Sobre livros de colorir para adultos (e meu ex-preconceito contra eles).

A gente é muito preconceituoso de um modo geral.

Alguns desses preconceitos são responsáveis pelas mortes de milhões de pessoas ao redor do mundo.

Outros desses preconceitos nos impedem de experimentar muitas sensações positivas em nossas vidas.

É desse segundo tipo que eu quero falar hoje (mencionei o primeiro, porque trata-se de algo que sempre, sempre, sempre temos que reforçar).

 

Há uns meses eu comecei a colorir mandalas. E estou amando. E lembro que eu não comecei antes porque algumas pessoas comentaram comigo que achavam essa nova onda de livros para colorir para adultos estúpida. Eu internalizei essa crença e ela me travou por oanos.

Eu não estou dizendo que a solução para todas as pessoas é sair colorindo mandalas. Mas que é possível que seja bom para você, mas que você pode estar deixando de se beneficiar desse exercício pelo seu próprio preconceito ou pelo das outras pessoas.

No curso que eu estou fazendo (100 Days of Art Journal Therapy), disseram que colorir dentro de padrões pré-determinados nos ajuda nesse movimento, muito necessário para uma vida boa, de ser criativo dentro da rigidez do dia a dia. É verdade. Pelo menos no momento em que você está colorindo, você usa a sua criatividade para fazer algo singular, dentro do mesmo padrão que milhares de outras pessoas também estão colorindo. Isso faz sentido para mim como uma metáfora da qual precisamos nos apoderar e expandir para mais aspectos da nossa realidade.

Ainda que a sua praia não seja a de colorir mandalas, se pergunte: O que eu estou deixando de fazer por conta do julgamento das outras pessoas? Quais preconceitos eu tenho e como posso combatê-los?

Pintando Mandalas.

 

Até os meus vinte anos, eu odiava beterraba. Cozida, ralada… Não fazia diferença.

Certa vez, eu, minha mãe, minha avó e meu avô fomos passar uma semana no Hotel Fazenda Raposo. Esse hotel fica em Raposo, uma cidade com fontes de água naturais no norte do estado do Rio de Janeiro. A minha família é de lá. De Cardoso Moreira. Quando minha avó era jovem, ela ficou hospedada nesse mesmo hotel com meu bisavô e a família. Nós fomos lá para reviver essa experiência com ela quase cinquenta anos depois.

Eu amei o hotel. Tinha sauna (estava friozinho na época), fontes com vários tipos de água diferentes para beber se banhar (umas águas com gosto amargo que eu gostava bastante), muita comida da fazendo, de interior.

Rotina simples.

Acordar, ir até a fonte beber um copo d’água em jejum, tomar aquele café da manhã farto, com queijo e leite frescos, pão macio com manteiga de fabricantes da região, doce de mamão. Depois uma caminhada para ver os bichos, ouvir as histórias de boi brabo que minha avó contava, as epopeias de caminhoneiro do meu avô e aí já era hora do almoço. Nas tardes, marasmávamos na beira da piscina, bebíamos mais água da fonte, cochilávamos na sauna. O café da tarde tinha bolo. Bolo bom. De cenoura de milho, de aipim. Aí era voltar para o quarto, tomar banho, porque de noite às vezes tinha música no hotel ou na cidade, a gente curtia um pouco e voltava para o jantar. De volta ao quarto eu lia até dormir. Eu poderia viver uma vida inteira nesse ritmo homogêneo e suave.

Foi uma experiência singular em muitos aspectos.

Eu me lembro muito bem das refeições. Parecia que estávamos em um rodízio. Os garçons passavam de mesa em mesa perguntando aos poucos gatos pingados hospedados naquela época do ano: Mais arroz? Um feijãozinho? Almeirão talvez? (Ou que é isso, moço? É bom e saudável. Quero!). Quer mais carne? Beterraba? E lá estava ela: a tal da beterraba cozida. Eu disse sim.

Sim e foi um sim bem dito mesmo, sabe? Sem pestanejar.

Olhando para trás, eu imagino que foi justamente a singularidade da experiência que me fez comer aquela beterraba. E eu comi e gostei.

Hoje em dia eu gosto bem de beterraba cozida. Amo aquela que é feita junto com o feijão preto.

Não acho que é uma questão de mudança de paladar; acho que foi realmente uma questão afetiva. Eu ainda não como beterraba ralada, por exemplo. Já experimentei depois dessa viagem e não rolou mesmo. Mas a beterraba cozida, que foi servida lá, já conquistou um espaço no meu estômago emocional. A força da experiência daquela viagem rompeu barreiras. Eu não pensei muito, só disse sim.

Essa experiência é libertadora, amplificadora de horizontes, mais precisamente, e pode ser replicada.

Eu tenho ficado atenta para perceber momentos de grande engajamento emocional e, quando eles acontecem, tenho procurado ficar aberta a novas experiências.

Aconteceu recentemente com isso de pintar Mandalas que estava na moda há pouco tempo. Como um fenômeno pop, eu já torci o nariz.

Mas, durante uma viagem para o spa Maria Bonita, no qual passei uma semana com minha mãe, tivemos uma oficina de pintura de Mandalas e eu resolvi me engajar na atividade. Gostei da experiência. No entanto, como eram Mandalas para colorir e não beterrabas no feijão, tratava-se de uma vivência menos cotidiana e eu teria que correr atrás disso ativamente para continuar tendo a experiência de pintar Mandalas. E eu não fiz isso. Pelo menos não até recentemente.

Nesse meu novo estado de engajamento com diferentes formas de expressão artística, eu lembrei das Mandalas e fui dominada por aquele sentimento bom da viagem. Fui na livraria Leonardo Da Vinci e comprei um livro com várias delas para colorir. Quando comecei a pintá-las com os lápis de cor aquareláveis nos quais investi também, não lembrei do antigo preconceito, mas da boa sensação do spa.

Então eu penso o seguinte: eu não vou mais dizer categoricamente como antes “disso eu não gosto”, “odeio sei lá o quê” ou “Argh”, eu vou pensar mais em termos de “por enquanto eu não gosto muito disso, mas quem sabe no futuro”?

Eu não vou sair correndo atrás de experimentar coisas das quais eu não gosto, me forçando a apreciá-las. O importante é perceber que, episódios que carregam intensidade emocional nos afetam ao longo de nossa vida inteira. Se ficarmos atentos, podemos tirar proveito disso para expandir nossos horizontes.

Você deve estar pensando e eu também pensei nisso; acho que este é justamente o mecanismo psicológica que está por trás daquela exortação popular: “Nunca diga que desta água você não beberá jamais, pois a vida pode te surpreender”. Surpreende mesmo e é bom que seja assim. A única diferença é justamente esta: no ditado popular, isso soa como algo negativo. Era sempre meio que: “Olha… Não fala isso porque você não sabe o que o futuro te reserva. Um dia você vai ser dobrado pela vida e pode acabar sendo obrigada a fazer o que não gosta”. Pode até ser que seja assim. Mas eu te garanto que se passarmos a ver a nossa rigidez emocional de modo menos positivo, se nos mantivermos abertos para a mudança e percebermos que ela é boa, então, quando a vida nos apresentar a oportunidade de beber dessa “água”, vamos tirar o máximo de proveito desta experiência e transformá-la em algo enriquecedor.