Pessoas interessantes. 

Elas andam por toda parte.
Essa é a resposta para uma pergunta que li num livro dia desses: “Por onde andam as pessoas interessantes”?
Por toda parte. É a resposta.
“Conversar com uma pessoa é como ler um livro”.
Sim. Todas as pessoas têm uma história interessante. Ou talvez seja apenas por acreditar nisso que eu seja psicóloga e escritora. Sinto uma imensa curiosidade pela vida das outras pessoas. Quero ouví-las, entendê-las, conseguir compreender o que estão sentindo. Nunca ouvi uma história chata. Se você ouvir por tempo suficiente, pérolas começam a brotar dos discursos das pessoas.
Nem sempre estamos dispostos a ouvir, é claro. Eu tenho meus dias nos quais estou tão submersa em meus próprios pensamentos que não tem espaço para mais ninguém dentro da minha cabeça. Mas isso não diz nada das outras pessoas e sim do meu momento.
Então esse papo de que “fulano é realmente interessante, Beltrano, não” (comentário que normalmente expressa um preconceito cultural que você ouve muito no meio de gente cult que se acha a cerejinha do bolo das capacidades intelectuais e artísticas) me irrita e desgosta muito.
Onde estão as pessoas interessantes? Olhe para o lado. Aí está ela.

Empatia tem limite.

Eu a vejo como uma pessoa boa. Sua empatia não tem precedentes. Dar a outra face? Ela vai além da exortação de Cristo. Ele pede desculpas por ter te provocado a bater nela e aí então oferece a outra face para que você se sinta melhor. Para que possa puní-la por ela ter feito por onde merecer punição em primeiro lugar. Porque ela entende a sua raiva e não quer ser mais um motivo de desgosto e irritação para você.
Quando a mãe bate, ela lembra da infância dura que ela teve; quando o marido trai, ela pensa que também ela não é lá uma esposa tão perfeita assim; quando o irmão ignora, ela lembra que roubava os bonecos dele quando eram crianças para que se casassem com suas barbies.
Mas ela sofre, viu? Como sofre. Por isso não me espanto dessa faca na mão, esse sangue nos olhos. Quem você acha que uma pessoa nessa situação mata primeiro? A si mesmo ou aos outros? Se você estivesse lá, se você tivesse visto, eu aposto que teria feito exatamente a mesma coisa.

Ler no metrô.

Impressionante como eu consigo me concentrar quando estou lendo no metro.
Eu tenho percebido que eu tenho, sempre que possível, pego o metrô intencionalmente e animada porque vou conseguir ler na viagem. Não é só por ler, sabe? Eu amo ler. E eu tenho percebido que ler NO METRÔ é bem legal para mim.
Eu leio em outros lugares também, mas ler no metro tem um apelo específico.
Uma grande amiga já havia me falado uma vez que gosta de escrever no metrô e eu lembro de ter achado intrigante. Do estou trazer alguma coisa, um ambiente, que propicia a escrita dela.
Então, outro dia, quando eu finalizei um livro dentro do metrô e fiquei sem nada para fazer no meio da viagem, que eu percebi o quanto aprecio a atividade específica de ler nesse transporte.
Desde que percebi isso, eu separei o “livro do metrô”. Seleciono um livro e o leio apenas quando estou no metrô. Fico me perguntando se um dia eu sair para andar de metrô só para ler, sem estar indo para lugar nenhum, só passeando de um lado para o outro e lendo, seria bom do mesmo jeito. Se eu descobri um novo hobbie ou apenas uma boa maneira de suportar o metrô lotado.
Vou fazer essa experiência qualquer dia desses.

Uma exceção: todas as regras e hábitos de leitura estão suspensas em períodos de entrega de artigo ou preparação de aula. Porque nesses momentos eu leio as referências bibliográficas até tomando banho.

Ler ou ver? Eis a questão. 

