Sexualidade na Perspectiva da Psicologia Positiva.

No último sábado, dia 19 de maio, eu apresentei um trabalho no III Simpósio Internacional de Psicologia Positiva sobre sexualidade. O simpósio foi sensacional e eu fiquei extremamente feliz com o convite para falar sobre este tema.

Trata-se de um tema ainda muito pouco estudado. A área da Psicologia Positiva por si só já é bastante nova, nasceu em 1998 com os trabalhos de M. Seligman. Um estudo da sexualidade dentro desta perspectiva então nem se fala. Mas é bastante interessante e vale a pena conhecer.

O que eu queria com partilhar com vocês hoje, portanto, é um resumo da minha apresentação.

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O estudo da sexualidade do ponto de vista da psicologia positiva vai abordar os aspectos positivos da sexualidade humana, permitindo-nos compreender o que é o funcionamento sexual excelente. A partir dos estudos de Kleinplatz (2009), apresentaremos, então, os oitos aspectos que fazem com que a relação sexual seja excelente.

O pai da sexologia foi o médico psiquiatra Kraffit-Ebing que, no século XIX, escreveu o livro Psychopathia Sexualis, no qual narrava casos clínicos de pacientes com desvios e patologias sexuais.

Alguns anos mais tarde, por volta da metade do século XX, outros grandes teóricos da sexualidade, como Kinsey (1949, 1954), Masters e Johnson (1976, 1981), Kaplan (1977) e Hite (1982), contribuíram enormemente para o conhecimento que possuímos atualmente das patologias sexuais e também contribuíram com o conhecimento dos aspectos fisiológicos e psicológicos do funcionamento sexual normal.

Nenhum desses conhecimentos, contudo, nos ajudou a compreender o funcionamento sexual ótimo, que poderia fazer com que a terapia sexual ajudasse os seus clientes não apenas a ter um sexo funcional, mas um sexo de qualidade.

A partir a quebra de paradigma realizada pela psicologia positiva com Seligman (2003; 2011), vem tornando-se cada vez maior o interesse em compreender os aspectos positivos do ser humano e as formas de potencializar seu desenvolvimento. Isto ocorreu também no campo da sexologia. Os pesquisadores começaram a procurar compreender os aspectos e as caraterísticas que estão para além do sexo meramente funcional, livre de de patologias, que poderiam fazer com que a sexualidade fosse vivida em seu pleno potencial.

Os oito aspectos que fazem com que a relação sexual seja excelente de acordo com Kleinplatz (2009), portanto, são:

  1. Estar presente: pode ser entendido como o estado de flow (CSIKSZENTMIHALYI , 1999) que pode ser experimentado durante o ato sexual. Um estado no qual a pessoa se encontra completamente absorvida no momento presente. “You’re not a person in a situation. You are the situation” (KLEINPLATZ, 2009).
  2. Conexão: refere-se ao modo profundo como as pessoas se conectam durante o ato sexual. Depende de uma ligação intensa entre os parceiros para ocorrer. Podemos utilizar a metáfora shakespeareana da besta de duas costas para imaginar esta forma de ligação entre duas pessoas. “I am one, sir, that comes to tell you your daughter and the Moor are now making the beast with two backs” (SHAKESPEARE, 1993). Esse tipo de intimidade entre os parceiros que experimentam um sexo excelente faz com que eles sintam que estão em sintonia um com o outro. Não importa que o relacionamento já dure anos ou que tenha durado apenas algumas horas, trata-se de uma ligação sentida como um forte alinhamento entre os amantes.
  3. Intimidade sexual e erótica: os parceiros devem experimentar respeito mútuo, carinho, admiração e profunda aceitação antes de iniciarem uma relação sexual excelente. Não é possível ter esse tipo de relacionamento íntimo de qualidade sem se sentir cuidado e sem cuidar do outro. Confiança é a palavra chave aqui.
  4. Comunicação e empatia: o sexo excelente requer excelente comunicação tanto verbal quanto não verbal. Os parceiros têm que ser capazes de se comunicar através do toque e de compreender os sinais que o outro emite. Ao mesmo tempo, devem ser capazes de expressar verbalmente seus desejos e necessidade um para o outro de forma, clara, aberta e desinibida.
  5. Transparência, autenticidade e desinibição: essa característica pode ser entendida como uma espécie de “nudez emocional”. É o fato de se colocar aberto diante do outro, expondo a si mesmo como se é verdadeiramente. É a possibilidade de se revelar inteiramente para o outro.
  6. Transcendência: Maslow afirmava que “There are many paths to heaven, and sex is one of them” (1971). Isso que dizer que o sexo apresenta uma dimensão epifânica, que nos faz ver as coisas sob uma nova luz. Não se trata necessariamente de uma experiência de cunho religioso, mas de uma experiência que nos transporta para além de nós mesmo e que nos faz experimentar as coisas de uma nova maneira. Uma dimensão de paz, cura, transformação, benção, que podem conferir um caráter transcendente para a experiência da relação sexual.
  7. Explorar, assumir riscos e se divertir: o sexo pode ser extremamente engraçado e essa característica é uma das que o torna excelente. Quando estamos experimentando algo novo, quebrando a rotina, nos aventurando com o parceiro, em todos esses momentos o sexo se apresenta como uma oportunidade de descobrir e experimentar coisas novas. Essa exploração conjunta, esse desbravamento de novos horizontes, é um importante elemento da sexualidade humana.
  8. Entrega: vulnerabilidade e rendilção são os aspectos essenciais neste último tópico. Depois de passar por todos os aspectos anteriores, resta apenas mergulhar de cabeça nessa experiência incrível, expondo-se de maneira completa e autêntica e se rendendo às sensações do momento. Nesse sentido, “Sex is a leap of faith” (KLEINPLATZ, 2009).

