Hospital. Parte III.

Acordei ainda no centro cirúrgico. Depois da cirurgia, ainda bem. Tremendo loucamente e me coçando inteira. Não lembro o que eu falei, mas lembro que comecei a falar sem parar. Me reasseguraram dizendo que eu podia me acalmar e eu respondi que, por favor, se não fosse incomodar, eu gostaria de continuar falando. A médica vinha e ia e falava alguma coisa comigo também, mas eu tampouco me lembro das coisas que ela disse. A primeira coisa que eu recordo especificamente foi de ter tomado uma injeção uma perna com um anti-alérgico. Depois, o medo de fazer xixi ali na mesa de operação. Correram para me pegar uma comadre. Difícil fazer xixi no meio de todo mundo, mas depois de um pouco de concentração eu consegui. Será que isso é normal? Todo mundo acorda ali assim naquela situação?
Com o tempo, tudo foi passando. Eu não sei dizer se eu estava realmente nervosa naquele momento, talvez sim, ou se eram só reações físicas. Eu acho que eu acordei com a sensação de que havia algo errado, embora eu não entendesse o que estava acontecendo. Foi tudo muito tenso e desagradável.
A anestesista me disse que eu havia sofrido uma reação alérgica, mas que já estava tudo bem. Ela foi embora, eu ainda estava no centro cirúrgico.
Tive que ficar a noite no hospital em observação por conta disso.
Eu acho que eu teria ficado no quarto refletindo sobre a vida e a morte se eu não tivesse dormido até o dia seguinte de manhã. Acordei para comer e fazer xixi e ponto. Sem ânimo para reflexões filosóficas.
Parece que em uma cirurgia passada eu devo ter tido alguma pequena reação alérgica que os médicos ou não me informaram ou nem sequer perceberam. Essas reações alérgicas são assim: a cada vez que você tem, acumula anticorpos e aí, da próxima vez a reação alérgica é pior. Então, dessa vez eu ainda não tive nada crítico, aparentemente, da próxima vez pode ser muito, muuuuito pior. Ela recomendou que eu procurasse um alergista para investigar melhor essa situação.
Agora, na parte da reflexão filosófica, sinceramente parece meio irreal que algo de errado tenha acontecido. É tudo muito pouco palpável, pouco concreto. Difícil refletir sobre essas coisas. Eu estava desacordada quando algo no meu corpo deu problema. O que pensar a respeito disso? Se não fosse por ter acordado daquele jeito, para o meu conhecimento, nada teria acontecido. Esquisito demais.
Não sei o que pensar a respeito. A cirurgia foi um sucesso? A situação foi ou não foi grave? Eu deveria sentir que voltei à vida?
Não sei de nada disso. A experiência parece escorrer pelo meio dos dedos quando eu tento pensar sobre ela.
A diferença que tudo isso fez e vai fazer ainda na minha vida é majoritariamente devida à dor original. A dor da bartolinite que me levou ao médico em primeiro lugar. A médica disse que era algo genético. Não foi nada que eu fiz que me levou a ter isso, não há nada que eu posso fazer para evitar ter de novo, mas eu certamente sinto que preciso fazer algumas mudanças na minha vida. Minha próxima tarefa é continuar dando passos nessa direção.
Saí do hospital apenas com essa certeza de que algo precisa ser feito. Alguma coisa precisa acontecer de diferente do que tme acontecido. Espero manter essa convicção por tempo suficiente para que as mudanças realmente aconteçam. O primeiro passo agora é descobrir o que e como eu tenho que reorganizar na minha vida. Depois, eu tenho que agir.