Quando o superego cochila…

Estava eu conversando com minha mãe no ponto de ônibus. Papo vai, papo vem; quinze minutos e nada do bexiguento.
Quando ele apareceu, parou perto de onde eu e um senhor fizemos sinal.
Nesse momento aconteceram muitas coisas ao mesmo tempo.
Por educação, eu fiz um gesto para que o senhor subisse na minha frente e rapidamente voltei a atenção para minha mãe de novo, pois ela estava a meio caminho de terminar uma última frase que encerraria nossa conversa. Mas, nesse meio tempo, o senhor resolveu não subir na minha frente, e foi gentil o suficiente para querer que eu fosse primeiro. Mas minha mãe (meio prolixa, é verdade) ainda não tinha terminado a frase. Eu rapidamente devo ter pensado algo do tipo: “Senhor educado, mas seria realmente bom que ele subisse primeiro para eu poder me despedir melhor”. Por isso eu permaneci parada e insisti: ” pode subir o senhor”! Só que o motorista começou a andar com o ônibus antes que qualquer um de nós dois movesse um músculo! Narrando assim para vocês, pode parecer que passou muito tempo, mas foi coisa de cinco segundos apenas. O motorista deu, sei lá, duas pequenas aceleradas como quem ia arrancar. Foi quando eu levantei o rosto para ele e comecei: “Que isso?! Tá maluco! Tchau, mãe! (E subi no ônibus). O senhor tá doido acelerando desse jeito! Não tá vendo que tme gente para subir”?! O motorista falou com uma voz xôxa: “Tá enrolando aí”… E eu raivosamente continuei: “Enrolando não! O nome disso se chama educação! Que o senhor não tem! Eu, hein! Nunca vi isso! Tá maluco! Ah! Tô trabalhando também desde oito da manhã! Eu, hein”!
Depois disso eu fui sentar sorrindo.
O sorriso era se alegria por ter conseguido expressar descontentamento assim de forma tão espontânea. Isso não é comum na minha vida. Avalio que não fui particularmente agressiva ou grosseria, mas deixei claro meu descontentamento. O motorista também não se exaltou. Pensando com calma sobre a situação, repassando a cena na minha cabeça, eu inclusive pensei mais na resposta e no tom de voz do condutor quando disse que estávamos enrolando para subir. Ele pareceu mais um adolescente contrariado do que um homem irado. Trabalhar é estressante, convenhamos. Como motorista de ônibus no Rio de Janeiro, isso deve acrescentar um quê de desespero ao estresse comum do trabalhador. Cinco segundos de atraso já deveria estar parecendo uma eternidade para ele. A conclusão é que eu fico feliz de ter me colocado, apesar de tudo eu sou gente também e tenho meus sentimentos. Mas eu não fiquei com raiva ou mágoa, pois eu consigo me imaginar naquela situação que o sujeito estava fazendo a mesma coisa num dia mais estressante da minha vida. Eu consigo compreender de onde parte essa atitude. Eu não sei se essa minha interpretação é verdadeira, mas não importa, foi a atitude de empatia que eu procurei exercitar naquele momento.
Por todas essas questões, na hora de descer, eu agradeci ao motorista e fui embora feliz da vida.
No entanto, algo ainda me intriga: o fato de eu ter me expressado assim de forma tão enfática e ainda por cima totalmente espontânea. Normalmente, quando era para eu ter uma reação desse tipo, eu me reprimo intensamente. Era para ter como? Quando eu sinto vontade de gritar e brigar com a outra pessoa, eu sinto as palavras virem na garganta, mas as engulo a seco e depois fico me dando chibatadas por não ter me defendido contra a ofensa. Na maioria das vezes, é isso que acontece. Mas, em um momento ou outro, subitamente, de dentro de mim jorra um tsunami, eu explodo numa erupção de Pompeia e eu bufo tufões. Como isso acontece eu não sei explicar. Eu estou me sentindo mais confiante naquele dia? Ou já estou tão de saco cheio, transbordando, aí vômito tudo? Não me aprece que eu estava nenhuma dessas coisas. O que eu sei é que, naquele dia, eu estava feliz, simplesmente. Será que é a própria felicidade que nos liberta de certas amarras? Vou atentar para episódios futuros desse tipo para ter mais informações…