“Negro não tem cara de quem gosta de ler”.

Com muito orgulho, mais um post fenomenal de convidados do Encanto (minibio do autor no final).

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Esses dias eu levei meu irmão ao shopping de minha cidade para dar um rolê. Ele tá de férias e eu também, aí quis aproveitar um dia com ele. 

Até aí tudo bem, a gente foi ao shopping com alguns planos do que fazer, pensamos em ir ao cinema e depois comer alguma coisa por lá. 

Quando chegamos no shopping, demos algumas voltas, fomos ver os filmes que estavam em cartaz, mas ele não quis assistir nenhum. Eu achei estranho, porque ele tinha dito que queria assistir “Os Incríveis”, questionei ele sobre o motivo de não querer assistir e ele me disse que não queria assistir filme nenhum, nisso não restou muito o que fazer lá, daí fomos naquele lugar que tem uma par de fliperamas, ele também não quis jogar nada. Aí perguntei o que ele queria fazer, porque eu já estava ficando entediado e ele também. Aí falei para ele que queria ver uns livros e se ele quisesse poderia comprar algum para ele. Quando chegamos na livraria, eu olhei alguns livros, mas nenhum me interessou, foi aí que notei o olhar estranho de algumas pessoas para gente(estranho, mas para mim já é comum ver as pessoas me olhando torto dentro de uma loja), mas nem dei moral, porque não queria que nada estragasse o dia para o meu irmão e para mim. Foi aí que meu irmão me chamou e falou que queria um livro de uma coleção chamada “A Hora do Espanto”, é tipo uma Coleção Vagalume. Eu falei pra ele que tudo bem e perguntei se ele só ia querer aquele, ele me disse que iria procurar outro. Nisso, eu vejo um homem comentar algo com a esposa dele, eu acho que era a esposa, daí os dois ficaram seguindo com o olhar a gente enquanto meu irmão escolhia outro livro. Aí quando eu achei um livro que me interessou, peguei o livro e dei umas folheadas, o cara que tava olhando a gente começou a andar atrás do meu irmão, mas meio que disfarçando. Quando meu irmão foi pegar outro livro, ele colocou o livro que ele tinha escolhido antes em cima de outros para poder alcançar o livro que ele queria, aí o cara foi lá e pegou o livro que ele tinha deixado em cima dos outros e guardou em outra pilha de livros, notei isso e peguei o livro de novo. Meu irmão pegou o segundo livro e me perguntou se poderia pegar um terceiro, eu falei que sim, pq além de incentivar meu irmão a ler, os livros que ele queria estavam na faixa de R$5,00. Quando ele foi pegar o terceiro livro, ele deixou o livro que tinha escolhido em cima de outros livros de novo, aí mais uma vez o cara foi lá e guardou o livro que ele tinha escolhido. Eu olhei bem para a loja para ver se tinha algum vendedor além da moça que tinha me atendido quando entrei na loja e percebi que ela era a única funcionária trabalhando no momento, cheguei no cara e perguntei: Moço, por favor, você trabalha aqui?

Ele me disse que não, aí apontou para a moça que eu sabia que era a vendedora e disse que a moça era a vendedora. Então eu perguntei para ele: Então por que você tá guardando os livros que meu irmão tá escolhendo?

Ele me responde: Eu pensei que ele só estivesse tirando do lugar para ver, porque ele não tem muita cara de quem gosta de ler. 

Eu: Ah, mas não! Ele tá escolhendo os livros que nós vamos comprar! E me fala uma coisa, qual é a cara de quem gosta de ler? Porque assim, eu curso letras e não aprendi isso na faculdade…

Nisso, o cara ficou meio em choque e meu irmão falou pra mim que só queria os dois livros que ele tinha escolhido mesmo. Dei 10 conto e ele foi no caixa pagar.

Aí virei para o cara e falei: Viu, manda um email para reitoria da Unesp e pede para eles colocarem essa matéria de leitura de fisionomia na grade curricular do curso de letras, porque aí a gente aprende a ver quem tem cara de que gosta de ler ou não.


Saí da loja com o meu irmão e fomos comer. Perguntei para o meu irmão o motivo dele não querer jogar nos fliperamas, porque ele vive em função de jogos de computador e videogame. Ele me respondeu: Pra quê eu vou gastar dinheiro jogando, sendo que eu posso jogar em casa sem gastar nada? Preferi gastar dinheiro com os livros, porque ao menos eu posso ler e guardar eles comigo, igual você faz.


