Abertura de Possibilidades na Polis.

 Capítulo I

O caso específico da morte como escolha refletida é posta ao lado da razão no mundo grego, devendo ser avaliada e tida como solução para uma vida desonrosa. É notável a multiplicidade de argumentos e concepções que envolvem as correntes filosóficas gregas e, mesmo dentro dessas, tantas outras ocorrências particulares. As abordagens sobre o tema apontam para opiniões acerca do suicídio que envolviam repúdios e glorificações. Havia na Antiguidade, certo reconhecimento da nobreza do ato e as posições favoráveis eram muito mais frequentes do que em períodos históricos posteriores. Não se trata de um período legitimador do ato, mas sem dúvida, não havia elaboração de severas interdições.

Como ilustrativo do afirmado pode-se recorrer ao exemplo de uma série de personagens históricos ilustres tais como os suicídios patrióticos de Temístocles e Demóstenes; o suicídio por remorso de Aristodemo; suicídio para escapar a decrepitude da velhice de Demócrito; suicídios filosóficos por desprezo à vida de Zenão, Hegésias, Diógenes e Epicuro; suicídio por amor de Panteu, Hero e Safo (Minois, 1998, p.61). (É muito pobre geralmente a pesquisa de um trabalho monográfico. Não por desinteresse do aluno, mas porque o aluno é extremamente limitado no que ele pode dizer em uma monografia. Ele ainda não é o produtor do conhecimento, ele é o reprodutor do mesmo. Na monografia, a tarefa do aluno é basicamente a de mostrar que ele é capaz de ler e compreender um determinado número de escritos consagrados de diversos autores e reproduzir o conhecimento que ele adquiriu nas próprias palavras. Esse é um trabalho que me parece um bocado vazio de significado. Para que serve esse resumam feito pelo aluno ao final de uma graduação? Mais uma rebuscada prova de que ele absorveu conteúdo da maneira tradicional. Pior ainda é o destino do trabalho monográfico no mundo acadêmico. As monografias não são bem vistas como referências bibliográficas nem mesmo de outras monografias. No mínimo, para você citar em um trabalho acadêmico ou em um artigo, você pega uma dissertação de mestrado. E olhe lá! Não é das referências tidas como mais confiáveis ou “nobres”. Bom, tendo em vista esse estado de coisas, nos limitamos a repetir o que os autores consagrados disseram. Messes espírito, eu repeti os exemplos citados por Minois na minha monografia. Eu pesquisei sobre cada um dele para saber o que tinha acontecido, pois o autor não entra em detalhes, mas mesmo assim eu não deixo de sentir um certo incômodo, sabe? Foi ele que fez a pesquisa e não eu. Eu imaginava que pesquisar, academicamente falando, era ir até a biblioteca e desenterrar coisas desconhecidas. Essa foi uma expectativa frustrada…)

Entre os pré-socráticos não são encontradas muitas menções ao tema, exceção feita aos pitagóricos. Opondo-se radicalmente ao suicídio, argumentam que, por ser esta uma morte violenta, ela desequilibra as relações matemáticas que ligam a alma ao corpo. (Eu me lembro de ter achado a maior loucura essa coisa de que as relações que ligam a alma ao corpo são da ordem de equações matemáticas! Muita viagem! Dava para escrever uma ficção científica em cima dessa ideia. Eu procurei pela equação na época e não consegui achar nada. Agora, relendo a monografia, bate novamente a curiosidade: será que os caras chegaram a escrever essa equação? Esta aí uma coisa que eu gostaria de ver). Ademais, haveria, nesta vida, um propósito a ser cumprido do qual não se deve evadir, pensamento que explicita a importância dada pelos pitagóricos às questões espirituais, em consonância com sua herança órfica (Oliva e Guerreiro, 2000). (Essa herança órfica eu me lembro de ter dado um trabalho para entender na época. Difícil encontrar informação de fontes utilizáveis na monografia, sobre o tema. Iria dar muito trabalho. Como todo aluno sensato, eu só mencionei com a referência de onde o leitor poderia encontrar mais sobre o tema e deixei para que quem tivesse interesse corresse atrás do que se tratava. Na verdade, se eu não me engano, tratava-se da influência, na filosofia, das ideias do poeta místico Orfeu. Se você tiver curiosidade, não é difícil encontrar informações sobre ele na internet).

