Como eu coloco em prática o minimalismo. 

Na época em que essa filosofia do minimalismo chegou aos meus ouvidas, a idéia já estava famosinha e mal falada.
Desde o início eu ouvi dizer que o minimalismo é uma filosofia de rico, que pode se dar ao luxo de não fazer nada da vida e ficar dez anos viajando pelo mundo.
Se você for pensar no documentário do Netflix sobre o tema, eu concordo. Mas a idéia em si não é ruim. Temos que admitir.
Cara, eu tenho tanto papel em casa, mas tanto papel. Talvez se eu reciclasse esse papel todo eu teria dinheiro para ficar dez anos viajando (wow! Quem me dera. Se bobear não dá nem o valor de uma resma nova de papel resseciclado :P). Bom, é papel suficiente para bagunçar a minha casa toda semana. Papel de anotações, contas, notinhas de compras, dos meus textos e rascunhos, artigos da faculdade, livros do colégio, cadernos e mais livros. Isso tudo só na categoria dos papéis! Nem me pergunte sobre potes e meias e, pior ainda, tampas de potes perdidas e pés de meia solitários. Enfim, é muito entulho. E, por algum motivo, eu sou pegada a uma boa parte desse entulho. Por que? Nossa! Por que, meu deus?! São coisas que eu nem sei que eu tenho e que eu nunca mais vou usar na minha vida. (Pena de jogar tampa de pote fora é o cúmulo! Quando eu me peguei pensando: e se o pote aparecer? Ah! A que ponto chegamos! O que não falta na casa da gente é pote! E, convenhamos? O pote não vai reaparecer. Nunca!).
Às vezes, eu até penso que eu quero guardar uma determinada coisa como lembrança… E aí fica lá aquela lembrança que eu vejo uma vez a cada dez anos e tenho cinco minutos de felicidade olhando para ela. Sabe o que eu comecei a fazer? Tirar fotos dessas lembranças e jogá-las fora depois. 10.000 fotos em um HD ocupam menos espaço do que 10.000 convites de aniversário de crianças fofas, ou 10.000 ingressos de cinema. Assim, eu guardo uma ou outra coisa verdadeiramente muito especial (um convite do meu casamento, por exemplo) e registro as outras memórias de forma mais produtiva, versátil e acessível. Mais acessível sim, porque se você tem um convite especial, você pode até emoldurá-lo (como eu estou pensando em fazer com o convite do casamento), se você tem vinte…. Eles vão ter que ficar guardados na gaveta mesmo…
Então, não vamos dispensar a filosofia do minimalismo assim logo de cara sem nem tentar pensar em como essas idéias poderiam ser úteis em nossa vida. Sem radicalismos ela pode ser muito viável e interessante.
Eu tenho feito assim: A cada rodada de limpeza e arrumação profunda da casa eu me desfaço de mais coisas do que me desfaria normalmente, mas sem exageros e eu minimizei muito a minha aquisição de novas bugigangas (tudo que compramos sem necessidade), também sem ser a ferro e fogo. De vez em quando me permito…. Bem menos do que antigamente, contudo. Isso é bom para a harmonia da casa e para o bolso… Fica a dica.

A Austeridade Romana e a “Saída Racional”.

Capítulo II

Inspirada nos princípios estoicos, a fundação da cidade ecumênica romana ergue-se sob a lei natural da razão, imutável e inscrita no cosmo. (Enquanto eu estava lendo sobre as diferentes escolas filosóficas mencionadas neste trabalho, porque eu já amava filosofia na época e tinha curiosidade de saber uma pouco sobre cada uma, eu acabei me interessando muito pelo estoicismo. Li bastante coisa do filósofo estoico Sêneca. O primeiro artigo que escrevi completamente sozinha, sem orientação, por puro interesse, foi sobre a morte na perspectiva do Sêneca. Foi esse artigo que eu apresentei na minha seleção de mestrado. Este artigo Também faz parte dos textos que eu quero reler e retrabalhar através do blog para um possível envio para uma revista filosófica no futuro. Até porque, infelizmente, a lógica produtivista está aí, não é, e eu preciso pensar mais em publicações nos próximos anos). A razão é para os romanos o princípio do universo, é norma de justiça e da ação calculada que permite guiar a sábia conduta.