Ler um livro não é tão simples como imaginamos.
Ah, você vai na livraria, ou navega em uma loja digital, escolhe um livro e pronto! Começa a ler. E lê o livro até o final.
Não, não, não. Eu lembro a tortura que era começar a ler um livro ruim e me sentir obrigda a ir até o final. Mais triste ainda era quando se tratava de uma trilogia que desandava já no primeiro livro… Quando o livro era bom, eu ainda não estava fora de perigo. Geralmente vinha a preocupação com os personagens… Com o que o autor ia fazer com eles no final no final do livro etc. Claro que essas questões que aparecem quando você lê um bom livro, são as questões que valem a pena.
De qualquer maneira, isso não é tão acurado, pois eu sempre achei que mesmo um livro ruim valia a pena no fim das contas.de um modo diferente, certamente, mas ainda assim, não era de todo tempo perdido. Alguma coisa sempre ficava da leitura.
Agora, quando tento fazer o paralelo dessas experiências com filmes e séries eu fico insatisfeita.
Já ouvi algumas pessoas dizerem que ver uma boa série ou filme é como ler um livro. Talvez… Se você se engajar ativamente, ou seja, não só assistir, mas também pensar e debater sobre o filme ou série. Agora, se for uma produção ruim, eu tenho a impressão de que não tiramos nada, nada, nada dela. Diferentemente de quando lemos um livro ruim. O livro ruim ainda engaja mais a mente do que um filme ruim. A experiência é de outro nível.
E aí poderíamos falar das séries, especificamente. Cara, eu estou assistindo SuperNatural há treze anos! Eu não aguento mais! Mas você não consegue parar de ver. Vira um vício.
O paralelo com as trilogias ou as séries de livros é evidente. Temos séries e mais séries de TV atualmente transportando os livros para as telas.
E aí vem o argumento: porque as pessoas vêm as séries de TV, mas em bem menor escala, lêem os livros? Porque é muito diferente ler de assistir TV. Acho que o fenômeno do sucesso das séries prova isso.
Mas então, retomando o raciocínio. Ler livros tem seus problemas: se for um livro ruim e você ficar prazo à trama até o fim mesmo; perder a qualidade a medida que avança; ou ser ruim desde o início.
Esses problemas são como que potencializados quando passamos para as telas.
Se uma série ou filme são ruins, acaba que isso gera uma situação muito pior, mais vazia e menos instrutiva do que ler um livro ruim.
O último ponto que quero levantar é o seguinte: o principal argumento que eu ouço de algumas pessoas para justificar o porquê de escolherem as telas ao papel é que ler livros demora. Sinceramente, nós passamos de cinco a dez anos ou mais acompanhando uma série. Eu tenho certeza de que você demoraria menos tempo do que isso lendo um livro.
Não sou contra as séries ou filmes. Eu sou contra elas dominarem o universo da nossa imaginação.
Bom, eu me perguntaria depois desses argumentos: ler um livro ruim ainda é melhor do que ver uma série boa ou um bom filme?
Eu diria que não.
Mas eu também diria que, considerando o fato de que a escolha de séries, filmes e livros, nunca é garantida, mesmo com recomendações, resenhas etc, nunca sabemos com certeza da qualidade da obra (ou se ela será compatível com o nosso gosto) o apelo para que concedamos um lugar mais amplo para a literatura em nossa vida se sustenta.

Fotografias literárias

Um menino de aproximadamente 10 anos está com o dedo na boca na porta do banheiro feminino do shopping. No momento em que eu olho, o menino parecia ter acabado de levantar os olhos; semi-aberta, a porta do banheiro deixa entrever uma mulher que olha para frente, ignorando o menino. Mas o menino está olhando para ela. Vê-se logo que não é a mãe dele. Eu, um pouco mais adiante, observo o menino e me preocupo pensando que ele pode estar perdido, pois a garrafa de 600 ml que eu encho agora no bebedor que libera um fio fraquinho de água já está quase cheia e ainda não saiu do banheiro a mãe daquele menino. Ele obviamente não espera pelo pai. O banheiro masculino pode ser visto do outro lado de onde o menino se encontra. Olhando o campo aberto da imagem, nota-se que o menino estava inclinado, o que dava a impressão de que ele andava em círculos. Seu corpinho meio de lado, numa diagonal estranha, o dedo na boca, olhando ansioso a mulher que sai do banheiro e que não é sua mãe. O chão brilha muito. Deve ter acabado de ser polido. E o menino, vestido em roupas muito claras, contrasta com a parede vermelha atrás de si. Muitas outras pessoas estão ao redor, mas elas não chaman atenção.

Guerra contra a felicidade.