Tendo em vista os oito componentes citados, Kleinplatz (2009) afirma que o futuro da terapia sexual vai requerer que os profissionais se ocupem cada vez mais das vivencias sexuais saudáveis não apenas como forma de auxiliar os clientes na promoção de vidas intimas muito mais prazerosas, com relações sexuais excelentes, mas também a prevenir o próprio adoecimento sexual.

 

As principais referências bibliográficas que eu utilizei neste trabalho foram:

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento … [et al.]. Revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli… [et al.].Porto Alegre: Artmed, 2014.

 

CARVALHO, Antonio, SARDINHA, Aline. Terapia Cognitiva Sexual: uma proposta integrativa na psicoterapia da sexualidade. Rio de Janeiro: Editora Cognitiva, 2017.

 

CSIKSZENTMIHALYI, M. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana (1997). Tradução de Pedro Ribeiro – Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

 

HITE, Shere. O Relatório Hite: um profundo estudo sobre a sexualidade feminina. Tradução de Ana Cristina Cesar. São Paulo: Difusão editorial, 1982.

 

KAPLAN, Helen Singer. A Nova Terapia do Sexo: tratamento dinâmico das disfunções sexuais. Tradução de Oswaldo Barreto e Silva. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1977.

 

KINSEY, Alfred; POMEROY, Wardell & MARTIN, Clyde. Conducta sexual del Varón. México: Editorial Interamericana, 1949.

 

KINSEY, Alfred; POMEROY, Wardell; MARTIN, Clyde; GEBHARD, Paul. A Conduta sexual da mulher. Rio de Janeiro: Atheneu, 1954.

 

KLEINPLATZ, P. J. Transforming Sex Therapy: integrating erotic potential. The Humanistic Psychologist. 24, 190-202. Ano: 1996.

 

KLEINPLATZ, P. J.; MÉNARD, A. D.; PAQUET, M-P.; PARADIS, N.; CAMPBELL, M.; ZUCCARINO, D.; MEHAK, L. The components of optimal sexuality: A portrait of “great sex”. The Canadian Journal of Human Sexuality, Vol. 18 (1-2), ano 2009. Disponível em; <http://juliacolwell.com/wp-content/uploads/2017/05/The-components-of-optimal-sexuality-Kleinplatz-et-al.-2009.pdf>;. Acessado em 01/05/2018.

 

KLEINPLATZ, P. J. Lessons from Great Lovers. In S. Levine, S. Althof, & C. Risen (eds.), Handbook of Adult Sexuality for Mental Health Professionals. 2ª edição. Nova Iorque: Brunner-Routledge, 2010.

 

MASLOW, A. H. On the Farther Reaches of Human Nature. Nova Iorque: Viking, 1971.

 

MASTERS, William; JOHNSON, Virginia. A incompetência sexual: suas causas seu tratamento. 2. ed. Tradução de Edmond Jorge. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

 

MASTERS, William & JOHNSON, Virginia. A Conduta Sexual Humana. São Paulo. 4ª ed. Civilização Brasileira, 1981.

 

SELIGMAN, M. E. P. Felicidade Autêntica. Rio de Janeiro: Ponto de Leitura, 2003.

 

SELIGMAN, M. E. P. Florescer: uma nova e visionária interpretação da felicidade e do bem-estar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

 

SHAKESPEARE, W. Othello. M.R. Ridley (ed.) The Arden Edition of the works of William Shakespeare. London and New York: Routledge, 1993.

Meditação do desejo

Estava preparando uma aula de sexualidade feminina na semana passada quando me deparei com uma meditação para mulheres que pretende apoiar a descoberta do próprio desejo, o autoconhecimento sexual. A meditação foi desenvolvida pela médica norte-americana Rachel Carlton Abrams e pelo mestre taoísta Mantak Chia.

Eu a adaptei para torná-la um pouco mais didática. Assim, ela se torna facilmente memorizável, podendo inclusive compor o seu repertório de estímulos eróticos.

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Escolha um lugar tranquilo no qual você possa ficar sozinha por alguns minutos sem ser interrompida. Comece com os exercícios de respiração. Em seguida, abra sua tela mental e 

1-    Imagine qual seria a sua melhor fantasia sexual.

2-    Existe alguma temática específica, objeto ou situação que te excita?

3-    Você está sozinha ou com um parceiro?

4-    Se está com alguém, quem é a pessoa? Passe um tempo observando suas características.

5-    Imagine todos os detalhes do ambiente. Use todos os seus sentidos: qual é o cheiro? O gosto? Como é o toque? O que está diante dos seus olhos? Quais sons estão a sua volta? Está calor ou frio? Como é a luz no ambiente?

Lembre-se de que se trata da sua imaginação, logo, tudo é possível e liberado.

Depois de realizar este exercício de imaginação, observe como você está se sentindo. Observe as sensações do seu corpo. Sinta o seu desejo. Qual é a sensação do seu desejo? Em que ponto do corpo o seu desejo está situado?