ela disse. A primeira coisa que eu recordo especificamente foi de ter tomado uma injeção uma perna com um anti-alérgico. Depois, o medo de fazer xixi ali na mesa de operação. Correram para me pegar uma comadre. Difícil fazer xixi no meio de todo mundo, mas depois de um pouco de concentração eu consegui. Será que isso é normal? Todo mundo acorda ali assim naquela situação?
Com o tempo, tudo foi passando. Eu não sei dizer se eu estava realmente nervosa naquele momento, talvez sim, ou se eram só reações físicas. Eu acho que eu acordei com a sensação de que havia algo errado, embora eu não entendesse o que estava acontecendo. Foi tudo muito tenso e desagradável.
A anestesista me disse que eu havia sofrido uma reação alérgica, mas que já estava tudo bem. Ela foi embora, eu ainda estava no centro cirúrgico.
Tive que ficar a noite no hospital em observação por conta disso.
Eu acho que eu teria ficado no quarto refletindo sobre a vida e a morte se eu não tivesse dormido até o dia seguinte de manhã. Acordei para comer e fazer xixi e ponto. Sem ânimo para reflexões filosóficas.
Parece que em uma cirurgia passada eu devo ter tido alguma pequena reação alérgica que os médicos ou não me informaram ou nem sequer perceberam. Essas reações alérgicas são assim: a cada vez que você tem, acumula anticorpos e aí, da próxima vez a reação alérgica é pior. Então, dessa vez eu ainda não tive nada crítico, aparentemente, da próxima vez pode ser muito, muuuuito pior. Ela recomendou que eu procurasse um alergista para investigar melhor essa situação.
Agora, na parte da reflexão filosófica, sinceramente parece meio irreal que algo de errado tenha acontecido. É tudo muito pouco palpável, pouco concreto. Difícil refletir sobre essas coisas. Eu estava desacordada quando algo no meu corpo deu problema. O que pensar a respeito disso? Se não fosse por ter acordado daquele jeito, para o meu conhecimento, nada teria acontecido. Esquisito demais.
Não sei o que pensar a respeito. A cirurgia foi um sucesso? A situação foi ou não foi grave? Eu deveria sentir que voltei à vida?
Não sei de nada disso. A experiência parece escorrer pelo meio dos dedos quando eu tento pensar sobre ela.
A diferença que tudo isso fez e vai fazer ainda na minha vida é majoritariamente devida à dor original. A dor da bartolinite que me levou ao médico em primeiro lugar. A médica disse que era algo genético. Não foi nada que eu fiz que me levou a ter isso, não há nada que eu posso fazer para evitar ter de novo, mas eu certamente sinto que preciso fazer algumas mudanças na minha vida. Minha próxima tarefa é continuar dando passos nessa direção.
Saí do hospital apenas com essa certeza de que algo precisa ser feito. Alguma coisa precisa acontecer de diferente do que tme acontecido. Espero manter essa convicção por tempo suficiente para que as mudanças realmente aconteçam. O primeiro passo agora é descobrir o que e como eu tenho que reorganizar na minha vida. Depois, eu tenho que agir.

Abertura de Possibilidades na Polis.

 Capítulo I

O caso específico da morte como escolha refletida é posta ao lado da razão no mundo grego, devendo ser avaliada e tida como solução para uma vida desonrosa. É notável a multiplicidade de argumentos e concepções que envolvem as correntes filosóficas gregas e, mesmo dentro dessas, tantas outras ocorrências particulares. As abordagens sobre o tema apontam para opiniões acerca do suicídio que envolviam repúdios e glorificações. Havia na Antiguidade, certo reconhecimento da nobreza do ato e as posições favoráveis eram muito mais frequentes do que em períodos históricos posteriores. Não se trata de um período legitimador do ato, mas sem dúvida, não havia elaboração de severas interdições.