Eu estou longe de poder ser parabenizada pelo meu amor aos clássicos da literatura (ou por ter lido uma boa quantidade destes), mas eu já passei tempo suficiente conversando com gente cult para saber que escritores clássicos e as tais pessoas cult não gostam muito de felicidade ou de gente feliz.

Portanto, a felicidade se tornou, já há muito tempo, coisa de gente simples e ignorante.

É um suposto fato cientificamente sustentado que as pessoas humildes, pouco educadas, geralmente pobres, sofrem menos, pois elas processam emoções de maneira menos complexa do que as pessoas que possuem mais recursos intelectuais.

O resultado histórico da mistura de todas essas opiniões é a de que a felicidade e as histórias de amor com finais felizes são malvistas, clichês, e feitas para o povão, para a massa, que “procura entretenimento rasteiro para se distrair”.

Eu até concordo que não abundam os filmes e as histórias românticas de boa qualidade, mas isso pode ser explicado pelo fato de os bons escritores, cineastas, poetas, dramaturgos etc., serem todos cult e nós já estabelecemos que gente cult odeia felicidade.

Essa guerra contra a felicidade e as pessoas felizes tem um viés acadêmico que se soma ao viés artístico.

Acadêmicos e intelectuais tendem a olhar com maus olhos esse papo de metas e de vida equilibrada, dos hábitos das pessoas altamente eficazes e da busca pela felicidade sustentável. Eles nos dizem que essas pessoas querem varrer as emoções negativas para debaixo do tapete. Afirmam que os estudos que comprovariam os benefícios e a eficácia deste novo estilo de vida e dos métodos que devemos empregar para alcançá-lo, não passam de pseudociência, de um discurso vazio e pouco profundo, que geraria, na verdade, um ideal de felicidade inatingível.

Isso tudo é realmente muito melancólico, pois é possível perceber, a partir desse discurso, o quanto as pessoas realmente se sentem tristes ou, não exatamente tristes, mas também não muito felizes de um modo geral; isso tudo a ponto do discurso da busca da felicidade parecer uma ameaça ou uma imposição insustentável, inatingível e dolorosa.

Na verdade, a gente já gastou grande parte dos recursos artísticos, intelectuais e culturais da humanidade relatando e estudando as trilhões de maneiras de sermos miseráveis. Os tratados e obras sobre a felicidade é que rareiam.

Mas o interessante é que elas sempre existiram. Desde a Antiguidade, passando pelo renascimento e chegando aos tempos atuais – nos quais elas se multiplicam – algumas mentes se arriscaram a proferir algumas palavras e a dar algumas pinceladas em homenagem à vida feliz.

Claro que existem os exagerados, aqueles que dizem que devemos ser felizes a qualquer custo e que têm horror das tais emoções negativas, mas generalizar essa postura é um grande preconceito.

O que algumas pessoas começam a buscar não é uma maneira de decepar o lado negativo, bastante rico e construtivo sim, da nossa vida emocional, mas apenas entortar a balança para o outro lado e falar mais de amor e esperança para variar.

O que queremos é, mesmo tendo consciência das mazelas da humanidade e sentindo dor e sofrimento em alguns momentos, reivindicar o direito de vivenciar o que há de verdadeiramente bom na vida e lutar para multiplicar os momentos de felicidade, aprendendo a valorizá-los.

A busca da felicidade é absolutamente legítima. E ela não é um desrespeito ao sofrimento.

A gente conhece muito mais meios de tortura, do que meios de fazer uma pessoa sorrir. E já é hora de mudar isso.

Os diferentes ritmos de leitura.

Hoje eu estava fazendo um plano de leituras. O objetivo não era nem colocar a leitura em dia, ou ler os clássicos nem nada disso. Eu estava organizando uma lista de leitura com o objetivo de economizar dinheiro. Eu tenho um problema com a compra compulsiva de livros.

Além de gostar de ler propriamente, eu gosto dos livros em si, sabe como é isso? De comprar livros e de ter livros em casa. Eu adorava lista de bibliografia da faculdade, porque eu tinha uma desculpa para sair comprando livros.

O comprometimento com uma lista de leitura é uma maneira de retardar esse processo. Embora eu entenda que a compra dos livros não tem tanto assim a ver com gostar de ler. Eu poderia ter vários e-books, por exemplo, ou livros de domínio público, mas não. Eu até leio livros em formato digital, mas não tenho problemas com a compra excessiva dos mesmos. Eu também leio livros de bibliotecas e isso não tem impacto sobre o meu desejo de comprar livros, a princípio. Eu gosto de colecionar o papel.

