O que dizem as pessoas inteligentes que sabem ganhar dinheiro? Ou: eu deveria sempre querer ganhar dinheiro?

 

Graças a Deus eu tenho sim fontes de renda. Trabalho bastante. É importante que digamos isso antes de começar. Eu não estou passando fome e tenho casa. Posso até ligar o ar condicionado quando está calor sem grandes preocupações.

Bom, agora vamos ao ponto. Estava refletindo ainda agora, enquanto lavava a louça do almoço que ainda estava na pia sobre o que deveria escrever. “Sobre o quanto odeio lavar louça”, pensei. Ou sobre como é legal fazer mindfulness lavando louça. Esse é um tema que está em alta no momento e às vezes eu realmente medito lavando louça. Ajuda a lidar com a raiva. “Não”… Eu deveria escrever sobre essas imagens na minha cabeça. (Para que você entenda de que imagens estou falando: estava tocando aquela música na qual a mulher fala que amou o cara por mil anos e que vai amar por mais mil. Ele diz em uma parte da música que vai morrer todo dia esperando por ele, ou, pelo menos, é isso que eu entendo. Aí eu comecei a imaginar como seria isso de maneira meio mórbida. Eu vou morrer, meu marido vai morrer, e eu tenho certeza de que no momento de nossa morte eu vou achar que não tivemos tempo suficiente para aproveitarmos a vida juntos. Então, imagina se eu encontrasse uma lâmpada mágica e o gênio me desse a seguinte opção. “Olivia, eu posso te dar mil anos para viver com seu marido”. Meu rosto ia se iluminar de alegria, mas o gênio rapidamente complementaria. “No entanto, você teria que esperar outros mil anos antes que isso pudesse acontecer e durante esses primeiros mil anos, você teria que viver vendo a vida sendo tirada de você todos os dias. Você não seria capaz de aproveitar absolutamente nada. Você viveria apenas para morrer todos os dias enquanto espera para se reencontrar com seu amado”. Eu imagino que a primeira coisa que eu perguntaria era onde o meu amor ficaria durante esse tempo todo. O gênio diria “Dormindo. Em um lugar onde você jamais conseguiria encontra-lo. No fim dos mil anos separados eu te levaria até ele, você poderia despertá-lo com um beijo e aí sim vocês teriam mais mil anos para serem felizes juntos”. Vocês aceitariam? Eu tenho certeza de que eu aceitaria. Seria uma espécie de Mil e Uma Noites às avessas. Eu passaria então os próximos mil anos tentando achar meu amor para acordá-lo logo, porque sou teimosa e estaria em muito sofrimento e com muitas saudades. Será que eu o encontraria? Será que seríamos punidos se eu o acordasse antes do tempo? Será que eu ficaria louca com a espera? Suportaria morrer todo dia? Será que iria doer?).

Eu imagino muitas histórias. Constantemente. E apesar de atualmente conseguir escrever todos os dias, não me sinto capaz de escrevê-las. Em termos de competência mesmo e de perseverança. Talvez um dia eu consiga. Não estou me lamentando. Só avaliando o estado atual das coisas. Não sinta pena. Esse é o primeiro passo para a mudança.

Bom, mas aí eu me perguntei: “Será que a galera que lê o blog ia gostar disso? Aí entram as coisas que as pessoas inteligentes dizem. Todos os cursos e dicas para aqueles que querem ser escritores falam que você tem que encontrar o seu público se quiser fazer sucesso e ganhar dinheiro. Um dos requisitos para isso é escrever com uma temática clara. Assim é que seus leitores te encontram e se tornam fiéis a você.

A questão é que tem sido tão bom para mim apenas escrever e tem tanta coisa ainda que eu quero escrever, coisas que giram em torno dos mais diferentes temas que você pode imaginar, que eu estou começando a achar que eu não quero mais ganhar dinheiro com isso ou ficar conhecida e famosa se, para isso, for necessário sacrificar tantas aspirações. Mas, não se esqueça, como eu disse no início do texto, eu já ganho dinheiro. Trabalho como psicóloga em consultório particular e dou aulas de psicologia. Se eu realmente precisasse viver da escrita seriam outros quinhentos.

Portanto, a ideia não é ganhar dinheiro, mas fazer algo que eu gosto e que me faz feliz para cacete. Esse comentário se refere apenas ao dinheiro e não aos leitores. Ainda tenho esse lado da alma de artista que sofre para colocar algo para fora, mas que gosta quando as pessoas apreciam o trabalho e quer que ele seja visto. Mas se algum dia eu iniciar aqui no blog uma saga de aventura louca ou um conto erótico, não se espante. A ideia é essa mesmo.

Por que não queremos dar dinheiro aos pobres?

“Era preciso ser caridoso; diziam mesmo que sua casa era a casa de Nosso Senhor. Deleitava-se em dizer que praticavam a caridade com inteligência; na verdade, viviam possuídos do pavor de serem enganados e de encorajarem os vícios. Por isso nunca davam dinheiro, nunca! nem dez soldos, nem mesmo dois; então não era sabido que assim que um pobre se via com dois soldos ia logo bebê-los? Suas esmolas, portanto, eram quase sempre em gêneros, principalmente em roupas quentes, distribuídas no inverno às crianças indigentes” (ZOLA, 1979, p. 98 e 99).

