Sobre o amor, o sofrimento e a esponja do mar. 

Ontem eu estava em um bar, na Lapa, discutindo relacionamentos amorosos.
Aí um amigo me perguntou como eu achava que deveriam ser os relacionamentos. Sofrer de amor é normal e necessário? Ou daria para viver sem sofrer de amor?
Eu disse: “Bom, acho que a utopia seria o amor livre universal. Muito amor, zero sofrimento”. Passamos as próximas quatro horas falando sobre isso.
Eu, partidária da idéia de que numa sociedade utópica isso seria possível. Ele afirmando que sofrer (por ciúmes e pelo término do relacionamento com a pessoa amada) é o indício do quanto a pessoa significa para nós. Indício do fato de que elas são insubstituíveis. Eu afirmando que, na minha utopia, mesmo se um relacionamento acabasse, você estaria enredado numa rede de amor tão grande e intensa, que não haveria sofrimento. O único sentimento possível seria felicidade. Você ficaria feliz por aquela pessoa que se afastou de você ter ido dar e receber amor de outras pessoas.
Ele achou esse mundo que eu descrevi frio, individualista, cheio de pessoas descartáveis.
Eu ficava pasma.
Como frio? No nosso mundo a gente sofre pela perda do amor de uma pessoa porque o amor é escasso. A gente vive uma intensa fome de amor. Cada pessoa que a gente perde atualmente significa uma ameaça de solidão e de solteirisse, de relacionamentos vazios para o resto da vida.
Num mundo com muito, muito, muito mais amor, as pessoas que se vão, teriam para sempre um lugar especial em nosso coração, claro, mas não sofreríamos justamente por saber que ela estava apenas indo ser feliz amando outras pessoas. Não seria uma perda, um término. O amor não seria um período de relacionamento marcado pelo tempo que ele dura. O amor entre todas as pessoas seria eterno e profundo.
A resistência dele em relação à minha utopia (ou seja, não é algo para se colocar em prática amanhã, nem daqui a vinte anos sequer, é meramente um sonho, um olhar sobre um futuro alternativo distante) me fez lembrar de um exercício de imaginação que eu fiz há umas semanas.
Nesse exercício eu era instruída a pensar no meu salário dos sonhos, o dinheiro que eu gostaria de ter na minha conta todo fim de mês. Depois que eu idealizava a quantia, a pessoa que estava orientando a visualização dizia: “Agora que você já pensou no seu salário ideal, pense em um número mais alto do que esse que você imaginou”. Eu pensei comigo mesma: “Não! Mais alto ainda?! Gente, eu não consigo nem imaginar isso”. Precisei me esforcçar muito para seguir a orientação. E ainda assim, não dava nem para ficar milionária com os números que eu imaginei.
Depois, pensando no exercício, eu fiquei boba. Era uma exercício de imaginação! Eu poderia me imaginado ganhando dois bilhões de euros por semana. Mas eu estou tão presa à minha realidade, que mesmo na imaginação, é difícil me libertar.
Me pareceu que meu amigo estava sofrendo do mesmo sintoma.
A gente fica tão preso ao fato de que sofremos e muito ao longo de nossa vida amorosa, que fazemos essa extrapolação, e pensamos que é absolutamente necessário sofrer quando se ama uma pessoa. Não conseguimos conceber o amor sem sofrimento.
Isso é muito triste.
Eu prefiro dar asas à imaginação e pensar no melhor cenário possível. Tornarei esse um exercício constante em minha vida.
No fim das contas, minha mãe já me alertava para isso desde que eu era pequena.
Ela me contava a história da esponja e da estrela do mar, que era mais ou menos assim:
A esponja, que morava lá no fundo do mar, via a estrela do mar e pensava como deveria ser boa a vida da estrela do mar. Certo dia, Deus se voltou para a esponja do mar e disse: “Esponja, hoje é o seu dia. Você pode escolher qualquer ser no universo inteiro no qual você queria se transformar, que eu vou realizar seu desejo. Você pode escolher ser uma planta rara no deserto, um pássaro e voar livre junto com os quatro ventos do mundo ou ainda ser qualquer um dos astros do céu…” A esponja interrompeu o Senhor e falou: “Ok, ok, Deus. Eu já sei o que eu quero! Eu quero ser aquela estrada do mar ali”! E Deus transformou a esponja na estrela do mar.
Essa história mostra justamente como nossos desejos e sonhos são limitadas pelo que está bem diante do nosso nariz.
Esse não é aquele papo de que é só mentalizar que a coisa vai cair no seu colo. Eu nem estou falando realizações ou metas. Estou meramente falando de libertar a imaginação para pensar em coisas melhores e mais positivas. Só isso já causa um impacto maravilhoso em nossa vida.

A corrupção estrutural e a corrupção cotidiana, ou o jeitinho brasileiro.

Estão dizendo por aí que é o “jeitinho brasileiro” a origem da corrupção que vemos nos nossos governantes.

Se você realiza uma pequena ação errada no seu dia a dia, você não é diferente do político que rouba do hospital, causando indiretamente a morte de milhares de pessoas, ou daquele que rouba o dinheiro da merenda das escolas e deixa criancinhas passarem fome.