De qualquer forma, uma regra no sentido de que eu teria que ler um número X de livros antes do comprar um livro novo, pode ajudar. Assim como usar todas as peças de roupa do seu armário antes de comprar uma peça nova pode ajudar com a compra exagerada de roupas novas, por exemplo.

Então, estava eu pensando na lista de leitura e comecei a me dar conta dos diferentes impactos que os livros têm em nós. Isso é algo muito importante a se considerar na hora de pensar a lista de leitura. Se você resolver ler: Senhor das Moscas, A Guerra não tem Rosto de Mulher, Germinal e 1984, o próximo passo é se matar.

Para evitar tal efeito indesejável, é legal alternar esses livros tensos com temas mais leves.

Cada tipo de livro ou partes de um determinado livro, por sua vez, é lido em um ritmo diferente. Acho que foi isso que eu não tinha parado para pensar antes.

Existem vários ritmos diferentes que empregamos para ler um livro.

Tem as partes envolventes que lemos de uma tacada só. Aquelas cem páginas que a gente avança em uma sentada. (para mim, foram algumas partes d’As Brumas de Avalon. Quando eu me deva conta, tinham-se passado horas e horas de leitura).

Tem as partes chatas, temos que admitir, que demoram… A gente pula frases, parágrafos, tem partes que a gente não entende, mas também não se importa de não ter entendido (sinceramente? Vocês vão me desculpar, mas foi a leitura da primeira parte d’O Silmarillion. Eu li aquilo ali algumas vezes e ainda não consigo absorver completamente a história da formação do mundo e as mudanças que ocorreram nele).

Tem aqueles livros que a gente não entende, mas volta cinquenta vezes de bom grado para tentar entender e relembrar o que estava acontecendo (As Mil e Uma Noites, claro. Eu estava toda hora voltando para entender qual história se ligava ou estava dentro de qual outra história. Nesse caso era uma festa. Eu amava).

Tem os livros que devem ser lidos aos poucos, um pedacinho por dia (na minha opinião, os livros de poesia e, às vezes, de contos. Quando é assim eu gosto de ler uma ou duas poesias por dia, ou um conto por dia).

Tem os livros que a gente nunca acaba. Podem haver diversos motivos para isso: o livro pode ser chato (novamente, me perdoem, mas A Metamorfose é um livro muito chato. Eu sei que pouca gente tem coragem de expressar essa opinião, com medo de ser taxado de ignorante, mas o livro é verdadeiramente chato e eu tenho certeza de que tem um monte de gente cult pensando isso por aí. Quer ler um livro do Kafka? Leia Carta ao Pai); pode dar medo e paralisar a gente (eu senti medo e nunca terminei de ler algumas histórias do Contos Tradicionais do Brasil compilados pelo Câmara Cascudo. Esse foi o livro paradidático da quinta série e algumas histórias são assustadoras. Tenho pesadelos com a que o meu grupo foi obrigada a encenar na peça da escola até hoje); o livro pode ser também imensamente grande, aí temos vontade de ler outros livros durante a leitura do primeiro (eu com a Bíblia que já tem uns três anos que estou lendo e não acaba nunca); e livro pode também revirar as nossas entranhas e nos dar enjoo moral (120 Dias de Sodoma, por exemplo, que eu não consegui terminar de ler até hoje. Esse deve ter sido o primeiro livro que eu deixei inacabado, antes dele eu sempre me obrigava a ler tudo, até quando se tratava de sequencias. Foi o caso do Fronteiras do Universo. Não conhece esse nome? Que tal A Bússola de Ouro? Fronteiras do Universo é o nome da trilogia. O livro é doido e meio chato, mas eu comecei o primeiro, li os três. Terminei amando, fazer o que? Mas depois do Sade, esse ciclo se quebrou e várias leituras desde então ficaram inacabadas); dentro outros motivos que não me ocorrem agora.