Como ilustrativo do afirmado pode-se recorrer ao exemplo de uma série de personagens históricos ilustres tais como os suicídios patrióticos de Temístocles e Demóstenes; o suicídio por remorso de Aristodemo; suicídio para escapar a decrepitude da velhice de Demócrito; suicídios filosóficos por desprezo à vida de Zenão, Hegésias, Diógenes e Epicuro; suicídio por amor de Panteu, Hero e Safo (Minois, 1998, p.61). (É muito pobre geralmente a pesquisa de um trabalho monográfico. Não por desinteresse do aluno, mas porque o aluno é extremamente limitado no que ele pode dizer em uma monografia. Ele ainda não é o produtor do conhecimento, ele é o reprodutor do mesmo. Na monografia, a tarefa do aluno é basicamente a de mostrar que ele é capaz de ler e compreender um determinado número de escritos consagrados de diversos autores e reproduzir o conhecimento que ele adquiriu nas próprias palavras. Esse é um trabalho que me parece um bocado vazio de significado. Para que serve esse resumam feito pelo aluno ao final de uma graduação? Mais uma rebuscada prova de que ele absorveu conteúdo da maneira tradicional. Pior ainda é o destino do trabalho monográfico no mundo acadêmico. As monografias não são bem vistas como referências bibliográficas nem mesmo de outras monografias. No mínimo, para você citar em um trabalho acadêmico ou em um artigo, você pega uma dissertação de mestrado. E olhe lá! Não é das referências tidas como mais confiáveis ou “nobres”. Bom, tendo em vista esse estado de coisas, nos limitamos a repetir o que os autores consagrados disseram. Messes espírito, eu repeti os exemplos citados por Minois na minha monografia. Eu pesquisei sobre cada um dele para saber o que tinha acontecido, pois o autor não entra em detalhes, mas mesmo assim eu não deixo de sentir um certo incômodo, sabe? Foi ele que fez a pesquisa e não eu. Eu imaginava que pesquisar, academicamente falando, era ir até a biblioteca e desenterrar coisas desconhecidas. Essa foi uma expectativa frustrada…)

Entre os pré-socráticos não são encontradas muitas menções ao tema, exceção feita aos pitagóricos. Opondo-se radicalmente ao suicídio, argumentam que, por ser esta uma morte violenta, ela desequilibra as relações matemáticas que ligam a alma ao corpo. (Eu me lembro de ter achado a maior loucura essa coisa de que as relações que ligam a alma ao corpo são da ordem de equações matemáticas! Muita viagem! Dava para escrever uma ficção científica em cima dessa ideia. Eu procurei pela equação na época e não consegui achar nada. Agora, relendo a monografia, bate novamente a curiosidade: será que os caras chegaram a escrever essa equação? Esta aí uma coisa que eu gostaria de ver). Ademais, haveria, nesta vida, um propósito a ser cumprido do qual não se deve evadir, pensamento que explicita a importância dada pelos pitagóricos às questões espirituais, em consonância com sua herança órfica (Oliva e Guerreiro, 2000). (Essa herança órfica eu me lembro de ter dado um trabalho para entender na época. Difícil encontrar informação de fontes utilizáveis na monografia, sobre o tema. Iria dar muito trabalho. Como todo aluno sensato, eu só mencionei com a referência de onde o leitor poderia encontrar mais sobre o tema e deixei para que quem tivesse interesse corresse atrás do que se tratava. Na verdade, se eu não me engano, tratava-se da influência, na filosofia, das ideias do poeta místico Orfeu. Se você tiver curiosidade, não é difícil encontrar informações sobre ele na internet).

