Se liberte dessa culpa!

Domingo a noite e eu sem tempo para escrever no Blog. Sabe o porquê? Eu estou estudando.
Isso mesmo. Eu e meu marido estamos estudando. Ele porque está terminando de escrever a dissertação e eu porque tenho uma reunião para debater um texto com meu orientador do doutorado na quarta.
Durante o dia eu não tive tempo de estudar. Foi aniversário da minha prima (maravilhosaaaaaa) e nós ficamos pintando, desenhando e comendo o dia todo.
Amanhã? Não estou de folga não. Vou atender doze pacientes. São doze horas de trabalho. E eu não estou falando tudo isso para você me admirar ou ter pena de mim, sei lá.
É que recentemente eu estava conversando com uma amiga de infância e pensando: “Cara, os pais dessa pessoa achavam que eu era uma má influência. E olha nós hoje em dia… Na verdade, alguns pais achavam que eu era a má influência”. Por isso eu comecei a fazer uma lista mental das minhas conquistas.
Olha a má influência aqui, hoje em dia. A má influência que nunca repetiu de ano, que passou no seu primeiro vestibular para a UFRJ (e depois para o mestrado e o doutorado), que ganhou uma bolsa de estudos e foi para a Alemanha estudar, que trabalha e sustenta sua casa junto com seu marido, que tem um excelente relacionamento com a sua mãe.
Eu penso nisso tudo e fico irritada. Filhos da puta! Ouvir que você é uma má influência é uma merda! Isso já aconteceu com você? Você se sente errada de alguma forma. Errada é o caralho. Eu sou exemplo. Exemplo do que você deveria querer que o seu filho fosse. Não é porque eu não abaixava a cabeça para qualquer um que quisesse me dar ordens ou que dissesse que eu era inadequada que eu sou má em qualquer sentido que seja. O problema é o embate entre o seu conservadorismo a minha revolução.
Sinceramente? Não. Eu nuca fiz nenhuma merda terrível. Malcriações, birras, equívocos. Isso todos nós cometemos. Adultos inclusos. E olha que eu tenho propriedade para falar, como psicóloga que sou. E eu não fui diferente. O problema foi terem querido me fazer acreditar que os meus erros foram maiores do que o das outras pessoas, que as minhas posturas foram mais inaceitáveis, foram inadmissíveis. Hoje em dia eu é que acho inadmissível continuar carregando essa culpa. Me liberto.
Então se eu ainda te incomodo, tenha certeza absoluta de que isso expressa mais um problema com você do que comigo.

Essa era a minha culpa. Qual é a sua? Aproveita e se liberta junto comigo. Não gaste mais nem um segundo da sua existência se perguntando o que você fez de errado, o que você tem que mudar no seu jeito ou como você tem que agir. Se pergunte apenas o que você desteja da vida, o que você tem que fazer para ser feliz e como você tem que agir para alcançar seus objetivos. 

A culpa está fora de moda. 

Livin’ on a prayer X It’s my life – ou como um abanda pode ser tão contraditória?

bom-jovi

Bon Jovi já está aí há bastante tempo. Não acompanho a banda e ela está longe de ser minha banda favorita, mas hoje eu ouvi estas duas músicas, uma seguida da outra e fiquei espantada.

A música Livin’ on a prayer é de 1986. A letra traduzida da música é (tirada do site Vagalume. Link: https://www.vagalume.com.br/bon-jovi/livin-on-a-prayer-traducao.html):

 

Vivendo de preces
Era uma vez

Não faz muito tempo

 

Tommy costumava trabalhar no porto

O sindicato está fazendo greve

Ele só tem sua sorte

É difícil, tão difícil

Gina trabalha no restaurante o dia todo

Trabalhando por seu homem, ela traz pra casa o pagamento

Por amor, por amor

 

Ela diz: Temos que nos segurar ao que nós temos

Não faz diferença se conseguiremos ou não

Nós temos um ao outro e isso já é o bastante para o amor

Nós vamos dar uma chance

 

Estamos quase lá

Vivendo de preces

Segure minha mão, nós vamos conseguir, eu prometo

Vivendo de preces

 

Tommy penhorou seu violão

Agora ele está segurando

Quando ele o utilizava para se expressar, é difícil

É muito difícil

Gina sonha em fugir

Quando ela chora de noite, Tommy sussurra

Amor, está tudo bem, um dia

 

Temos que nos segurar ao que nós temos

Não faz diferença se conseguiremos ou não

Nós temos um ao outro e isso já é o bastante para o amor

Nós vamos dar uma chance

 