Um exemplo mais rico será encontrado com a polêmica condenação de Sócrates, que suscita a hipótese de suicídio e provoca debates a respeito do pensador tê-lo aceitado, à medida que recusou chances de minimizar sua pena. Havia sido acusado pelas autoridades atenienses de professar contra os deuses e corromper a juventude, pondo em risco a ordem da cidade. Sócrates entendia que o cumprimento de qualquer penalidade seria o reconhecimento de culpa e traição aos seus ensinamentos proferidos até então. Ao longo de seu julgamento desafia seus juízes e comprova a inconsistência das acusações, além de rejeitar penas alternativas propostas por seus concidadãos ou o pagamento de fiança por seus alunos. No diálogo Fédon, os acontecimentos demonstravam que as atitudes de Sócrates sugeriam resignação diante da morte. No entanto, em seus últimos momentos, quando indagado sobre essa conduta, ensina a seus discípulos que “os homens estão em uma espécie de prisão e que não devem nem se liberar nem se evadir da mesma” (Fédon, 62-b). Os homens pertencem aos deuses e, por conseguinte, só poderiam matar-se ao receberem um sinal, uma forma de autorização dos mesmos, como era o seu caso. Certos trechos do diálogo Fédon apresentam ensinamentos sobre a alma segundo os quais aquele que se dedica à filosofia estaria se dedicando a um exercício de saber morrer. Para o filósofo, a alma se tornaria cada vez mais elevada através da filosofia, mas só podendo encontrar a verdade e a sabedoria absoluta – a contemplação das essências – na morte. Portanto, a mesma não deveria ser temida, sendo, com efeito, a própria musa da filosofia. (Um parágrafo da monografia sobre o Fédon… Mas como deu trabalho escrever esse parágrafo. Ler o diálogo, ler sobre o diálogo, resumir as partes mais importantes. É muito insano esse trabalho. Tem coisa até que rende mesmo. Você lê um parágrafo e escreve uma página. Aqui, eu li mais de cem páginas e escrevi um parágrafo. Que tristeza).

Nas Leis, ao definir condenações para os delitos, Platão estabelece que aqueles que matam a si, privam-se do seu destino e cabe aos mesmos serem enterrados “sem glória” e sem lápides, em regiões anônimas. São levantadas três ressalvas para tal condenação que tornam confusos os limites dessa interdição, como em caso de ordenação pela justiça da cidade, acometimento do indivíduo por grande dor, ou ainda se o mesmo é investido de intensa vergonha “contrária à vida”. Afora essas exceções, a morte de si é tida como indefensável, covarde e indolente (Platão apud Puentes, 2008, p.61).

A filosofia aristotélica aproxima-se de Platão apenas por reputar ao homem sua função social acima de interesses pessoais. Aristóteles apresenta sua posição de maneira mais incisiva, negando qualquer exceção a favor da morte de si mesmo e introduzindo um novo argumento contrário a ela. Em sua obra A Ética a Nicômaco, o filósofo afirma que os cidadãos têm obrigações para com sua comunidade, tirar a própria vida representaria uma injustiça contra a Cidade. Afirma que esse caso específico de proibição do suicídio não se encontra nas leis, mas o que ela não ordena, proíbe (Aristóteles, 1973: v 15, 1138 a, 6-7).

Em 323 a.C., a morte de Alexandre e a tomada das cidades gregas pela Macedônia tiveram por efeito drásticas rupturas no pensamento clássico. Subjugado pelo domínio estrangeiro, o homem grego, cidadão e animal político, que antes exercia sua liberdade nos espaços públicos da cidade, agora passa a confinar sua busca por autarquia através de recursos espirituais, num processo intimista de adaptação às transformações sociais. Sendo assim, a filosofia desse período está marcada por um forte caráter ético, que se mostra na busca individual pela felicidade, uma espécie de “salvação interior” (Châtelet, 1981, p.168) independente das circunstâncias. Esse pensamento diz respeito a uma prescrição do bem viver que caracteriza a filosofia em seu sentido popular, a “filosofia de vida”.

Cabe aqui uma digressão teórica. Em seus estudos sobre a sexualidade na Antiguidade, Foucault ressalta as formas de relação consigo mesmo exercidas através de práticas cotidianas pelos indivíduos, as quais permitem o entendimento de si enquanto sujeito.  Essa experiência de si respeita a um projeto estético da existência, no qual tais sujeitos constituem um estilo de viver próprio. Os modos individuais de relação com os saberes (jogos de verdade e discursos) e práticas de temperança, de técnicas racionais – estratégias de poder – que lhes permitem se reconhecer e estabelecer verdades sobre si, conferindo sentido, dentre tantas outras, às condutas diante da morte (Foucault, 1984, p.15). (Parece deslocado esse paragrafo ou é impressão minha? Mas tem a ver. Por conta dessa ideia da “filosofia de vida”. Fala do modo como as pessoas se relacionam consigo mesmas. E disso o Foucault sabia falar, ainda que, não abro mão de dizer, suas interpretações da filosofia do mundo antigo sejam questionáveis).

