Guerra contra a felicidade.

Eu estou longe de poder ser parabenizada pelo meu amor aos clássicos da literatura (ou por ter lido uma boa quantidade destes), mas eu já passei tempo suficiente conversando com gente cult para saber que escritores clássicos e as tais pessoas cult não gostam muito de felicidade ou de gente feliz.

Portanto, a felicidade se tornou, já há muito tempo, coisa de gente simples e ignorante.

É um suposto fato cientificamente sustentado que as pessoas humildes, pouco educadas, geralmente pobres, sofrem menos, pois elas processam emoções de maneira menos complexa do que as pessoas que possuem mais recursos intelectuais.

O resultado histórico da mistura de todas essas opiniões é a de que a felicidade e as histórias de amor com finais felizes são malvistas, clichês, e feitas para o povão, para a massa, que “procura entretenimento rasteiro para se distrair”.

Eu até concordo que não abundam os filmes e as histórias românticas de boa qualidade, mas isso pode ser explicado pelo fato de os bons escritores, cineastas, poetas, dramaturgos etc., serem todos cult e nós já estabelecemos que gente cult odeia felicidade.

Essa guerra contra a felicidade e as pessoas felizes tem um viés acadêmico que se soma ao viés artístico.

Acadêmicos e intelectuais tendem a olhar com maus olhos esse papo de metas e de vida equilibrada, dos hábitos das pessoas altamente eficazes e da busca pela felicidade sustentável. Eles nos dizem que essas pessoas querem varrer as emoções negativas para debaixo do tapete. Afirmam que os estudos que comprovariam os benefícios e a eficácia deste novo estilo de vida e dos métodos que devemos empregar para alcançá-lo, não passam de pseudociência, de um discurso vazio e pouco profundo, que geraria, na verdade, um ideal de felicidade inatingível.

Isso tudo é realmente muito melancólico, pois é possível perceber, a partir desse discurso, o quanto as pessoas realmente se sentem tristes ou, não exatamente tristes, mas também não muito felizes de um modo geral; isso tudo a ponto do discurso da busca da felicidade parecer uma ameaça ou uma imposição insustentável, inatingível e dolorosa.

Na verdade, a gente já gastou grande parte dos recursos artísticos, intelectuais e culturais da humanidade relatando e estudando as trilhões de maneiras de sermos miseráveis. Os tratados e obras sobre a felicidade é que rareiam.

Mas o interessante é que elas sempre existiram. Desde a Antiguidade, passando pelo renascimento e chegando aos tempos atuais – nos quais elas se multiplicam – algumas mentes se arriscaram a proferir algumas palavras e a dar algumas pinceladas em homenagem à vida feliz.

Claro que existem os exagerados, aqueles que dizem que devemos ser felizes a qualquer custo e que têm horror das tais emoções negativas, mas generalizar essa postura é um grande preconceito.

O que algumas pessoas começam a buscar não é uma maneira de decepar o lado negativo, bastante rico e construtivo sim, da nossa vida emocional, mas apenas entortar a balança para o outro lado e falar mais de amor e esperança para variar.

O que queremos é, mesmo tendo consciência das mazelas da humanidade e sentindo dor e sofrimento em alguns momentos, reivindicar o direito de vivenciar o que há de verdadeiramente bom na vida e lutar para multiplicar os momentos de felicidade, aprendendo a valorizá-los.

A busca da felicidade é absolutamente legítima. E ela não é um desrespeito ao sofrimento.

A gente conhece muito mais meios de tortura, do que meios de fazer uma pessoa sorrir. E já é hora de mudar isso.