Estamos quase lá

Vivendo de preces

Segure minha mão, nós vamos conseguir, eu prometo

Vivendo de preces

Vivendo de preces

 

Nós temos que aguentar, preparados ou não

Você vive pela luta quando é tudo o que resta

 

Estamos quase lá

Vivendo de preces

Segure minha mão, nós vamos conseguir, eu prometo

Vivendo de preces

 

Estamos quase lá

Vivendo de preces

Segure minha mão, nós vamos conseguir, eu prometo

Vivendo de preces

 

Tem nessa música uma ideia muito forte de companheirismo. Duas pessoas se agarrando uma à outra, passando por intensas e cruéis dificuldades juntas, lutando para sobreviver e tirando forças do amor e da ideia de estarem juntos. A música nos deixa com esse sentimento de revolta contra a opressão, a miséria e contra essa realidade que vivemos, que nos massacra e nos faz sofrer. As pessoas só querem se amar e ser felizes, mas eles não encontram condições mínimas para viver suas vidas em paz. O refrão representa uma coletividade através do uso do pronome “nós”. Tommy e Gina têm um ao outro e ali naquele “nós” ainda está contida uma juventude indignada que quer se libertar!

Agora vamos à letra de It’s my life (também retirada do site Vagalume. Link: https://www.vagalume.com.br/bon-jovi/its-my-life-traducao.html):

 

É a minha vida
Esta não é uma canção para quem está de coração partido

Não é uma oração silenciosa para os que perderam a fé

Eu não serei apenas um rosto na multidão

Vocês vão ouvir minha voz quando eu gritar bem alto

 

É a minha vida

É agora ou nunca

Eu não vou viver para sempre

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

(É a minha vida)

Meu coração é como uma estrada livre

Como Frankie disse

Eu fiz do meu jeito

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

É a minha vida

 

Esta é para aqueles que conquistaram seu espaço

Para Tommy e Gina que nunca desistiram

Amanhã será mais difícil não cometer erros

Nem a sorte é afortunada

Tem que fazer suas próprias oportunidades

 

É a minha vida

É agora ou nunca

Eu não vou viver para sempre

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

(É a minha vida)

Meu coração é como uma estrada livre

Como Frankie disse

Eu fiz do meu jeito

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

Porque é a minha vida

 

É melhor estar alerta quando eles te convocarem

Não se curve, não ceda, querida, não recue

 

É a minha vida

É agora ou nunca

Porque eu não vou viver para sempre

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

(É a minha vida)

Meu coração é como uma estrada livre

Como Frankie disse

Eu fiz do meu jeito

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

(É a minha vida)

 

É agora ou nunca

Eu não vou viver para sempre

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

(É a minha vida)

Meu coração é como uma estrada livre

Como Frankie disse

Eu fiz do meu jeito

Eu só quero viver enquanto estiver vivo

Porque é a minha vida

 

Uma letra vazia, redundante, sem profundidade nenhuma, marcadamente individualista e egocêntrica. O valor aqui é o suposto controle que temos sobre a nossa própria vida independentemente de todas as circunstâncias. Aqui não existem barreiras intransponíveis. Aqui, depende apenas da vontade de Tommy e Gina se libertarem das condições que os aprisionavam e os faziam sofrer, que ameaçavam seu amor. Ouviram, Tommy e Gina? Só depende de vocês.

Nessa letra tem um final feliz implícito. Aquela liberdade pela qual se lutava foi supostamente alcançada.

Nessa segunda letra, a gente não fica com raiva do mundo exterior, a gente olha para o mundo com desprezo, sabendo que podemos, sozinhos, dominá-lo. Tommy e Gina lutavam juntos contra a opressão; o homem do ano 2000 (ano de lançamento de It’s my life) toma as rédeas de sua vida e dobra o mundo perante a sua vontade soberana. Não deve ser à toa que Bom Jovi é um homem, branco, rico, norte-americano, cantando It’s my life na virada do século XXI. Essa música é o símbolo da nossa falta de horizonte.

 

 

O que as feministas querem de você.