Segundo Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), preceptor de Marco Aurélio e Nero, a morte assume importante papel na formação do homem sábio. A liberdade e a vontade guiadas pela razão conduziriam à perfeita humanidade e à consonância com a ordem natural do universo, do logos. (Bom, sim, claro. Existe essa consonância com o universo, pois é a lei da razão, que governa o homem, que governa também todo o universo. Para que exista tal consonância, o homem deve viver racionalmente). O homem sábio alcançaria a liberdade se se colocasse acima da injúria e extraísse de si mesmo suas satisfações. A filosofia serviria como técnica para uma vida feliz, livrando a alma do peso do corpo, das paixões sensuais e do temor da morte. (Era essa ideia que me encantava. O poder da filosofia de livrar-nos do medo da morte. O poder de se elevar acima das circunstâncias, de ser feliz a despeito do que nos aconteça. A chave da vida boa estaria nos ensinamentos de algum filósofo por aí, eu pensava). Assim, o saber teórico deve ser exercido em vida, pela prática das virtudes, como uma arte. (O exercício do saber teórico em vida. Perfeito para mim que gostava tanto de pensar sobre a existência. Já estava na psicologia por isso mesmo. E, cedo, eu vi na filosofia a complementação necessária e o fundamente da própria psicologia. A filosofia seria capaz de fornecer a visão de homem e de mundo que a psicologia trabalharia na prática clínica. Eu ainda sonho com esta ideia). A elaboração da arte de viver inclui ainda uma inflexão, a arte de morrer, de saber evadir-se quando a vida se torna indigna.

A morte voluntária pode desviar da crueldade do inimigo, da proba escravidão, da doença e da humilhação. Segundo Sêneca, “a vida inteira é aprender a morrer”, pois que o homem, enquanto mortal, segue seu curso irreversível para o destino determinado pela natureza. A morte é o livramento da tormenta da vida que nos arrebata as instabilidades, “nos joga uns contra os outros”. Sêneca não perfila ao lado daqueles que se opõem a morte voluntária, chegando mesmo a defendê-la em certos extremos. Esta defesa era o reflexo de um julgamento a respeito das condições da vida quando desfavoráveis ao exercício bem-sucedido da razão, “é preciso deixar esse modo de vida ou deixar a própria vida”. (Sêneca, 2008). (Bastante austeridade, mas ele mesmo parece que não seguia seus ensinamentos. Era um velho, rico e gordo. Mas tinha uma fala austera. Lembra alguém que você conhece)? Ainda, com relação ao momento adequado para se abandonar esta vida, declara: “Velhos decrépitos mendigam em suas orações um acréscimo de uns poucos anos” de vida, enquanto, aqueles que prepararam o espírito para combater a dor, habitaram o corpo como alguém que esteve “prestes a se mudar”, estarão preparados para o dia em que tiverem que morrer não tornando este o mais miserável de suas vidas. Logo, não importa quando se encontrará a morte e sim o quão digna será.

Segundo Minois (1998), Roma talvez tenha sido, dentre todas as civilizações, aquela mais favorável ao suicídio. Nela não se observava proibição alguma ao cidadão comum no que dizia respeito ao ato. Sem interdições morais, a “saída racional” (eulógos exagogé) era considerada por suas causas necessárias ao indivíduo mantendo o estatuto ético da conduta estoica. (Engraçado isso, não é? Tem coisa que a gente escreve que depois a gente mesmo não entende. Eu não entendi esta última frase. Como assim “causas necessárias)? O cidadão livre romano era senhor de sua vida e não a concebia como um presente dos deuses, podendo dispor da mesma de acordo com sua vontade. Contudo, segundo a Lei das Doze Tábuas, antiga legislação que deu origem ao direito romano, somente o chefe da família era detentor de status cívico e tinha poder absoluto “de vida e de morte” (vitae necisque potestas) sobre si mesmo, seus filhos, esposa e escravos (Ariès e Duby, 2006). (TAM TAM TAM!!!) A tentativa de suicídio de qualquer dos três últimos constituía uma afronta à autoridade legal do pater familias, bem como à figura  do imperador. Aos soldados e escravos eram previstas algumas penas no caso de sobrevivência a uma tentativa de suicídio. No primeiro caso, havia por detrás da proibição um interesse político evidente; no segundo, interesses econômicos.