Se o período clássico de Platão e Aristóteles é marcado pela censura do suicídio em suas nuanças, nas correntes helenísticas, a morte de si, enquanto atitude racional, torna-se a expressão máxima da liberdade pessoal e livramento de uma vida de injúrias. (Olha aí aquilo que a gente falou lá na introdução de que não existe uma essência do ato, uma única maneira de pensa-lo. Várias visões contraditórias convivem e entram em conflito o tempo todo. O tempo vai selecionando o que chega para nós como vertente principal, mas é só cavucar um pouco que essa imagem se desconstrói). Dentre as escolas filosóficas mais expressivas que se pronunciam a respeito do tema encontramos os cirenaicos, cínicos, epicuristas e estoicos. Os dois primeiros se mostram um tanto pessimistas com relação à existência, afirmando que a vida é certamente mais desprazerosa do que prazerosa, tendo-se, por conseguinte, a morte como alternativa preferível à vida. Nas palavras de Diôgenes Laêrtios, para os cirenaicos a felicidade é “totalmente impossível, pois o corpo é afetado por muitos sofrimentos, e a alma padece juntamente com o corpo e se perturba com ele, a sorte impede a concretização de muitas esperanças; consequentemente a felicidade é inatingível.” (Povo macabro). Um de seus principais representantes, Hegésias, chega a ser chamado de peisithánatos, que significaria “aquele que persuade a morrer” (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.68). Para os cínicos, a morte se constituía enquanto alternativa que de pronto se apresenta àquele que não vive arrazoadamente sua vida. Já a concepção hedonista de Epicuro alerta que o homem livre não deve almejar nem temer a morte. Segundo o filósofo, a morte refletida evidencia a transposição de equívocos supersticiosos e a filosofia se apresentaria como instrumento de libertação do homem e de acesso à verdadeira felicidade. Pois a alma não necessariamente padece junto ao corpo dos males que se lhe abatem. Ele também alerta para o risco da sociedade produzir nos homens a insensatez do gosto pelo luxo, pelo não necessário e sugere: “É um mal viver sob o jugo das necessidades, mas não é necessário viver sob a necessidade” (Epicuro apud Sêneca, 2008). (Na boa, eu citei o Epicuro a partir do texto do Sêneca, mas eu mesma não confio. Fiz isso pela dificuldade em acessar material do primeiro. Pois o Sêneca é um filósofo por si só. Sem comprometimento com as regras e os apreços atuais da academia, que tem a própria fama para proteger. Não duvido nada que ele possa ter distorcido a citação do Epicuro a seu favor).

Os estoicos inauguram uma perspectiva de indiferença sobre a vida e a morte, a exemplo de Zenão seu reconhecido fundador, que se matou por desprezo à vida. Afirmavam que o homem sábio haveria de preferir um modo de vida racional voltado para a contemplação e ação lógicas, em busca da retidão das vontades. Cumpre ao homem extirpar suas paixões e opiniões e cultivar suas virtudes, independente das circunstâncias de sua existência. Não teriam relevância a morte, a pobreza e a escravidão. Todavia, o desprezo pela vida somente seria legítimo por “motivos razoáveis”, quais sejam: em defesa de amigos e da pátria ou em casos de doenças incuráveis, dores insuportáveis e mutilações (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.130). A recusa de uma vida limitada, de enfermidade, aproxima-se menos da destruição de si do que de uma apropriação ou apego a si (Gazzola, 1990, p.102).

O contato de Roma com a cultura grega leva todo seu império a entrar na “órbita do helenismo”, redimensionando seus saberes. A proposta estoica de austeridade física e moral, baseada na resistência ante o sofrimento, bem como a participação do homem na vida pública, coincidiram com o modo de vida romano e sua dedicação ao Estado. O contágio pelo estoicismo, como a doutrina que privilegiava a autodisciplina, a sujeição à ordem natural e o cumprimento dos deveres atendia aos hábitos romanos e suas incumbências cívicas (Pirateli e Melo, 2003, p.64). O prosaísmo romano se distanciava da riqueza das abstrações gregas, no entanto, foi de fundamental importância para materializá-la em seus quadros cívicos e jurídicos.

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

História do Suicídio. Introdução.

INTRODUÇÃO

 

No presente trabalho pretende-se realizar uma discussão acerca de argumentos filosóficos, médicos e teológicos que influenciaram fortemente a noção de suicídio através do período compreendido entre os séculos IV a.C. e XVIII d.C., pondo em questão a própria definição do suicídio e tomando-o como base para reflexão sobre temas pertinentes a esses momentos históricos. (Este trabalho foi várias vezes apresentado na Jornada de Iniciações Científica da UFRJ. Ele sempre passava para a segunda fase, quando geralmente caía em uma mesa na qual os professores moderadores eram historiadores e eles sempre, sempre, sempre, implicavam com a abrangência histórica do trabalho). Dessa forma é preciso alcançar suas diversas áreas de constituição e validade, compreendendo seus modos de uso e a multiplicidade dos campos teóricos dos quais partem. Não se trata de uma história da interdição ou liberação da morte auto-infligida e sim da investigação de como esta insurge enquanto problema para o pensamento, regida por uma intensa relação de forças que em nada se aproxima da totalização e naturalização de fatos necessários que se organizem rumo a um sentido final. Também não se trata de buscar a proveniência do suicídio, sua essência, de forma exata, inabalável pela exterioridade e acaso. Entendem-se as definições a serem discutidas como redes de singularidades entrecruzadas de começos inumeráveis que demarcam aspectos inéditos sobre o tema, captando acontecimentos que compõem seu caráter dispersivo e heterogêneo.

