“Carbono Alterado”. Resenha.

A nudez empoderadora dos vários de corpos nus daquelas mulheres mortas.

Um depois do outro, os corpos já saem estragados de suas capsulas. Sujos de sangue e danificados. Provavelmente ninguém aceitaria usá-los naquelas condições. Prefeririam corpos novos e frescos, sem imperfeições.

Muitos homens olham, muitas mulheres olham. Na verdade, está ali para o olhar de todos.

Nudez frontal completa.

Proibida.

Quanto paus você já viu pendurados em filmes por aí?

Mesmo em filme pornô, se for heterossexual, aposto que não terão sido lá tantos assim.

Mas mesmo uma pessoa que nunca assistiu a um filme pornô já viu muita mulher pelada nessa vida.

Já me falaram “é característica sexual secundária, não pode mostrar o pau do homem porque é primária”.

O biólogo entendido querendo me falar de moral e opressão. Ou melhor, o biólogo nem acha que opressão existe mais. Vocês já estão libertas. Agora ficou o seu ciúme, a sua inveja, a sua histeria.

E eu vejo aquela mulher nua, ensanguentada.

Eu não vejo poder.

E, como se não bastasse, mais uma e mais uma e mais uma. Caindo mortas. Os crânios abertos, os mamilos duros, a buceta à mostra, a bunda para o alto. E lá vem outra também caída, morta.

Mas o problema não é que a cena seja violenta.

O problema não é que tenha nudez.

O problema é que essa nudez violenta é entretenimento na tela do Netflix, mas é real dentro das casas durante a noite, ou quando não tem ninguém por perto, ou quando só as crianças estão por perto.

E se você perguntar para uma mulher, nua, agredida “você se sente empoderada”? Ela vai te responder que não.

Será que o marido dessa mulher nua que apanha e sangra depois de assistir Carbono Alterado vai ter sua consciência aliviada? A mulher dele ali jogada no chão com a marca da botina no estomago perfeitamente

Empoderada.

Poderia estar na tela da TV como símbolo do empoderamento.

Ops. Desculpe. Está sim.

Por que agora eu tenho que engolir que corpos mortos, nus, esparramados pelo chão, de mulheres assassinadas são uma forma poderosa do empoderamento feminino.

Mas eu já estou acostumada. Tentaram me convencer dessa mesma patifaria na humilhação da Cersei Lannister.

Uma mulher nua, em quem bateram, cuspiram, jogaram fezes, gozaram. Essa, me disseram também, era uma mulher empoderada. Foda. Que aturou tudo e ia dar a volta por cima.

Grandes merda, seus babacas.

Empoderamento de merda esse que querem me enfiar goela abaixo. Esse empoderamento serve para colocar as mulheres em cenas extremamente depravadas, degradantes, violentas, apontar o dedo e dizer “Tudo isso que ela aguenta é sinal de poder e não tem nenhum homem gozando com isso. Tudo isso ela faz por que quer”.

Melhor já ir logo dizendo: não rasguem as minhas roupas, não joguem merda em mim quando eu passar pela rua, não gozem na minha cara, não me assassinem. Esse não é o empoderamento que eu quero para mim.  

 

 

Conversão.

Roberto recebeu o sagrado corpo de Cristo das mãos do padre. Voltou em silencio até o banco onde estava sentado. A hóstia colada no céu da boca começava a se desmanchar, aos poucos, soltava pedacinho por pedacinho. Fazia cócegas na garganta, pensou, mas se conteve, imaginando que deveria ser pecado pensar uma coisa dessas. O resto da missa correu como sempre, demorada. Roberto foi embora depois da bênção final que ouviu já da porta da igreja, empurrando outros fiéis que disputavam o lugar mais abaixo no início da escada, mas também não tão baixo a ponto da bênção não o alcançar.

Enquanto isso, Jesus Cristo começava a penetrar lentamente em sua carne, a ser absorvido pelo seu corpo. Pele dura, pouco porosa, mas o santo homem persevera.

Jesus Cristo foi direto ao coração de Roberto.

E lá o encontrou assistindo Game of Thrones.