A violência e tragicidade dessa morte, contudo, não deixava de causar inquietações. De modo que em alguns lugares eram realizados rituais supersticiosos com o cadáver do suicida para impedir que o morto perturbasse os vivos. Por exemplo, em algumas regiões, o corpo era mutilado e cada parte enterrada separadamente. Em outras, ele era enterrado em uma encruzilhada ou com uma estaca cravada no peito. Tudo isso para que o morto não viesse a se levantar e encontrar o caminho de volta à sua cidade. (Loucura esses rituais. Mas vem coisa pior pela frente)! Também, acredita-se que o suicídio por enforcamento era o mais rejeitado pelos romanos, uma vez que as vítimas mortas por asfixia sem efusão de sangue eram oferecidas às divindades telúricas (Minois, 1998, p.66). (Essa informação foi outra que eu coloquei porque eu achei que parecia fazer uma referência interessante, mas eu nunca consegui encontrar muitas informações a respeito. Vou fazer mais algumas pesquisas sobre isso para ver se eu consigo encontrar alguma coisa. Afinal, cinco anos já se passaram da minha formação… Muito artigo novo já foi escrito nesse tempo…).

A natureza do ato variava por razões que compreendiam motivos políticos, para escapar à decrepitude da velhice, por ordálio[1], suicídios lúdicos – como era o caso dos gladiadores voluntários –, martírios voluntários – cometidos pelos cristãos em nome da fé, nos tempos em que o cristianismo está se firmando – e os suicídios por taedium vitae. Este último se define pelos suicídios por desgosto da vida, sendo caracterizado por uma espécie de tédio mórbido e ansioso, ocorrendo mais frequentemente nos períodos das grandes transições históricas ou crises da consciência quando as verdades religiosas e científicas, os valores tradicionais e a moral são postos em questão. Ele é verificado normalmente no seio da elite intelectual. (Olha só quantas concepções diferentes de suicídio existiam nessa sociedade! Hoje em dia isso também existe, mas como o suicídio é sempre pouco debatido, são discussões com as quais não estamos muito familiarizados. Talvez eu ainda escreva sobre isso no blog. Sobre taedium vitae eu já escrevi. Você pode ver aqui).

Contudo não se tem razão para crer que Roma haveria assistido a um número de suicídios relativamente maior do que o ocorrido em outros períodos históricos por conta de sua permissividade perante o ato. (Esse é outro tema quente de discussão).

 

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.

 

[1] O ordálio era uma espécie de julgamento dos mortais pelos deuses. Nesse tipo de situação a morte era certa. Tal julgamento consistia em submeter o acusado a circunstâncias nas quais a vontade dos deuses pudesse se manifestar. Por exemplo, ele poderia ser lançado a um rio e o seu afogamento traduziria tal vontade. No entanto, caso isso não ocorresse se entendia que a culpa do sujeito era tão grande que mesmo o rio o rejeitara e ele era então submetido a uma pena de morte.

Abertura de Possibilidades na Polis.

 Capítulo I

O caso específico da morte como escolha refletida é posta ao lado da razão no mundo grego, devendo ser avaliada e tida como solução para uma vida desonrosa. É notável a multiplicidade de argumentos e concepções que envolvem as correntes filosóficas gregas e, mesmo dentro dessas, tantas outras ocorrências particulares. As abordagens sobre o tema apontam para opiniões acerca do suicídio que envolviam repúdios e glorificações. Havia na Antiguidade, certo reconhecimento da nobreza do ato e as posições favoráveis eram muito mais frequentes do que em períodos históricos posteriores. Não se trata de um período legitimador do ato, mas sem dúvida, não havia elaboração de severas interdições.