Sob a perspectiva das indicações historiográficas de Michel Foucault, referimo-nos ao surgimento histórico, ou emergência de nosso objeto, como o ponto onde forças discursivas entram em conflito fazendo aflorar acontecimentos. (Portanto, fica claro que o nosso não era um trabalho de historiografia tradicional. Em parte, isso já justificava a abrangência do nosso recorte temporal).

Em diferentes períodos históricos, certas posições acerca do tema do suicídio despontaram dessas batalhas conceituais e se tornaram emblemáticas de seu tempo por constituírem campos de saberes dominantes. Tais posições acerca da prática da morte de si foram tomadas como marcos de reconhecidos momentos históricos, como discutiremos a seguir, a título de limitação metodológica. Todavia, a diversidade da rede de discursos minoritários, ou murmúrios, que perpassam a constituição dos grandes campos de saber desestabilizam a tentativa de estabelecer uma ideia original ou universal do suicídio. (Essa ideia de murmúrios é muito interessante. É como se, do debate teórico, sempre despontasse uma voz dominante, aquele que grita mais alto do que os outros, enquanto todos os outros estudiosos, e, principalmente, as estudiosas, ficam ali murmurando ao redor, baixo demais para que possamos ouvi-los. Precisamos de muita atenção para poder distingui-los. Vale ressaltar que se destaca quem grita mais alto mesmo, no sentido de quem ganha o jogo de poder, e não necessariamente aquele que está mais correto). Por essa razão, são levantadas algumas problematizações, antes de tudo para demonstrar a luta entre diferentes perspectivas, que não constituem uma ideia simples e totalizante, produto de aprimoramento progressivo, mas sim um objeto que traz consigo descontinuidades, rupturas, convergências e subversões de si mesmo. (Essa é a tentativa de ouvir os murmúrios). A demonstração da pluralidade na dimensão das práticas, dos saberes e dos jogos de poder tem por efeito dispersar o “gradiente de abstração” responsável pela conservação da ideia pura de suicídio, que resiste aos acontecimentos sob diferentes máscaras através dos tempos. (Esse conceito “gradiente de abstração”, poderia estar mais bem explicado. Foucault fala sobre isso em seu livro Arqueologia do Saber. Onde ele afirma que “a história de um conceito não é, de forma alguma, a de seu refinamento progressivo, de sua racionalidade continuamente crescente, de seu gradiente de abstração, mas a de seus diversos campos de constituição e de validade, a de suas regras sucessivas de uso, a dos meios teóricos múltiplos em que foi realizada e concluída sua elaboração” (p. 5). Entende-se que um conceito é algo abstrato. Essa característica garante que ele não seja influenciado pelas contingências, aquilo que acontece na realidade não tem efeito sobre os conceitos. Isso faz com uma determinada ideia permaneça aparentemente inalterada através dos séculos, que ela pareça eterna e imutável. Na verdade, há os tais jogos de poder por detrás da aparente univocidade dos conceitos. Quando ouvimos os murmúrios, o conceito de suicídio, por exemplo, se racha em mil pedacinhos).

A luz dessa referência metodológica, utilizamos como principal fonte pesquisa e ponto de partida para demais investigações o livro de Georges Minois (1998): História do Suicídio. Este estudo apresenta a problemática do suicídio, não como demográfica, mas religiosa, moral, cultural e filosófica que pode revelar modos segundo os quais os indivíduos vivem, se relacionam e auto-representam característicos de uma sociedade. (O recorte histórico que seguimos, foi o recorte feito por este autor).

Uma análise da morte voluntária implica, portanto, em restituir sua dimensão acidental e principalmente por em discussão suas noções parciais ou discursos de diferentes ordens. Os saberes a respeito desse tipo de morte colocam-se em relação de complementaridade com suas práticas e produzem verdades a respeito das mesmas. Nesse sentido, qualquer conhecimento produzido sobre a morte auto-infligida e seus modos de execução dizem respeito ao seu comprometimento político, histórico e social.

A exemplo da parcialidade dos discursos, podemos refletir sobre a significação da própria palavra suicídio.

O termo suicídio indica uma conotação claramente política e um compromisso moral de desprestigiar o ato associando-o ao homicídio, em razão de seu contexto histórico. A palavra suicidium, formada pelo prefixo ‘sui’, pronome possessivo e ‘caedere’, ato de matar, não foi usada antes do século XII por razões léxicas e gramaticais, pois a língua romana recusava compostos com prefixo pronominal. O termo foi forjado pelo teólogo Gauter S. Vitor, na obra Contra Quator Labyrinthos Fraciae, e claramente carregava o propósito moral supracitado, tal como foi proposto por Santo Agostinho. (Pois foi Agostinho que aproximou o ato do suicídio daquele do assassinato). O termo foi abandonado durante séculos por tais razões linguísticas e por volta do século XVII retoma importância, sendo difundido através da língua inglesa, que nessa época admitia barbarismos e neologismos, antes rejeitados pela língua escrita (Góes, 2004). (Por essa anomalia gramatical é que o certo em português é falar: “Fulano suicidou” e não “Fulano se suicidou”. Mas soa estranho sem o se mesmo).