Outro dia eu estava revendo uns episódios antigo de The Big Bang Theory. Até que um episódio ilustrou perfeitamente o absurdo que é ancorar a corrupção estrutural na “corrupção cotidiana”.

Existe um salto qualitativo entre colar em uma prova e deixar crianças passarem fome, entre sentar no assento preferencial e roubar o dinheiro do pagamento dos médicos. 

No episódio da série que eu mencionei, Leonard chega dois dias mais cedo de uma viagem de trabalho que durou três meses. No lugar de voltar direto para seu apartamento e encontrar seu amigo Sheldon, ele vai para a casa da namorada, Penny, escondido. Se Sheldon o descobrisse lá, Leonard passaria maus bocados. Contudo, Sheldon, após uma rápida interação com Penny, enquanto ela tenta se desvencilhar do amigo que a convida para jantar, desconfia. Ele acredita que Penny estava acompanhada, mas, sem saber da volta do amigo, ele acredita que ela está traindo Leonard.

Sheldon retorna para seu apartamento e, mais tarde, encontra sua namorada, Amy. Sheldon começa a levantar alguns argumentos para justificar sua crença da infidelidade de Penny. Amy, a princípio cética, descarta os argumentos de Sheldon. É um desses argumentos que Amy descarta que chama atenção e é relevante para a presente discussão.

A certa altura, Sheldon afirma que, certa vez, ele e Penny estavam em um “concurso de encarar” (uma brincadeira infantil: duas pessoas se encaram fixamente, quem piscar primeiro perde) e Penny teria batido palmas muito alto e feito Sheldon piscar. Ou seja, ela teria trapaceado no jogo. O personagem então afirma que era uma questão de dar um pequeno passo entre trapacear em um jogo e a infidelidade sexual. (Esse foi um dos argumentos rejeitados por Amy). 

O fato de Penny ter trapaceado na brincadeira não fala absolutamente nada da sua postura ética em relacionamentos amorosos.

Ao tomar decisões éticas em sua vida, uma pessoa normalmente considera uma série de fatores. O resultado de suas ações é um destes fatores. Se uma pessoa avalia que suas ações não trarão consequências negativas em aspectos importantes, ela pode acabar realizando esta ação a despeito de considera-la errada.

Nada disso tem o objetivo de justificar as coisas erradas que fazemos em nosso dia a dia, o importante é esclarecer que essas atitudes nada têm a ver com a corrupção política.

A corrupção política, como dito anteriormente, é estrutural. Sabe quando a gente diz “que a política corrompe as pessoas”, “os honestos não sobrevivem lá dentro”? Isso sim é verdade. Quem é honesto quando entra na política ou é corrompido, desiste, ou nunca vai conseguir hegemonia no comando do Estado. Os jogos de poder do governo são sustentados nas alianças, interesses do capital e batalhas ideológicas. É esse frágil equilíbrio de forças que tem como um de seus componentes essenciais a corrupção.  

Figurativamente falando, a bancada do governo é como um balcão de atendimento para os negócios dos ricos. Os grandes banqueiros e empresários chegando até o governo com interesses que nada têm a ver com as demandas do povo brasileiro e recebem favores em troca de grandes quantidades de dinheiro.

Toda essa sujeira tem que escoar para algum lugar para que a nossa revolta não seja direcionada para o lugar certo. E é aí que entra o “argumento da legalidade”: dividir para conquistar. O argumento da legalidade é caracterizado pela culpabilização individual daqueles que escapam da norma de alguma maneira. Os problemas do país são vistos dessa forma como a soma dos resultados de cada ação individual fora da lei, por menor que ela seja. O problema e que o todo é sempre maior do que a soma das partes. Todas as pequenas ações ilegais somadas não justificam ou explicam o problema da corrupção.

Se nenhum brasileiro saísse do escopo da legalidade a corrupção dos corruptos governantes do nosso país apenas iria brilhar intacta e inalterada.

Se não entendermos isso seremos os motoristas de ônibus que expulsam aqueles que não têm dinheiro para voltar para casa depois de um dia de trabalho e que acabam dormindo na rua, acreditaremos que a passagem de ônibus está cara por causa da gratuidade, seremos os vizinhos que acreditam que a luz está cara por causa daqueles que têm gato, seremos aqueles que acreditam que as taxas do cartão de crédito estão altas por causa da inadimplência.

O problema é: um Estado cujos membros vivem completamente dentro da lei é mais utópico do que o comunismo. Isso quer dizer que, enquanto não aprendermos a driblar o argumento da legalidade e entendermos que a culpabilização individual serve apenas para desviar a nossa atenção dos verdadeiros culpados dos nossos problemas, vamos atacar uns aos outros fazendo o trabalho sujo dos governantes.

Para finalizar, uma reflexão. Existem as pequenas ações ilegais que são verdadeiros atos de resistência. Não vamos esquecer dos “pulões” de 2013, quando os manifestantes seguravam as portas traseiras dos ônibus abertas para que as pessoas conseguissem entrar de graça. Essa ação é ilegal e altamente recomendada. O objetivo dessas ações é sempre o de criar uma pequena rachadura no sistema favorecendo o povo no lugar dos empresários.