Como ilustrativo do afirmado pode-se recorrer ao exemplo de uma série de personagens históricos ilustres tais como os suicídios patrióticos de Temístocles e Demóstenes; o suicídio por remorso de Aristodemo; suicídio para escapar a decrepitude da velhice de Demócrito; suicídios filosóficos por desprezo à vida de Zenão, Hegésias, Diógenes e Epicuro; suicídio por amor de Panteu, Hero e Safo (Minois, 1998, p.61). (É muito pobre geralmente a pesquisa de um trabalho monográfico. Não por desinteresse do aluno, mas porque o aluno é extremamente limitado no que ele pode dizer em uma monografia. Ele ainda não é o produtor do conhecimento, ele é o reprodutor do mesmo. Na monografia, a tarefa do aluno é basicamente a de mostrar que ele é capaz de ler e compreender um determinado número de escritos consagrados de diversos autores e reproduzir o conhecimento que ele adquiriu nas próprias palavras. Esse é um trabalho que me parece um bocado vazio de significado. Para que serve esse resumam feito pelo aluno ao final de uma graduação? Mais uma rebuscada prova de que ele absorveu conteúdo da maneira tradicional. Pior ainda é o destino do trabalho monográfico no mundo acadêmico. As monografias não são bem vistas como referências bibliográficas nem mesmo de outras monografias. No mínimo, para você citar em um trabalho acadêmico ou em um artigo, você pega uma dissertação de mestrado. E olhe lá! Não é das referências tidas como mais confiáveis ou “nobres”. Bom, tendo em vista esse estado de coisas, nos limitamos a repetir o que os autores consagrados disseram. Messes espírito, eu repeti os exemplos citados por Minois na minha monografia. Eu pesquisei sobre cada um dele para saber o que tinha acontecido, pois o autor não entra em detalhes, mas mesmo assim eu não deixo de sentir um certo incômodo, sabe? Foi ele que fez a pesquisa e não eu. Eu imaginava que pesquisar, academicamente falando, era ir até a biblioteca e desenterrar coisas desconhecidas. Essa foi uma expectativa frustrada…)

Entre os pré-socráticos não são encontradas muitas menções ao tema, exceção feita aos pitagóricos. Opondo-se radicalmente ao suicídio, argumentam que, por ser esta uma morte violenta, ela desequilibra as relações matemáticas que ligam a alma ao corpo. (Eu me lembro de ter achado a maior loucura essa coisa de que as relações que ligam a alma ao corpo são da ordem de equações matemáticas! Muita viagem! Dava para escrever uma ficção científica em cima dessa ideia. Eu procurei pela equação na época e não consegui achar nada. Agora, relendo a monografia, bate novamente a curiosidade: será que os caras chegaram a escrever essa equação? Esta aí uma coisa que eu gostaria de ver). Ademais, haveria, nesta vida, um propósito a ser cumprido do qual não se deve evadir, pensamento que explicita a importância dada pelos pitagóricos às questões espirituais, em consonância com sua herança órfica (Oliva e Guerreiro, 2000). (Essa herança órfica eu me lembro de ter dado um trabalho para entender na época. Difícil encontrar informação de fontes utilizáveis na monografia, sobre o tema. Iria dar muito trabalho. Como todo aluno sensato, eu só mencionei com a referência de onde o leitor poderia encontrar mais sobre o tema e deixei para que quem tivesse interesse corresse atrás do que se tratava. Na verdade, se eu não me engano, tratava-se da influência, na filosofia, das ideias do poeta místico Orfeu. Se você tiver curiosidade, não é difícil encontrar informações sobre ele na internet).

Um exemplo mais rico será encontrado com a polêmica condenação de Sócrates, que suscita a hipótese de suicídio e provoca debates a respeito do pensador tê-lo aceitado, à medida que recusou chances de minimizar sua pena. Havia sido acusado pelas autoridades atenienses de professar contra os deuses e corromper a juventude, pondo em risco a ordem da cidade. Sócrates entendia que o cumprimento de qualquer penalidade seria o reconhecimento de culpa e traição aos seus ensinamentos proferidos até então. Ao longo de seu julgamento desafia seus juízes e comprova a inconsistência das acusações, além de rejeitar penas alternativas propostas por seus concidadãos ou o pagamento de fiança por seus alunos. No diálogo Fédon, os acontecimentos demonstravam que as atitudes de Sócrates sugeriam resignação diante da morte. No entanto, em seus últimos momentos, quando indagado sobre essa conduta, ensina a seus discípulos que “os homens estão em uma espécie de prisão e que não devem nem se liberar nem se evadir da mesma” (Fédon, 62-b). Os homens pertencem aos deuses e, por conseguinte, só poderiam matar-se ao receberem um sinal, uma forma de autorização dos mesmos, como era o seu caso. Certos trechos do diálogo Fédon apresentam ensinamentos sobre a alma segundo os quais aquele que se dedica à filosofia estaria se dedicando a um exercício de saber morrer. Para o filósofo, a alma se tornaria cada vez mais elevada através da filosofia, mas só podendo encontrar a verdade e a sabedoria absoluta – a contemplação das essências – na morte. Portanto, a mesma não deveria ser temida, sendo, com efeito, a própria musa da filosofia. (Um parágrafo da monografia sobre o Fédon… Mas como deu trabalho escrever esse parágrafo. Ler o diálogo, ler sobre o diálogo, resumir as partes mais importantes. É muito insano esse trabalho. Tem coisa até que rende mesmo. Você lê um parágrafo e escreve uma página. Aqui, eu li mais de cem páginas e escrevi um parágrafo. Que tristeza).