Meu sapato favorito exalava um cheiro insuportável de chulé o dia inteiro.
E eu me perguntava, sempre que alguém se aproximava, se outras pessoas conseguiam sentir o cheiro tão terrivelmente fétido quanto eu.
O cheiro não ficava contido no sapato. Subia até minhas narinas.
Aquele sapato era extremamente confortável. Eu não o havia escolhido por nenhuma qualidade estética. Tratava-se de um santo sapato, contudo. O mais confortável que eu já havia calçado em toda a minha vida.
E eu fui obrigada a abandonar o sapato. Voltar aos pares bonitos e perfumados que farão meu pé descamar até a carne viva eternamente, removendo esparadrapo, band-aid e o que mais você quiser colocar nos meus pés para protegê-los. Camada por camada eu vou sentindo dor.
Com isso meus valores estavam corretos novamente. Realinhados.
Fui aplaudida pelo abandono do confortável.
Claro que as pessoas não queriam ativamente que eu sofresse.
Mas sair por aí com sapato fedido é foda, não é?
Claro que ninguém quer ativamente que eu tenha câncer, mas abandonar desodorante é inaceitável.
Ninguém quer que eu sinta dor, mas depilação é uma questão de higiene.
Não querem que a minha pele fique sem respirar, mas uma maquiagenzinha dá uma vida para a cara morta e desinteressante natural que a gente tem, certo?
A pergunta não é: por que o feminismo não quer que eu use maquiagem, me depile e use desodorante.
A questão é que deve-se ter em mente duas coisas:
1- De onde vem o meu desejo de tratar o meu corpo desta forma? (Se pergunte, por exemplo, de onde vem o seu desejo de beber refrigerante? Ou o seu gosto por filmes de Hollywood?). Nossos desejos e a maneira de lidar com o nosso próprio corpo são historicamente construídos e possuem muitos significados que não podem ser ignorados. O que nos leva ao ponto número dois;
2- O que acontece com as mulheres que escolhem não se submeter a esses padrões? É tranquilo para elas?

A resposta é não.

Não é tranquilo para as mulheres fazerem escolhas que desviem daquilo que lhes é imposto.

Esse é o ponto da luta. Defender o seu direito de tratar o seu corpo do jeito que você quiser sem que você seja punida por isso.

Vamos imaginar que Maria decidiu ficar em casa no sábado à noite no lugar de ir para a balada. Este é o cenário A. Neste cenário, Maria exerceu a sua liberdade e decidiu o que queria fazer, além de ter tido condições de efetivamente fazer o que havia decidido. Também estava preservado o seu direito de mudar de ideia. Caso ela desejasse sair, ela seria livre para isso.

Agora vamos pensar no cenário B. Maria havia acabado de tomar a mesma decisão de não sair no sábado à noite, quando alguns bandidos invadiram sua casa para se esconder da polícia. Eles disseram para Maria que ela estava proibida de sair de casa enquanto eles estivessem lá sob a pena de sofrer pesadas punições.

No cenário B, Maria acaba fazendo o que ela havia resolvido fazer de qualquer maneira, mas podemos dizer que ela foi realmente livre nesta situação?

A resposta é não.

No cenário B, a despeito do resultado final da ação ter sido o mesmo, Maria não era verdadeiramente livre. Ela não poderia ter mudado de ideia. Ela não poderia ter escolhido fazer outra coisa. E ainda, uma severa restrição havia sido adicionada à sua decisão inicial de não sair de casa, de modo que não há mais como afirmar se Maria não sai de casa porque ela manteve a sua decisão inicial de não sair e ela não muda de ideia até os bandidos irem embora ou se ela apenas estava evitando ser severamente punida pela desobediência às condições que lhe foram impostas.

No que diz respeito aos cuidados com o corpo de uma mulher a situação é semelhante a do cenário B. Substitua Maria por uma mulher X e os bandidos pelo machismo que impõe padrões ao corpo dessa mulher.

Aí eu já sinto o seu desejo de perquirição: você está dizendo então que as mulheres não sabem o que querem com o próprio corpo? À mulher não cabe dizer o que ela quer do próprio corpo? É você quem sabe e quem tem que dizer?

Não.

A palavra final é sempre da mulher.

Lembra que eu disse que o importante é que cada uma possa fazer o que deseja com o seu corpo e com a sua vida sem que haja algum tipo de punição desta atitude?

Pois bem. Dito isso, afirmo que, uma vez que você tenha consciência de que há uma força estrutural que demanda certas coisas do corpo feminino, a última palavra a respeito do seu corpo e dos seus desejos é sua. Sem dúvida alguma. Mas enquanto uma reflexão deste tipo não é feita, você pode estar à mercê de certas forças opressoras da sociedade sim. E pode acabar reproduzindo-as às custas dos desejos e dos cuidados com o corpo próprio de outras mulheres.

Esse raciocínio não é novo. Começamos a ser alertados para os efeitos perniciosos das ideias preconceituosas e opressoras que absorvemos passivamente e sem questionamento ou plena consciência há muitos anos e por muitos movimentos de minorias diferentes.