Apresentaremos agora uma breve análise ressaltando alguns períodos históricos que remontam a diferentes usos da morte voluntária e inúmeros argumentos que a atravessam a fim de demonstrar a diversidade e riqueza de seus saberes e práticas.

 

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

Divulgação Científica.

Os trabalhos acadêmicos geralmente são engavetados depois de entregues (trabalhos de conclusão de disciplina, monografias, dissertações e teses) e grande parte deles jamais torna a ver a luz do dia.

Nós, os autores, ficamos nos prometendo que voltaremos a eles algum dia porque “ainda dá para tirar um artigo dali”. Mas dificilmente voltamos.

Resolvi aproveitar o projeto do blog para finalmente colocar em prática a proposta de retomar os trabalhos acadêmicos que já produzi. Despretensiosamente. Para me refamiliarizar com os estudos do passado e avaliar se algum é, de fato, promissor.

Aos poucos vou postando os trabalhos que já produzi (divididos em partes conforme eu os for relendo), fazendo comentários ou aprimoramentos nos mesmos, como um primeiro passo para recauchutá-los e, quem sabe, vir a publicá-los. Vou tentar me lembrar de sempre destacar os acréscimos ou correções sublinhando-as.

E ainda, é claro, um objetivo não menos importante, quero dar uma arejada nesses textos. Deixá-los mais disponíveis, acessíveis para além da comunidade acadêmica.

Farei isso sem pressa. Aos poucos e no ritmo que o meu coração ditar.

A começar pela minha monografia. A minha monografia teve origem no trabalho final da matéria Tópicos Especiais em Psicologia Social K, da qual fui monitora. A disciplina era sobre o tema do suicídio. O trabalho foi, em grande parte, feito em dupla, com Mhyrna Boechat.

 

REFERÊNCIA DO TRABALHO:

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

Carta a um amigo.

Estamos todos muito preocupados com você.

Não dê esse susto na gente nunca mais.

Se você nos abandonar, com quem vamos partilhar o sofrimento? Com quem se não com você que sofre mais do que todos nós?

Sem as suas poesias, como vamos nos expressar?

É preciso que você fique.

Sem as tuas musas a nossa arte também não tem sentido.

Se não for você a me lembrar dos decassílabos, quem mais?

Nesse mundo da poesia contemporânea, ninguém as conta mais.

Sem a tua fé tremenda nas certezas matemáticas, o meu mundo se torna incerto e cínico.

Não me fale mais que cortou os pulsos. Pois toda vez os meus sangram junto com os teus.

Não me fale mais de remédios ou do absinto, pois meu estômago se revira e corrói também.

Você quer que morramos todos juntos?

Nós ainda temos muito o que viver, você e eu.

Saiba que é muito cruel o teu grito de socorro.

Mais cruel ainda é saber que você sofre tanto e que nada do que fizemos é capaz e aliviar o teu sofrimento.

Eu sei o que você vai pensar:

– É melhor que eu morra, então, assim eu não causo mais sofrimento a eles.

Eu sei que você sabe lá no fundo que não há nenhum pensamento mais equivocado do que este.

As tuas ameaças são o ferro em brasa que se aproxima e se afasta da nossa pele. A tua morte será a hora em que esse ferro finalmente nos queimará a pele que arderá durante dias e ficará mercada para sempre.  

“Sair da vida para entrar na história”. Logo você, tão inteligente, não aprendeu nada com seu professor de história do ensino médio? O suicídio não é a absorção pelo esquecimento, é muito pelo contrário, a sua marca indelével na vida daqueles ao seu redor.

 

 

“13 Reasons Why”

A série “13 Reasons Why” foi muito comentada há pouco tempo e dividiu opiniões. Há os que defendem a importância de existir uma série que tenha se arriscado a abordar o tema tabu do suicídio, há os que afirmam que a série romantiza o ato e corre o risco de, por esta e outras razões, acabar se tornando uma forma de incentivo para aqueles que pensam em pôr fim à própria vida.

Eu me insiro dentro do primeiro grupo. Acho que é muito positivo que uma série se proponha a falar do tema do suicídio. Não é correto afirmar que falar sobre o tema é um incentivo ao ato. Pelo contrário, quando pensamos em prevenção, a primeira coisa que ouvimos falar (após uma pesquisa minimamente séria) é: precisamos falar mais sobre o suicídio. Se você procurar, por exemplo, o manual de prevenção do suicídio do Ministério da Saúde (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_editoracao.pdf), será possível observar que filmes, séries, livros e músicas não são fatores de risco para o suicídio. O que é essencial para a prevenção do ato é conversar sobre o tema (incluindo perguntar diretamente a uma pessoa se ela está pensando em se matar).