Nas Leis, ao definir condenações para os delitos, Platão estabelece que aqueles que matam a si, privam-se do seu destino e cabe aos mesmos serem enterrados “sem glória” e sem lápides, em regiões anônimas. São levantadas três ressalvas para tal condenação que tornam confusos os limites dessa interdição, como em caso de ordenação pela justiça da cidade, acometimento do indivíduo por grande dor, ou ainda se o mesmo é investido de intensa vergonha “contrária à vida”. Afora essas exceções, a morte de si é tida como indefensável, covarde e indolente (Platão apud Puentes, 2008, p.61).

A filosofia aristotélica aproxima-se de Platão apenas por reputar ao homem sua função social acima de interesses pessoais. Aristóteles apresenta sua posição de maneira mais incisiva, negando qualquer exceção a favor da morte de si mesmo e introduzindo um novo argumento contrário a ela. Em sua obra A Ética a Nicômaco, o filósofo afirma que os cidadãos têm obrigações para com sua comunidade, tirar a própria vida representaria uma injustiça contra a Cidade. Afirma que esse caso específico de proibição do suicídio não se encontra nas leis, mas o que ela não ordena, proíbe (Aristóteles, 1973: v 15, 1138 a, 6-7).

Em 323 a.C., a morte de Alexandre e a tomada das cidades gregas pela Macedônia tiveram por efeito drásticas rupturas no pensamento clássico. Subjugado pelo domínio estrangeiro, o homem grego, cidadão e animal político, que antes exercia sua liberdade nos espaços públicos da cidade, agora passa a confinar sua busca por autarquia através de recursos espirituais, num processo intimista de adaptação às transformações sociais. Sendo assim, a filosofia desse período está marcada por um forte caráter ético, que se mostra na busca individual pela felicidade, uma espécie de “salvação interior” (Châtelet, 1981, p.168) independente das circunstâncias. Esse pensamento diz respeito a uma prescrição do bem viver que caracteriza a filosofia em seu sentido popular, a “filosofia de vida”.

Cabe aqui uma digressão teórica. Em seus estudos sobre a sexualidade na Antiguidade, Foucault ressalta as formas de relação consigo mesmo exercidas através de práticas cotidianas pelos indivíduos, as quais permitem o entendimento de si enquanto sujeito.  Essa experiência de si respeita a um projeto estético da existência, no qual tais sujeitos constituem um estilo de viver próprio. Os modos individuais de relação com os saberes (jogos de verdade e discursos) e práticas de temperança, de técnicas racionais – estratégias de poder – que lhes permitem se reconhecer e estabelecer verdades sobre si, conferindo sentido, dentre tantas outras, às condutas diante da morte (Foucault, 1984, p.15). (Parece deslocado esse paragrafo ou é impressão minha? Mas tem a ver. Por conta dessa ideia da “filosofia de vida”. Fala do modo como as pessoas se relacionam consigo mesmas. E disso o Foucault sabia falar, ainda que, não abro mão de dizer, suas interpretações da filosofia do mundo antigo sejam questionáveis).