O coração das pessoas, sob o olhar do filho de Deus, não bate nem está cheio de sangue. Quando Jesus entra nos corações ele vê o dono da casa, que geralmente é pego de surpresa, fazendo o que mais aprecia fazer. Um pouco mais adianta de onde se encontra o anfitrião, estende-se um grande corredor, tanto maior quanto aspectos significativos possui o anfitrião em sua vida. Todas as paredes são vermelhas, essa é a única semelhança com o coração tal como nós o conhecemos.

Roberto, como era de se esperar, levou um susto quando viu o visitante e desligou imediatamente a televisão. Lembrava-se que o padre de sua igreja o havia aconselhado a parar de ver a série, por ser pecaminosa; desde então, Roberto passou a se confessar em uma igreja um pouco mais distante, mas para o padre de lá, nunca havia confessado assistir a série. Acreditava que isso minimizava o peso do pecado. Sentia culpa, mas sentia mais desejo.

Jesus vai andando, passa por Roberto, e chega a primeira porta à direita no corredor. Roberto apenas o observa. A presença mágica do filho de Deus o paralisa.

Jesus abriu todas as seis portas, uma a uma, demorou-se, olhou, olhou… em alguma ele chegou a entrar por alguns instantes. Roberto acreditava ver um certo ar de desapontamento na face do mestre. Nas duas faces. Quem me dera fosse numa só! Recriminou-se pela piada, puro efeito do nervosismo.

Roberto ouviu ao longe a voz de Jesus cumprimentado Natália. Na outra porta estava Carolina. E a voz de Jesus ressoa novamente. Olá, Carolina. Havia sido muito difícil para Roberto traçar a linha divisória entre as duas. Antes elas ficavam na mesma porta. Mas com os anos pegou prática.

Estavam acabando as portas.

Jesus não demorou muito mais para voltar ao pequeno hall onde Roberto se encontrava. Se olhássemos toda essa estrutura de cima, identificaríamos uma forma parecida com o buraco das fechaduras onde enfiamos as chaves, desenhado caricaturalmente.

Jesus voltava segurando um pequeno pé de abacate. O que é isso, Jesus? Roberto ficou curioso. Isto é o único fruto bom das suas últimas ações. Este brotinho aqui nasceu do abacate que você comprou e levou junto com algumas outras compras para a casa de sua mãe. O caroço foi plantado no quintal dela.

É Jesus, é assim mesmo. A vida está difícil. Muito trabalho, todo mundo perdendo o emprego, está tudo caro… E, com todo respeito, senhor, o senhor não tem ajudado muito, não é?! Jesus conteve o desapontamento. Do que você está falando, meu filho? Estou falando, Jesus, de todas as orações que eu tenho feito ultimamente. Roberto, eu não ouvi oração nenhuma sua! Faça agora o seu pedido que eu te atenderei. É meu filho, senhor. Que tem ele? Jesus, é claro, já sabia como aquela história acabaria. Mas se deleitava com a vivência de suas predições. O que te preocupa é a solidão que seu filho está sentindo, Roberto? Não é exatamente isso, Jesus. O senhor sabe que estou muito desapontado com ele. É bom que ele pense nas escolhas que ele está fazendo. O que eu queria era que não houvesse necessidade para nada disso, entende? Roberto, isso que você pediu não é oração que se faça! Ignorei, solenemente. Roberto… Não, Jesus, não diga mais nada. Vou resolver as coisas do meu jeito então. Ah…! Isso você não vai! Disse Jesus em toda a sua tirania de Deus do antigo testamento. Empurrou Roberto com tanta força, que ele cruzou a parede do coração, desceu pelo finalzinho do esôfago até o estômago, passou aos intestinos, uma parte sua saio nas fezes, o que ainda dava para aproveitar deu uma circulada pelo corpo e saiu depois pela urina.

Só Jesus restou no corpo do pecador.

Roberto estava terminando de almoçar a essa altura. Dalí em diante ele mudou. Radicalmente. Obra do demônio aos olhas de sua família e sua comunidade.

Roberto virou militante comunista, feminista, LGBT e do movimento negro. E passou a defender o uso da violência contra a repressão das forças do Estado.