Gente, eu tava tão puto com o cara da loja, mas quando eu vi que ao menos para o meu irmão, eu sou um bom exemplo, toda a raiva que eu sentia se misturou com orgulho e alegria. Voltei para casa com um sentimento muito louco e meu irmão com dois livros novos.


Desculpa o textão, mas eu queria muito compartilhar isso com os outros, porque a gente vive em uma sociedade onde o preto não tem cara de ler, onde a criança preta não tem que ler, onde a criança pobre tem que crescer sem aprendizado para poder trabalhar como mão de obra do rico. Eu juro que isso reforçou todos os motivos para eu querer ser professor. E quem não gostou, só lamento!!!


Rafael é graduando em Letras pela Universidade Estadual Paulista – Unesp campus de Assis.

Ler no metrô.

Impressionante como eu consigo me concentrar quando estou lendo no metro.
Eu tenho percebido que eu tenho, sempre que possível, pego o metrô intencionalmente e animada porque vou conseguir ler na viagem. Não é só por ler, sabe? Eu amo ler. E eu tenho percebido que ler NO METRÔ é bem legal para mim.
Eu leio em outros lugares também, mas ler no metro tem um apelo específico.
Uma grande amiga já havia me falado uma vez que gosta de escrever no metrô e eu lembro de ter achado intrigante. Do estou trazer alguma coisa, um ambiente, que propicia a escrita dela.
Então, outro dia, quando eu finalizei um livro dentro do metrô e fiquei sem nada para fazer no meio da viagem, que eu percebi o quanto aprecio a atividade específica de ler nesse transporte.
Desde que percebi isso, eu separei o “livro do metrô”. Seleciono um livro e o leio apenas quando estou no metrô. Fico me perguntando se um dia eu sair para andar de metrô só para ler, sem estar indo para lugar nenhum, só passeando de um lado para o outro e lendo, seria bom do mesmo jeito. Se eu descobri um novo hobbie ou apenas uma boa maneira de suportar o metrô lotado.
Vou fazer essa experiência qualquer dia desses.

Uma exceção: todas as regras e hábitos de leitura estão suspensas em períodos de entrega de artigo ou preparação de aula. Porque nesses momentos eu leio as referências bibliográficas até tomando banho.

Os diferentes ritmos de leitura.

Hoje eu estava fazendo um plano de leituras. O objetivo não era nem colocar a leitura em dia, ou ler os clássicos nem nada disso. Eu estava organizando uma lista de leitura com o objetivo de economizar dinheiro. Eu tenho um problema com a compra compulsiva de livros.

Além de gostar de ler propriamente, eu gosto dos livros em si, sabe como é isso? De comprar livros e de ter livros em casa. Eu adorava lista de bibliografia da faculdade, porque eu tinha uma desculpa para sair comprando livros.

O comprometimento com uma lista de leitura é uma maneira de retardar esse processo. Embora eu entenda que a compra dos livros não tem tanto assim a ver com gostar de ler. Eu poderia ter vários e-books, por exemplo, ou livros de domínio público, mas não. Eu até leio livros em formato digital, mas não tenho problemas com a compra excessiva dos mesmos. Eu também leio livros de bibliotecas e isso não tem impacto sobre o meu desejo de comprar livros, a princípio. Eu gosto de colecionar o papel.

De qualquer forma, uma regra no sentido de que eu teria que ler um número X de livros antes do comprar um livro novo, pode ajudar. Assim como usar todas as peças de roupa do seu armário antes de comprar uma peça nova pode ajudar com a compra exagerada de roupas novas, por exemplo.

Então, estava eu pensando na lista de leitura e comecei a me dar conta dos diferentes impactos que os livros têm em nós. Isso é algo muito importante a se considerar na hora de pensar a lista de leitura. Se você resolver ler: Senhor das Moscas, A Guerra não tem Rosto de Mulher, Germinal e 1984, o próximo passo é se matar.

Para evitar tal efeito indesejável, é legal alternar esses livros tensos com temas mais leves.

Cada tipo de livro ou partes de um determinado livro, por sua vez, é lido em um ritmo diferente. Acho que foi isso que eu não tinha parado para pensar antes.

Existem vários ritmos diferentes que empregamos para ler um livro.