Falando sobre a série especificamente. Assistir 13 Reasons Why foi, para mim, uma experiência muito gratificante. Já tendo pensado em pôr fim a minha própria vida mais vezes do que tive um amigo ao meu lado para conversar sobre o assunto, a série foi muito significativa para que eu sentisse uma parte importante da minha vida emocional acolhida e não invisibilizada. O desejo de se matar e o ato do suicídio em si, não é nem um pouco tão incomum quanto imaginamos, mas é quase impossível conversar sobre ele com uma outra pessoa. A série abriu inúmeros diálogos mundo afora sobre o tema e fez com que houvesse uma sobrecarga dos aparatos sociais que oferecem apoio para a legião de pessoas insatisfeitas com a própria vida, mergulhadas em intenso sofrimento. Tive contato, inclusive, com pessoas que já forma assombradas pelo fantasma do suicídio no passado e que, após assistir à séria, procuraram serviços voluntários (como o CVV – http://www.cvv.org.br/) não só para pedir ajuda para si próprio, mas também com a intenção de se tornarem voluntários e começarem a trabalhar do outro lado da linha de quem procura apoio neste momento tão delicado. Já tendo participado do treinamento para me tornar voluntária em grupos de prevenção ao suicídio, posso afirmar que uma boa parte dos voluntários são pessoas que já estiveram, literalmente, com a faca no pescoço. É terapêutico para esses voluntários poder ajudar pessoas que estão passando pelo que eles já passaram, segundo relatos.

Eu mesma fiquei particularmente surpresa com isso, a princípio. Eu achava que eu seria a única pessoa que já havia pensado em se matar e ia resolver trabalhar com pacientes suicidas. Pensando no efeito Werther, tão comentado ultimamente, ver e ter contato com pessoas estão valorizando o suicídio como saída para uma vida que desprezam e cometendo efetivamente o ato deveria levar os voluntários, principalmente com histórico de tentativas ou desejo suicida a cometerem o ato. Não é o que frequentemente se verifica. Vemos pessoas enfrentando os próprios fantasmas e tirando força do fato de estarem ajudando os outros.

Algumas pessoas tomaram a decisão final de se matar e executaram o ato após assistir a série? É possível que sim. Meu ponto não é afirmar que isso é impossível. A série pode ter sido a gota d’água para algumas pessoas. O que não quer dizer que elas necessariamente não cometeriam o ato caso não tivessem assistidos a série. O fato é que a série não constitui essencialmente um catalizador para o suicídio.

Você deve estar se perguntando a respeito do “Efeito Werther” que mencionei acima. Certo? Este efeito não goza de plena aceitação no mundo científico. Existem autores (MINOIS, Georges. História do suicídio: a sociedade ocidental perante a morte voluntária. Tradução: Serafim Ferreira. Lisboa: Editorial Teorema, 1998.) que afiram que o tal efeito é o resultado da atenção midiática dada à certas mortes e que os suicídios literários ou cinematográficos são mais a expressão de um clima social do que uma apologia ao ato. Quando aceitamos uma ideia como a do “Efeito Werther” fica difícil explicar o porquê d’Os Sofrimentos do jovem Werther causar tal comoção e não o suicídio de Madame Bovary, por exemplo. Existiram suicídios ilustres e romantizados ao longo da história que não teriam desencadeada o suposto efeito.

Por fim, vale comentar que a série, a despeito da questão do suicídio em si, é uma bela metáfora para os problemas que assolam a adolescência. Cada lado de cada fita representando um tipo de problema específico – com a amiga, o primeiro paquera, o assediador do colégio… Por pelo menos um destes problemas TODOS nós já passamos e a série captura bem o modo caótico como essas questões se desenrolam na vida dos adolescentes e os impactos emocionais que eles exercem sobre nós.

 

Para os interessados em saber mais sobre a história do suicídio, sugiro conferir meu e-book sobre o tema que será lançado em breve.  

Taedium Vitae

É possível que uma pessoa venha a cometer suicídio por puro desprezo à vida?

A alternativa seria: uma pessoa, na impossibilidade de mudar o mundo ao seu redor ou a si mesma na tentativa de se ajustar a ele, comete suicídio.

A expressão taedium vitae e a maneira como ela foi compreendida pelos teóricos que estudaram o suicídio, sugere a primeira opção.

Esse conceito é usado para caracterizar um estado de profundo tédio, mórbido e ansioso, em relação à vida. O suicídio por taedium vitae já foi apelidado de “saída racional”. Ele ocorreria no seio da “elite intelectual” em períodos de crises e transições, ou seja, momentos de instabilidade social, moral e/ou científica.

Uma pessoa sensível, refletindo sobre a vida e a condição de sua existência, poderia chegar á conclusão de que a vida não vale a pena ser vivida e resolver, racionalmente, tirar a própria vida.

Parece simples, talvez, expondo a situação desta maneira, mas, na verdade, é algo extremamente difícil de se considerar como verdadeiro.

Uma pessoa que simplesmente, pesando os prós e os contras da existência, decide que a condição humana é indigna e insatisfatória, resolve, portanto, colocar um ponto final em todas as coisas.

Será que isso existe?

Até hoje eu acredito que a resposta seja não.

Todas as pessoas que se matam, recorrem à essa “saída” radical por estarem extremamente insatisfeitas com algum ou alguns pontos de sua vida e acreditarem que a mudança é impossível.