 

Há anos eu quero escrever o texto de hoje. E foi esta passagem do livro Germinal, que eu li recentemente, que fez com que a vez dele finalmente chegasse.

Eu já havia me debatido com esta questão muitas vezes antes na vida, mas nunca encontrei muito coro nas vozes das outras pessoas. “Quem sabe é só um problema meu”? Mas, ao esbarrar com esta passagem, percebi que meu incômodo fazia sentido.

A primeira vez que atentei para o fato foi no primeiro período, na primeiríssima semana da faculdade. Estávamos todos na rua pedindo dinheiro para a chopada como parte do nosso trote. Até que em certo momento, eu fui para o ponto de ônibus. Eu sairia de botafogo e iria para o centro da cidade e pediria mais dinheiro por lá. Quando cheguei ao ponto, não perdi a oportunidade de pedir dinheiro às pessoas que estavam ali. Não me lembro se todas deram dinheiros ou quantas pessoas tinham no ponto nesse momento. Só me lembro que eu recebi dinheiro de pessoas que estavam naquele ponto e, minutos depois, veio um menino pobre, pedindo dinheiro àquelas mesmas pessoas e eu não vi ninguém dar dinheiro para ele.

Aí comecei a me tocar de que as pessoas geralmente não gostam de dar dinheiro para meninos e meninas de rua, mas que, aparentemente, não se importam em dar dois, cinco ou dez reais para calouros universitários.

As pessoas costumam dizer que dar dinheiro para pessoas pobres que pedem na rua significa encorajar o vício ou a criminalidade. Eu fico me perguntando o que essas pessoas acham que um bando de adolescentes de classe média alta vai fazer com o dinheiro que arrecada…? Vocês têm alguma ideia? Vão beber esse dinheiro todo! Fumar, usar drogas etc.

O caso é que a gente não gosta que a pobreza se aproxime da gente enquanto estamos na rua, invada nosso ambiente, polua nosso ar com seu cheiro. O fato é que nos indignamos com o fato de haverem pessoas pobres “que não fazem nada para acabar com a própria pobreza”. Achamos que as pessoas que nos pedem dinheiro na rua estão se aproveitando de nós! Da nossa boa vontade e do nosso árduo trabalho. Para sermos espertos e nos garantirmos de que não seremos enganados, danos roupas ou comida ou qualquer outro bem que NÓS julgamos que aquele pobre precisa ou que julgamos que ele deveria querer. Aquele pobre, de fato, deve aceitar e se resignar ou que o nosso julgamento superior afirma ser a necessidade DELE e o que trará efetivamente maior benefício para ele e para a sociedade. E nós não conseguimos enxergar como isso tudo é absolutamente arrogante e prepotente. Relutamos em admitir que não sabemos o que é melhor para o pobre. Não sabemos lidar com a pobreza.

Pensando numa alegoria, as coisas seriam mais ou menos assim segundo a mentalidade de quem tem poder aquisitivo:

 

Uma pessoa de bem se vê, da noite para o dia, privada de todos os seus bens, morador de rua, desempregado e sem família. Essa pessoa de bem, usando seu julgamento superior e seu acurado senso de dever e de justiça, faria escolhas inteligentes, se esforçaria muito e em dois tempos, conseguiria reorganizar sua vida.

 

É isso que imaginamos: se aquele pobre tomasse jeito e no lugar de ficar largado na rua pedindo dinheiro fosse para um abrigo, procurasse estudar e trabalhar, ele teria uma vida boa e descente.

Eu tenho uma novidade para você: as chances de uma coisa dessa acontecer numa sociedade como a nossa são pequenas. Bastante pequenas.

E o nosso cidadão de bem fosse parar no meio da rua, ele iria possivelmente sofrer algum tipo de violência, sofreria com o preconceito e passaria fome, contrairia doenças e, possivelmente, morreria em dois ou três anos.

Ainda tem o fato de nós inocentemente acreditarmos que é a bebedeira ou o uso de drogas do morador de rua a principal ou uma das principais causas da violência da cidade.

O próprio fato da pessoa estar ali te PEDINDO dinheiro já mostra que ela está com um pé atrás em relação a cometer um crime. Ela poderia, de fato, estar matando ou roubando e ela escolheu não estar.

Nos últimos anos começamos a nos apavorar com o fenômeno das cracolândias, afinal, não é mesmo? A cracolândia é um fenômeno diverso daquele dos moradores de rua. A cracolândia existe porque as pessoas são empurradas para o entorpecimento frente à realidade. Empurradas pela negligência do Estado que não ampara e não cuida dos grupos mais oprimidos, da população pobre que acaba sendo a consumidora necessária do produto do tráfico de drogas, que o governo não combate até as últimas consequências, pois o funcionamento do estado é atrelado ao crime e a corrupção.

Não somos eu ou você individualmente que vamos fazer a diferença positiva ou negativamente nessa questão.

Foi essa reflexão de quase dez anos atrás que Émile Zola descreveu na passagem citada de seu livro Germinal. Parece que esta preocupação de ser enganado e prejudicado pela pobreza ganha força com o surgimento da burguesia. As classes parecem mesmo estar em guerra uma com a outra e não se dá armas ou vantagens ao inimigo.

 

Zola, Émile. GERMINAL. Tradução de Francisco Bittencourt. São Paulo: Abril Cultural, 1979.