Tem as partes envolventes que lemos de uma tacada só. Aquelas cem páginas que a gente avança em uma sentada. (para mim, foram algumas partes d’As Brumas de Avalon. Quando eu me deva conta, tinham-se passado horas e horas de leitura).

Tem as partes chatas, temos que admitir, que demoram… A gente pula frases, parágrafos, tem partes que a gente não entende, mas também não se importa de não ter entendido (sinceramente? Vocês vão me desculpar, mas foi a leitura da primeira parte d’O Silmarillion. Eu li aquilo ali algumas vezes e ainda não consigo absorver completamente a história da formação do mundo e as mudanças que ocorreram nele).

Tem aqueles livros que a gente não entende, mas volta cinquenta vezes de bom grado para tentar entender e relembrar o que estava acontecendo (As Mil e Uma Noites, claro. Eu estava toda hora voltando para entender qual história se ligava ou estava dentro de qual outra história. Nesse caso era uma festa. Eu amava).

Tem os livros que devem ser lidos aos poucos, um pedacinho por dia (na minha opinião, os livros de poesia e, às vezes, de contos. Quando é assim eu gosto de ler uma ou duas poesias por dia, ou um conto por dia).

Tem os livros que a gente nunca acaba. Podem haver diversos motivos para isso: o livro pode ser chato (novamente, me perdoem, mas A Metamorfose é um livro muito chato. Eu sei que pouca gente tem coragem de expressar essa opinião, com medo de ser taxado de ignorante, mas o livro é verdadeiramente chato e eu tenho certeza de que tem um monte de gente cult pensando isso por aí. Quer ler um livro do Kafka? Leia Carta ao Pai); pode dar medo e paralisar a gente (eu senti medo e nunca terminei de ler algumas histórias do Contos Tradicionais do Brasil compilados pelo Câmara Cascudo. Esse foi o livro paradidático da quinta série e algumas histórias são assustadoras. Tenho pesadelos com a que o meu grupo foi obrigada a encenar na peça da escola até hoje); o livro pode ser também imensamente grande, aí temos vontade de ler outros livros durante a leitura do primeiro (eu com a Bíblia que já tem uns três anos que estou lendo e não acaba nunca); e livro pode também revirar as nossas entranhas e nos dar enjoo moral (120 Dias de Sodoma, por exemplo, que eu não consegui terminar de ler até hoje. Esse deve ter sido o primeiro livro que eu deixei inacabado, antes dele eu sempre me obrigava a ler tudo, até quando se tratava de sequencias. Foi o caso do Fronteiras do Universo. Não conhece esse nome? Que tal A Bússola de Ouro? Fronteiras do Universo é o nome da trilogia. O livro é doido e meio chato, mas eu comecei o primeiro, li os três. Terminei amando, fazer o que? Mas depois do Sade, esse ciclo se quebrou e várias leituras desde então ficaram inacabadas); dentro outros motivos que não me ocorrem agora.

Por fim, tem livros como o que estou lendo agora. A leitura leva o seu tempo. Anda num ritmo próprio. A leitura não se encerra no momento em que você está com o livro na sua frente. Você fica tentando antever como a trama vai se desenrolar e o que vai acontecer com os personagens e fica com medo do escritor ser um f**** da p*** e resolver matar todo mundo no final. Você acaba retardando a leitura, com medo do que vai acontecer. Mas, assim como a vida, a leitura atropela a sua resistência e demanda seguir seu curso, você assume os ricos e continua lendo. Se o autor for um ursinho carinhoso, você respira aliviado, ele salva os personagens, não mata ninguém por quem tenhamos nos apegado; se não, ele mata todo mundo no final. Conforme as desgraças vão acontecendo, precisamos levantar a cabeça do papel e passar por um período de luto. Durante esse tempo, e esse é o poder de um bom luto, passamos por uma evolução pessoal, pois a emoção que o autor nos provoca, as questões que ele nos coloca, nos fazem pensar a nossa realidade e olhar para o mundo de outra maneira (foi o que me aconteceu em Senhor das Moscas e que está acontecendo novamente em Germinal. Livros tensos e carregados de verdades a respeito da humanidade. Essas leituras são densas e nos absorvem, demandam tempo e reflexão para serem bem aproveitadas).

Estes são os ritmos que me ocorreram, mas sintam-se à vontade para adicionar novos ritmos de leitura com os quais vocês estão familiarizados nos comentários!