O suicídio nunca se torna uma opção quando não existe um nó na vida de uma pessoa.

Quando estudamos o tema do suicídio ou atendemos pacientes com tendências suicidas aprendemos que falar sobre o assunto e quebrar o tabu de falar sobre a morte e as tendências autodestrutivas são necessidades urgentes.

Infelizmente não temos mais cinco anos de idade e não podemos mais acreditar que o fato de não falarmos sobre as coisas ou fechar os nossos olhos para elas faz com que elas desapareçam.

É errado imaginar que falar sobre o suicídio é um dos fatores que levam as pessoas a se matarem, o oposto é mais verdadeiro: não falar sobre suicídio faz com que mais e mais pessoas fiquem sozinhas com suas dores e fora da possibilidade de receber ajuda ou intervenção de amigos e familiares.

Para resumir: MITOS SOBRE O SUICÍDIO

1-      Perguntar para uma pessoa se ela já pensou em se matar pode fazer com que ela passe a considerar o suicídio como uma opção. (Não! Se uma pessoa não pensa em se matar e você pergunta para ela: “Você já pensou em se matar?”; ela responde: “Deus me livre! Eu não!”. Você jamais vai ouvir dessa pessoa: “Nossa, boa ideia! Sabe que eu não tinha pensado nisso?”. Perguntar para uma pessoa se ela está pensando em se matar pode, na verdade, salvar a vida dela).

2-      Quem quer se matar não avisa, vai lá e faz. (Que bom que tem gente que avisa! Isso é sempre um pedido de ajuda. É a brecha para que haja intervenção adequada. Se esta pessoa não for cuidada mesmo depois deste pedido de ajudar ela corre sim um sério risco de se matar).

3-      Uma pessoa que avisa que vai se matar está tentando manipular os outros ao seu redor. (Se o anúncio ou a tentativa de suicídio estiver servindo como forma de manipulação das pessoas ao redor, isso apenas significa que aquela pessoa que está tendo um comportamento de risco para suicídio está precisando tanto de ajuda, mas ela não possui meios mais eficientes do que os que está empregando para obtê-la. Ela não está fazendo isso porque é má, mas porque está em tanto sofrimento psicológico que já não vê outra solução para os seus problemas).

4-      Quem se automutila quer morre. (Também não é verdade. A automutilação tem para muitas pessoas a função de aliviar o sofrimento psíquico e não necessariamente estas pessoas pensam em se matar).

5-      Falar sobre suicídio, principalmente nos grandes meios de comunicação, leva as pessoas a se matarem. (Já disse: quem não está pensando em se matar, não vai ser convencido a se matar por ninguém na face dessa Terra. Se a pessoa já tem uma vulnerabilidade nesse sentido, ela pode acabar vendo sim um gatilho em assuntos relacionados ao suicídio. O ponto é, um milhão de outras coisas também funcionarão como gatilho para essas pessoas).

 

Acredito que este último ponto requeira uma pequena reflexão especial por conta dos escândalos recentes do jogo Baleia Azul e da série 13 Reasons Why.

O escândalo girou em torno do Efeito Werther.

Alguns pesquisadores afirmam que o livro Os Sofrimentos do Jovem Werther gerou uma onda de suicídios por imitação – suicídios copiados. Os relatos de época a respeito dos suicídios “causados” pela obra de Goethe, afirmam que os jovens que se matavam estavam com o livro próximo de si quando eram encontrados, ou vestindo as roupas do personagem principal do livro (alerta de spoiler: não é verdade que esses jovens se matavam do mesmo modo que o livro narra. No livro, personagem dá um tiro na cabeça. Não é tão fácil assim para um adolescente deprimido comum arranjar uma arma).

Contudo, não é assim tão unânime a conclusão de que o Efeito Werther existe e é tão devastador quanto se alardeia por aí. Muitos pesquisadores ainda duvidam de sua existência, afirmando que a coleta de dados tem sido seletiva e enganosa.

No meu consultório, chegaram duas pessoas por causa da série. As duas resolveram procurar ajuda psicológica pois estavam pensando em se matar e viram na série um sinal de alerta; uma delas “não queria acabar como aquela menina naquela banheira”.

Alguns sites afirmam que o número de ligações diárias para o Centro de Valorização da Vida (CVV) teve um aumento de quase 500% no auge da divulgação da série.

Afirmar que os suicídios que ocorreram naquela época ocorreram por causa de uma série ou um jogo é banalizar e invisibilizar grosseiramente o sofrimento das pessoas que cometeram suicídio.

Porque com o suicídio é sempre assim: está tudo bem até essa coisa absurda e inexplicável acontecer, aí todo mundo tenta encontrar um bode expiatório, sem ter coragem de encarar da dura realidade do sofrimento alheio e o fato de que todos ao redor foram incapazes de perceber ou de fazer algo a respeito.

Isso não quer dizer que os que sobrevivem devem viver martirizados pela culpa, significa apenas que a morte aponta friamente para os nossos limites, a fragilidade e a brevidade da nossa vida. E isso é difícil demais de encarar. É mais fácil tirar a profundidade do sofrimento do outro e dizer que, se não fosse aquela série ou aquele jogo, isso não teria acontecido.