Se o período clássico de Platão e Aristóteles é marcado pela censura do suicídio em suas nuanças, nas correntes helenísticas, a morte de si, enquanto atitude racional, torna-se a expressão máxima da liberdade pessoal e livramento de uma vida de injúrias. (Olha aí aquilo que a gente falou lá na introdução de que não existe uma essência do ato, uma única maneira de pensa-lo. Várias visões contraditórias convivem e entram em conflito o tempo todo. O tempo vai selecionando o que chega para nós como vertente principal, mas é só cavucar um pouco que essa imagem se desconstrói). Dentre as escolas filosóficas mais expressivas que se pronunciam a respeito do tema encontramos os cirenaicos, cínicos, epicuristas e estoicos. Os dois primeiros se mostram um tanto pessimistas com relação à existência, afirmando que a vida é certamente mais desprazerosa do que prazerosa, tendo-se, por conseguinte, a morte como alternativa preferível à vida. Nas palavras de Diôgenes Laêrtios, para os cirenaicos a felicidade é “totalmente impossível, pois o corpo é afetado por muitos sofrimentos, e a alma padece juntamente com o corpo e se perturba com ele, a sorte impede a concretização de muitas esperanças; consequentemente a felicidade é inatingível.” (Povo macabro). Um de seus principais representantes, Hegésias, chega a ser chamado de peisithánatos, que significaria “aquele que persuade a morrer” (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.68). Para os cínicos, a morte se constituía enquanto alternativa que de pronto se apresenta àquele que não vive arrazoadamente sua vida. Já a concepção hedonista de Epicuro alerta que o homem livre não deve almejar nem temer a morte. Segundo o filósofo, a morte refletida evidencia a transposição de equívocos supersticiosos e a filosofia se apresentaria como instrumento de libertação do homem e de acesso à verdadeira felicidade. Pois a alma não necessariamente padece junto ao corpo dos males que se lhe abatem. Ele também alerta para o risco da sociedade produzir nos homens a insensatez do gosto pelo luxo, pelo não necessário e sugere: “É um mal viver sob o jugo das necessidades, mas não é necessário viver sob a necessidade” (Epicuro apud Sêneca, 2008). (Na boa, eu citei o Epicuro a partir do texto do Sêneca, mas eu mesma não confio. Fiz isso pela dificuldade em acessar material do primeiro. Pois o Sêneca é um filósofo por si só. Sem comprometimento com as regras e os apreços atuais da academia, que tem a própria fama para proteger. Não duvido nada que ele possa ter distorcido a citação do Epicuro a seu favor).

Os estoicos inauguram uma perspectiva de indiferença sobre a vida e a morte, a exemplo de Zenão seu reconhecido fundador, que se matou por desprezo à vida. Afirmavam que o homem sábio haveria de preferir um modo de vida racional voltado para a contemplação e ação lógicas, em busca da retidão das vontades. Cumpre ao homem extirpar suas paixões e opiniões e cultivar suas virtudes, independente das circunstâncias de sua existência. Não teriam relevância a morte, a pobreza e a escravidão. Todavia, o desprezo pela vida somente seria legítimo por “motivos razoáveis”, quais sejam: em defesa de amigos e da pátria ou em casos de doenças incuráveis, dores insuportáveis e mutilações (Diôgenes Laêrtios, 1988, p.130). A recusa de uma vida limitada, de enfermidade, aproxima-se menos da destruição de si do que de uma apropriação ou apego a si (Gazzola, 1990, p.102).

O contato de Roma com a cultura grega leva todo seu império a entrar na “órbita do helenismo”, redimensionando seus saberes. A proposta estoica de austeridade física e moral, baseada na resistência ante o sofrimento, bem como a participação do homem na vida pública, coincidiram com o modo de vida romano e sua dedicação ao Estado. O contágio pelo estoicismo, como a doutrina que privilegiava a autodisciplina, a sujeição à ordem natural e o cumprimento dos deveres atendia aos hábitos romanos e suas incumbências cívicas (Pirateli e Melo, 2003, p.64). O prosaísmo romano se distanciava da riqueza das abstrações gregas, no entanto, foi de fundamental importância para materializá-la em seus quadros cívicos e jurídicos.

 

DIAS, O. M. K. Perspectiva Histórica sobre a Morte de Si Mesmo no Ocidente. Monografia de fim de curso de Formação de Psicólogo, Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: 2013.