Um exemplo mais rico será encontrado com a polêmica condenação de Sócrates, que suscita a hipótese de suicídio e provoca debates a respeito do pensador tê-lo aceitado, à medida que recusou chances de minimizar sua pena. Havia sido acusado pelas autoridades atenienses de professar contra os deuses e corromper a juventude, pondo em risco a ordem da cidade. Sócrates entendia que o cumprimento de qualquer penalidade seria o reconhecimento de culpa e traição aos seus ensinamentos proferidos até então. Ao longo de seu julgamento desafia seus juízes e comprova a inconsistência das acusações, além de rejeitar penas alternativas propostas por seus concidadãos ou o pagamento de fiança por seus alunos. No diálogo Fédon, os acontecimentos demonstravam que as atitudes de Sócrates sugeriam resignação diante da morte. No entanto, em seus últimos momentos, quando indagado sobre essa conduta, ensina a seus discípulos que “os homens estão em uma espécie de prisão e que não devem nem se liberar nem se evadir da mesma” (Fédon, 62-b). Os homens pertencem aos deuses e, por conseguinte, só poderiam matar-se ao receberem um sinal, uma forma de autorização dos mesmos, como era o seu caso. Certos trechos do diálogo Fédon apresentam ensinamentos sobre a alma segundo os quais aquele que se dedica à filosofia estaria se dedicando a um exercício de saber morrer. Para o filósofo, a alma se tornaria cada vez mais elevada através da filosofia, mas só podendo encontrar a verdade e a sabedoria absoluta – a contemplação das essências – na morte. Portanto, a mesma não deveria ser temida, sendo, com efeito, a própria musa da filosofia. (Um parágrafo da monografia sobre o Fédon… Mas como deu trabalho escrever esse parágrafo. Ler o diálogo, ler sobre o diálogo, resumir as partes mais importantes. É muito insano esse trabalho. Tem coisa até que rende mesmo. Você lê um parágrafo e escreve uma página. Aqui, eu li mais de cem páginas e escrevi um parágrafo. Que tristeza).

Nas Leis, ao definir condenações para os delitos, Platão estabelece que aqueles que matam a si, privam-se do seu destino e cabe aos mesmos serem enterrados “sem glória” e sem lápides, em regiões anônimas. São levantadas três ressalvas para tal condenação que tornam confusos os limites dessa interdição, como em caso de ordenação pela justiça da cidade, acometimento do indivíduo por grande dor, ou ainda se o mesmo é investido de intensa vergonha “contrária à vida”. Afora essas exceções, a morte de si é tida como indefensável, covarde e indolente (Platão apud Puentes, 2008, p.61).

A filosofia aristotélica aproxima-se de Platão apenas por reputar ao homem sua função social acima de interesses pessoais. Aristóteles apresenta sua posição de maneira mais incisiva, negando qualquer exceção a favor da morte de si mesmo e introduzindo um novo argumento contrário a ela. Em sua obra A Ética a Nicômaco, o filósofo afirma que os cidadãos têm obrigações para com sua comunidade, tirar a própria vida representaria uma injustiça contra a Cidade. Afirma que esse caso específico de proibição do suicídio não se encontra nas leis, mas o que ela não ordena, proíbe (Aristóteles, 1973: v 15, 1138 a, 6-7).

Em 323 a.C., a morte de Alexandre e a tomada das cidades gregas pela Macedônia tiveram por efeito drásticas rupturas no pensamento clássico. Subjugado pelo domínio estrangeiro, o homem grego, cidadão e animal político, que antes exercia sua liberdade nos espaços públicos da cidade, agora passa a confinar sua busca por autarquia através de recursos espirituais, num processo intimista de adaptação às transformações sociais. Sendo assim, a filosofia desse período está marcada por um forte caráter ético, que se mostra na busca individual pela felicidade, uma espécie de “salvação interior” (Châtelet, 1981, p.168) independente das circunstâncias. Esse pensamento diz respeito a uma prescrição do bem viver que caracteriza a filosofia em seu sentido popular, a “filosofia de vida”.

Cabe aqui uma digressão teórica. Em seus estudos sobre a sexualidade na Antiguidade, Foucault ressalta as formas de relação consigo mesmo exercidas através de práticas cotidianas pelos indivíduos, as quais permitem o entendimento de si enquanto sujeito.  Essa experiência de si respeita a um projeto estético da existência, no qual tais sujeitos constituem um estilo de viver próprio. Os modos individuais de relação com os saberes (jogos de verdade e discursos) e práticas de temperança, de técnicas racionais – estratégias de poder – que lhes permitem se reconhecer e estabelecer verdades sobre si, conferindo sentido, dentre tantas outras, às condutas diante da morte (Foucault, 1984, p.15). (Parece deslocado esse paragrafo ou é impressão minha? Mas tem a ver. Por conta dessa ideia da “filosofia de vida”. Fala do modo como as pessoas se relacionam consigo mesmas. E disso o Foucault sabia falar, ainda que, não abro mão de dizer, suas interpretações da filosofia do mundo antigo sejam questionáveis).