Tributo ao sofrimento adolescente.

Mai gosta de ouvir músicas de bandas desconhecidas e super melancólicas no youtube acompanhando as letras, cantando e chorando junto enquanto pensa em suicídio.

Quando Mai acorda pela manhã, com o celular despertando às seis e meia, ela abre os olhos com as pálpebras pesadas. Suas mãos geralmente demoram a encontrar o celular que fica todo dia exatamente no mesmo lugar em sua mesinha de cabeceira. Ela desliga o alarme e volta a dormir. Passam-se mais uns quinze minutos até sua mãe vir bater na porta do quarto, gritando. A mãe grita porque Mai já está atrasada para a escola. Mai levanta irritada, vai para a escola com raiva. Ela pisa forte no chão, olha para baixo, anda sempre com as mãos enfiadas no bolso de um casaco preto que ela usa mesmo no pior dos calores. O fone de ouvido fica na orelha até o professor mandar tirar na sala de aula. Ela tira o fone para ouvir os outros adolescentes rindo da sua inadequação. Onde estão os seus amigos, Mai? E, mais importante, cadê o livro, Mai? Só trouxe esse caderno velho de novo? Algumas poesias por aí, rasgadas. E página depois de página, as folhas do caderno estão tomadas por rabiscos circulares feitos com caneta preta. Ela coloca a caneta na ponta da página e vai desenhando círculos até chegar ao centro do papel e ela continua riscando e riscando e riscando. A folha rasga, a caneta acaba e ela risca e risca e risca. Quando se dá conta ela está em casa com uma lâmina na mão fazendo mais um corte no braço. As bandas desconhecidas estão tocando no computador, ela canta junto e chora muito. A dor emocional é insuportável para ela. Dói. O clichê dói para caralho. Naquele momento dói mais do que tudo no mundo. Os cortes na pele são cada vez mais profundos. Seu sofrimento era clichê, até seu braço era clichê. Eles sangram como todo braço quando cortado por uma lâmina. 

No final, temos mais uma adolescente que tinha tudo para vencer na vida morta por suicídio.

 

 

Vanessa, não!

Sinto-me completamente abandonada. Meu amor não quer saber de mim. Eu estou aparentemente completamente equivocada. Me sinto maltratada, mas isso é ele que se sente no meu lugar e eu devo ocupar alguma outra categoria de desamados.
Eu quero que ele ceda, ele eu já nem sei mais o que quer. Quero que ele não repita esses absurdos, ele não está nem aí.
Eu me pergunto se ele está sendo violento comigo. Será?
Ele acha que eu sou a violenta.
Ele acha que sou eu que abandono, eu que maltrato eu que não cuido; eu já estou em dúvida. Será que realmente não faço essas coisas?
Me questiono, mas isso não tem efeito nenhum na prática, o que eu quero é mostrar para ele que ele me distrata e eu já não sei mais como fazer isso.
Sempre que tem gente em volta, as pessoas parecem não perceber nada. Ou será que ignoram nosso sofrimento? Desviam os olhares desconcertadas. Aí eu me dou conta, com arrepios, que ele também me ingora. Me tornei invisível, ainda assim é ele que sofre. Tento gritar e espernear e ameaço me matar. Alguém me vê agora? Alguns cochicham: ignora. Ela está fazendo isso só para chamar atenção.
Sim!
Sim!
Por favor!
É de atenção que eu preciso!
Mais atenção, pelo amor de Deus!
Mas quanto mais eu peço atenção, mais ativamente eles me ignoram e vão todos escorregando para longe de mim.
Não! Por favor, não vão embora! Por favor, não me deixem aqui!
Te deixar aí? Mas foi você mesma que se afastou. Com esses suas vozes, essas suas dores, esses seus sofrimentos. Foi você mesma que se condenou.
Mas foram vocês, vocês! Você!
Se você estivesse aqui eu não estaria chorando. Eu não estaria gritando. Eu não estaria invisível. Eu não estaria me matando.
Aí eu fui embora.
E ficou todo mundo bobo. Nossa, eu não acredito que ela fez isso. Alguém sabe o que estava acontecendo com ela?

A tristeza na internet. 

Atualmente estão todos falando por aí que todo mundo parece feliz (ou quer aparentar estar feliz) nas redes sociais. Eu acho essa opinião muito sintomática. Numa busca rápida na internet você encontra blogs de adolescentes deprimidos, sites que incentivam as pessoas a se matarem, montagens melancólicas no youtube, posts falando sobre pessoas agredidas, desaparecidas ou mortas no Facebook.
O que acontece é que a gente quer ignorar o sofrimento, como sempre fazemos. Cria-se esse mito de que estão todos felizes nas redes sociais.
Quando surgem as baleias azuis e os treze porquês, as gente grita; NÃO! Não vamos falar sobre isso!
A gente adora reclamar que as pessoas estão fingindo felicidade, mas quando a tristeza aparece, a gente corre.