Essas forças funcionam em larga escala sob a superfície dos desejos e dos atos. Temos que retirar uma camada, olhar por debaixo dos nossos comportamentos e pensamentos para perceber sua influência.

É o que fica claro no cenário B. Essa força do machismo só fica evidente quando há desvio e sofrimento. Se você olha apenas para o fato de que Maria ficou em casa no sábado à noite, você não é capaz de ver o bandido atrás da porta apontando o revólver para ela.

É apenas em um terceiro cenário hipotético C, no qual Maria poderia vir a resolver desobedecer ao bandido e sair de casa a despeito de suas ordens, que nós percebemos que Maria não era realmente livre para fazer o que desejasse seja lá o que for que ela escolhesse.

No cenário C, no qual Maria resolve fugir, desrespeitando o comando que lhe foi dado, ela é baleada. É apenas nesse momento que vemos o perigo de desviar da ordem dominante.

Mas liberdade não é meramente ter a sorte de querer o mesmo que o seu agressor te obriga a querer não é mesmo?

Isso é a mesma coisa que ser escravo do “bom senhor”. Não importa se o seu senhor é “bom”, a sua liberdade jamais será verdadeira enquanto você estiver sob o domínio de um “mestre”, pois a qualquer momento, essa liberdade pode acabar.

Me acompanhe ainda no cenário D, no qual Maira está em casa obedecendo ao comando dos seus sequestradores, mas estes, em algum momento, dominados pelo medo, imaginam ter visto em uma dobra do vestido de Maria um aparelho celular e supõem que ela tentou ligar para 190. Tomados pela raiva do que imaginam ter acontecido, eles acabam atirando em Maria e fugindo.

No cenário D, ainda que Maria não estivesse em conflito com a obrigação específica de ter de ficar em casa no sábado à noite e a despeito do fato de ter obedecido ao comando dos sequestradores, vemos que a suposta liberdade da vítima era falsa, pois ela acabou sendo baleada de qualquer modo.

Assim é também quando nos adequamos às demandas do machismo. Nem mesmo quando nos adequamos às tais normas estamos perfeitamente seguras.

Usando maquiagem ou não, depilação ou não, a liberdade da qual desfrutamos não é inteiramente real.

Não é verdade, por exemplo, que são estupradas ou sexualmente abusadas apenas as mulheres que desviam dos padrões machistas de vestimenta ou de comportamento.

Tendo tudo isso em vista, lembre-se sempre: a feminista quer o seu bem, seja você homem ou mulher, ela quer que você seja feliz e livre; o que não pode é você só querer o bem da mulher se ela for do jeitinho que você aprova.

 

Paraíso.

Estou aqui agora. Em um hotel no Paraíso.
Valiosas essas liberdades. De poder resolver viajar, de uma hora para outra, sem ter que pedir ou dar satisfação a ninguém.

Não que eu não tenha avisado amigos e parentes, mas essa certeza da que a vida é sua para fazer absolutamente tudo que você quiser com ela é maravilhosa.

Mas será mesmo que somos tão livres assim?

Claro que pegar um avião e ir para em uma cidade a duas horas de distância é mole. Estou eu aqui, em Paraíso, São Paulo.

Mas eu teria oportunidades plenas de viver exatamente a vida que eu tenho razões para valorizar?

Amartya Sen, um economista e filósofo indiano muito importante pensava a liberdade nesse sentido. Temos realmente oportunidades reais de levar a vida que temos razões para valorizar e, portanto, a vida que escolhemos viver? Sen ganhou o prêmio Nobel de economia em 1998 e suas idéias contribuíram enormemente para a criação do IDH como forma mais apropriada de medir o bem-estar social.

Amartya Sen não acredita, por exemplo, que a renda, a riqueza ou o PIB são informações suficientes para avaliar as vantagens e as desvantagens que as pessoas possuem umas em relação às outras. Essas medidas não dão conta dos múltiplos aspectos da vida de uma pessoa ou da população de um país.

O que realmente importaria, para o filósofo seria a capacidade que cada pessoa possui de viver a vida que valoriza. Se uma pessoa possui menos capacidades (no sentido de oportunidades reais) de viver a vida que valoriza do que outra pessoa, a primeira está em desvantagem em relação a segunda pessoa. 
E você? Tem oportunidades reais de viver plenamente a vida que valoriza? Do que você precisa para transformar os recurso que você tem na boa vida que você deseja? O que está faltando para você?