Se o período clássico de Platão e Aristóteles é marcado pela censura do suicídio em suas nuanças, nas correntes helenísticas, a morte de si, enquanto atitude racional, torna-se a expressão máxima da liberdade pessoal e livramento de uma vida de injúrias. (Olha aí aquilo que a gente falou lá na introdução de que não existe uma essência do ato, uma única maneira de pensa-lo. Várias visões contraditórias convivem e entram em conflito o tempo todo. O tempo vai selecionando o que chega para nós como vertente principal, mas é só cavucar um pouco que essa imagem se desconstrói). Dentre as escolas filosóficas mais expressivas que se pronunciam a respeito do tema encontramos os cirenaicos, cínicos, epicuristas e estoicos. Os dois primeiros se mostram um tanto pessimistas com relação à existência, afirmando que a vida é certamente mais desprazerosa do que prazerosa, tendo-se, por conseguinte, a morte como alternativa preferível à vida. Nas palavras de Diôgenes Laêrtios, para os cirenaicos a felicidade é “totalmente impossível, pois o corpo é afetado por muitos sofrimentos, e a alma padece juntamente com o corpo e se perturba com ele, a sorte impede a concretização de muitas esperanças; consequentemente a felicidade é inatingível.” (Povo macabro). Um de seus principais representantes, Hegésias, chega a ser chamado de peisithánatos, que significaria “aquele que persuade a morrer” (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.68). Para os cínicos, a morte se constituía enquanto alternativa que de pronto se apresenta àquele que não vive arrazoadamente sua vida. Já a concepção hedonista de Epicuro alerta que o homem livre não deve almejar nem temer a morte. Segundo o filósofo, a morte refletida evidencia a transposição de equívocos supersticiosos e a filosofia se apresentaria como instrumento de libertação do homem e de acesso à verdadeira felicidade. Pois a alma não necessariamente padece junto ao corpo dos males que se lhe abatem. Ele também alerta para o risco da sociedade produzir nos homens a insensatez do gosto pelo luxo, pelo não necessário e sugere: “É um mal viver sob o jugo das necessidades, mas não é necessário viver sob a necessidade” (Epicuro apud Sêneca, 2008). (Na boa, eu citei o Epicuro a partir do texto do Sêneca, mas eu mesma não confio. Fiz isso pela dificuldade em acessar material do primeiro. Pois o Sêneca é um filósofo por si só. Sem comprometimento com as regras e os apreços atuais da academia, que tem a própria fama para proteger. Não duvido nada que ele possa ter distorcido a citação do Epicuro a seu favor).

Os estoicos inauguram uma perspectiva de indiferença sobre a vida e a morte, a exemplo de Zenão seu reconhecido fundador, que se matou por desprezo à vida. Afirmavam que o homem sábio haveria de preferir um modo de vida racional voltado para a contemplação e ação lógicas, em busca da retidão das vontades. Cumpre ao homem extirpar suas paixões e opiniões e cultivar suas virtudes, independente das circunstâncias de sua existência. Não teriam relevância a morte, a pobreza e a escravidão. Todavia, o desprezo pela vida somente seria legítimo por “motivos razoáveis”, quais sejam: em defesa de amigos e da pátria ou em casos de doenças incuráveis, dores insuportáveis e mutilações (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.130). A recusa de uma vida limitada, de enfermidade, aproxima-se menos da destruição de si do que de uma apropriação ou apego a si (Gazzola, 1990, p.102).

O contato de Roma com a cultura grega leva todo seu império a entrar na “órbita do helenismo”, redimensionando seus saberes. A proposta estoica de austeridade física e moral, baseada na resistência ante o sofrimento, bem como a participação do homem na vida pública, coincidiram com o modo de vida romano e sua dedicação ao Estado. O contágio pelo estoicismo, como a doutrina que privilegiava a autodisciplina, a sujeição à ordem natural e o cumprimento dos deveres atendia aos hábitos romanos e suas incumbências cívicas (Pirateli e Melo, 2003, p.64). O prosaísmo romano se distanciava da riqueza das abstrações gregas, no entanto, foi de fundamental importância para materializá-la em seus quadros cívicos e jurídicos.

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.