Por fim, tem livros como o que estou lendo agora. A leitura leva o seu tempo. Anda num ritmo próprio. A leitura não se encerra no momento em que você está com o livro na sua frente. Você fica tentando antever como a trama vai se desenrolar e o que vai acontecer com os personagens e fica com medo do escritor ser um f**** da p*** e resolver matar todo mundo no final. Você acaba retardando a leitura, com medo do que vai acontecer. Mas, assim como a vida, a leitura atropela a sua resistência e demanda seguir seu curso, você assume os ricos e continua lendo. Se o autor for um ursinho carinhoso, você respira aliviado, ele salva os personagens, não mata ninguém por quem tenhamos nos apegado; se não, ele mata todo mundo no final. Conforme as desgraças vão acontecendo, precisamos levantar a cabeça do papel e passar por um período de luto. Durante esse tempo, e esse é o poder de um bom luto, passamos por uma evolução pessoal, pois a emoção que o autor nos provoca, as questões que ele nos coloca, nos fazem pensar a nossa realidade e olhar para o mundo de outra maneira (foi o que me aconteceu em Senhor das Moscas e que está acontecendo novamente em Germinal. Livros tensos e carregados de verdades a respeito da humanidade. Essas leituras são densas e nos absorvem, demandam tempo e reflexão para serem bem aproveitadas).

Estes são os ritmos que me ocorreram, mas sintam-se à vontade para adicionar novos ritmos de leitura com os quais vocês estão familiarizados nos comentários!

 

A filha do mineiro e a filha do burguês no Germinal de Émile Zola.

Mais ou menos às quatro da madrugada, durante seis dias na semana, acordavam os mineiros e suas filhas, também mineiras, para um dia extenuante de trabalho, em semi-jejum:

“(…) Catherine fez um esforço desesperado. Espreguiçava-se, crispava as mãos nos cabelos ruivos que se emaranhavam na testa e na nuca. Franzina para seus quinze anos, não mostrava dos membros senão uns pés azulados, como tatuados com carvão, que saiam para fora da bainha da camisola estreita, e os braços delicados, alvos como leite, contrastando com a cor macilenta do rosto, já estragado pelas contínuas lavagens com sabão preto. Um único bocejo abriu-lhe a boca um pouco grande, com dentes magníficos incrustados na palidez clorótica das gengivas, enquanto seus olhos cinzentos choravam de tanto combater o sono. Era uma expressão dolorosa e abatida que parecia encher de cansaço toda a sua nudez” (p. 21).

 

Seis horas mais tarde, acordavam as poucas filhas dos burgueses e os burgueses, para uma mesa posta de pães e bolos e um dia de ócio produtivo.

“(…) forrado de seda azul, com mobiliário laqueado de branco e filetes azuis, um capricho de criança mimada satisfeito pelos pais. No alvor informe do leito, à meia luz filtrada pela abertura de um cortinado, a mocinha dormia, cabeça apoiada no braço nu. Não era bonita, mas muito sadia, muito vigorosa, madura mesmo nos seus dezoito anos, com uma carnação soberba, uma frescura de leite, cabelos castanhos, rosto redondo, narizinho voluntarioso afundado entre as faces. As cobertas tinham escorregado e podia-se vê-la respirando, mas tão levemente que a respiração nem sequer movimentava seu colo já desenvolvido” (p. 83).

 

Zola, Émile. GERMINAL. Tradução de Francisco Bittencourt. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

Pole dance e vida acadêmica.

Eu lia livros da Disney quando era bem novinha. Li muito A Bíblia Para Crianças também. Isso é o que eu me lembro de ler antes dos dez anos de idade.

 

Eu me lembro de já ser, desde cedo, fascinada por livros grossos. Eu cheguei a surrupiar E O Vento Levou da estante da minha mãe e leva-lo para a escola quando eu estava na terceira série (já dá para ter noção de que eu sofri muito bullying quando eu era criança, não é?).

 

Mas, naquela ocasião, eu não cheguei, de fato, a ler o livro, eu só o carregava para cima e para baixo.

 

Comecei a ler livros de mais de vinte páginas ou com mais de quatro linhas em cada página, com dez para onze anos. Foi quando saiu o primeiro livro do Harry Potter. Minha mãe começou lendo para mim de noite, mas ela acabava dormindo rápido algumas vezes e eu ficava morrendo de curiosidade. Comecei a ler sozinha. Não que eu dispensasse as histórias da minha mãe, mas eu até preferia as inventadas do que as lidas de algum livro.

 

Ela inventava histórias do tipo: a formiguinha estava andando pela estrada – aí ela começava a dormir e eu a cutucava, mas não com tanta força para que ela não acordasse completamente e ela continuava – aí o chefe dela chamou ela na sala dele…

 

Eu morria de rir.

 

Enfim, fui do Harry Potter para os livros do Tolkien, daí para as Brumas de Avalon e assim por diante.

 

Não parei de ler até a faculdade. Mas isso eu acho que já contei para vocês.

 

O que ficou de fora é que tinha outra atividade que me acompanhava desde sempre: a dança. Ou o que eu considerava dança.

 

Minha mãe queria que eu fizesse balé e eu não quis de jeito nenhum, até hoje não é o que mais me encanta na dança.

 

Mas eu aceitei fazer jazz e não parei nunca mais de fazer coisas com o corpo até… Adivinha quando… Isso mesmo! Até entrar para a faculdade.

 

Do jazz eu fui para a GRD (ginástica rítmica desportiva), depois para a dança do ventre e a dança cigana, estas últimas eu fiz ao mesmo tempo dos treze aos dezessete anos.

 

Então, quando eu passei para a faculdade de psicologia, não deixei apenas a paixão pela literatura de lado, mas também o meu amor pela dança.

 

Não foi uma morte rápida. Foi uma morte lenta e eu fui insensível a ela. Eu fui sentindo como se a minha antiga vida estivesse se tornando obsoleta, eu fui abraçando um novo estilo de ser e de me comportar como se alguma mudança positiva estivesse acontecendo.

 

Eu me lembro de ter lido O Morro dos Ventos Uivantes durante as aulas de Estatística no terceiro período da faculdade e esse foi um dos últimos livros que eu tinha lido até recentemente, quando este quadro mudou. Eu não me lembro quando foram as minhas últimas apresentações de dança, mas devem ter ocorrido mais ou menos nessa época.

 

Quando eu comecei a me dedicar à escrita e à leitura novamente, a necessidade da dança veio junto.

 

Atualmente eu estou lutando contra a culpa para poder dar conta do meu trabalho, da literatura, da dança e do doutorado em filosofia sem achar que eu estou fazendo pouco em cada uma dessas áreas.

 

É uma loucura isso. Eu ainda tenho que lidar com a mesma armadilha que me prendeu na graduação. “Se a sua vida não se resume única e exclusivamente à academia você não deveria estar no meio acadêmico”.

 

Esta, além de ser uma exigência que nunca vai ser satisfeita (mesmo as pessoas que mais se dedicam aos estudos que eu já conheci estão insatisfeitas e acham que deveriam estudar mais), é uma exigência falsa.

 

Não é verdade que você não pode ter uma vida fora da academia para ser alguém intelectualmente. Para fazer algum tipo de trabalho que importe.

 

O livro da Carolina de Jesus vale muito, muito, muito mais do que muita tese que está por aí mofando nos porões das bibliotecas acadêmicas.

 

Atualmente eu estou fazendo dança do ventre e pole dance (que é muito difícil e maravilhoso!) e isso me faz mais bem do que qualquer livro do Kant que eu já tenha lido. E olha que ele foi um dos dois principais autores que eu estudei no mestrado. Eu sinto que ele deveria ser mais importante na minha vida, mas ele, infelizmente, não é.

 

A vida acadêmica tem um alto potência para ser massacrante, com chances de se tornar um relacionamento abusivo.

 

Mas eu estou desviando novamente do que eu consigo falar hoje, que é a minha história com a dança.

 

Eu ainda estou cozinhando mentalmente um post sobre a academia além dos dois que eu já postei de que você pode acessar aqui e aqui.

 

Mas agora eu estou um pouco deprê por ter entrado neste assunto.

 

Texto louco esse, não é mesmo? Às vezes é ruim escrever desse modo: imaginando que eu estou em diálogo com alguma pessoa sem programar o texto (eu vou escrevendo e imaginando um interlocutor que responde e comenta o cada tópico). Isso acontece porque eu estou escrevendo todo dia e às vezes não tenho tempo para preparar os textos como eu gostaria. Uma das desvantagens de ter como meta a publicação de um post por dia.

 

Acho, então, que vou simplesmente encerrar por aqui deixando vocês com o vídeo da minha primeira apresentação no pole dance.