Poço sem fundo.

Interessante, porque eu precisei atingir várias vezes o fundo do poço antes de finalmente perceber que o poço não tem fundo.
Quando me dei conta da profundidade insólita do poço eu pensei: o suicídio, então, deve ser o real fundo do poço.
Mas nem nisso eu acredito mais.
O suicídio é a decisão de construir um fundo artificial no poço. Do tipo: daqui eu não passo mais. Então vou me matar porque se eu continuar vivo vou inevitavelmente continuar afundando.
Claro que eu estou viva ainda. E não estou miserável o tempo todo. Já estive muito mal no passado. Atualmente minha vida é linda. Isso não quer dizer que os sentimentos negativos não existem mais.
Nos momentos de infelicidade, eu tenho que fazer um esforço homérico para impedir que a tristeza atual dê as mãos com as mágoas do passado, me deixando devastada, vazia, em total desespero. E esse esforço geralmente é bem sucedido.
Isso me mostra que existe uma alternativa. A alternativa é parar de cavar.
Parar de cavar o fundo do poço. Porque se a gente cavar, vai se enterrar cada vez mais na lama, não é? Como o poço não tem fundo, quanto mais a gente cava, mais afunda.
Mas a gente não percebe isso e continua cavando. A gente não percebe que se parar de procurar, a gente encontra menos problemas e preocupações.
Eu tenho simplesmente tentado ignorar certas preocupações e pensamentos que eu remoía antes e que não me levavam a lugar nenhum.
Ignorar significa reconhecer que estão ali presentes, sem ficar me dedicando a pensar cada um dos pensamentos negativos que pipocam na minha cabeça. Parar de ruminar preocupação e partir para abordar as soluções.
Não conclua a partir daí que eu não penso na vida, não busco autoconhecimento ou que não tenho altos devaneios intelectuais.
Chafurdar nas nossas mágoas não é algo enriquecidor. Pelo contrário. Isso chega mesmo a nos impedir de transformar experiências negativas em potência.
Quando eu estou triste, eu escrevo, desenho, danço etc.
Quando eu estou no fundo do poço, eu não escrevo nem faço mais nada. Se bobear nem banho tomo (me julga, mas aposto que sabe do que eu estou falando!).
O fundo do poço é paralisante e não nos ilumina em relação a mossa essência. Não nos leva a concepções filosóficas profundas. O fundo do poço não é nobre. É podre. Lá só tem morte, lágrimas e desespero.
Portanto pare de chafurdar na lama do fundo do poço e encontre a sua forma de transformar sua tristeza em arte, criatividade e vida boa.

Guerra contra a felicidade.

Eu estou longe de poder ser parabenizada pelo meu amor aos clássicos da literatura (ou por ter lido uma boa quantidade destes), mas eu já passei tempo suficiente conversando com gente cult para saber que escritores clássicos e as tais pessoas cult não gostam muito de felicidade ou de gente feliz.

Portanto, a felicidade se tornou, já há muito tempo, coisa de gente simples e ignorante.

É um suposto fato cientificamente sustentado que as pessoas humildes, pouco educadas, geralmente pobres, sofrem menos, pois elas processam emoções de maneira menos complexa do que as pessoas que possuem mais recursos intelectuais.

O resultado histórico da mistura de todas essas opiniões é a de que a felicidade e as histórias de amor com finais felizes são malvistas, clichês, e feitas para o povão, para a massa, que “procura entretenimento rasteiro para se distrair”.

Eu até concordo que não abundam os filmes e as histórias românticas de boa qualidade, mas isso pode ser explicado pelo fato de os bons escritores, cineastas, poetas, dramaturgos etc., serem todos cult e nós já estabelecemos que gente cult odeia felicidade.

Essa guerra contra a felicidade e as pessoas felizes tem um viés acadêmico que se soma ao viés artístico.

Acadêmicos e intelectuais tendem a olhar com maus olhos esse papo de metas e de vida equilibrada, dos hábitos das pessoas altamente eficazes e da busca pela felicidade sustentável. Eles nos dizem que essas pessoas querem varrer as emoções negativas para debaixo do tapete. Afirmam que os estudos que comprovariam os benefícios e a eficácia deste novo estilo de vida e dos métodos que devemos empregar para alcançá-lo, não passam de pseudociência, de um discurso vazio e pouco profundo, que geraria, na verdade, um ideal de felicidade inatingível.

Isso tudo é realmente muito melancólico, pois é possível perceber, a partir desse discurso, o quanto as pessoas realmente se sentem tristes ou, não exatamente tristes, mas também não muito felizes de um modo geral; isso tudo a ponto do discurso da busca da felicidade parecer uma ameaça ou uma imposição insustentável, inatingível e dolorosa.

Na verdade, a gente já gastou grande parte dos recursos artísticos, intelectuais e culturais da humanidade relatando e estudando as trilhões de maneiras de sermos miseráveis. Os tratados e obras sobre a felicidade é que rareiam.

Mas o interessante é que elas sempre existiram. Desde a Antiguidade, passando pelo renascimento e chegando aos tempos atuais – nos quais elas se multiplicam – algumas mentes se arriscaram a proferir algumas palavras e a dar algumas pinceladas em homenagem à vida feliz.

Claro que existem os exagerados, aqueles que dizem que devemos ser felizes a qualquer custo e que têm horror das tais emoções negativas, mas generalizar essa postura é um grande preconceito.

O que algumas pessoas começam a buscar não é uma maneira de decepar o lado negativo, bastante rico e construtivo sim, da nossa vida emocional, mas apenas entortar a balança para o outro lado e falar mais de amor e esperança para variar.

O que queremos é, mesmo tendo consciência das mazelas da humanidade e sentindo dor e sofrimento em alguns momentos, reivindicar o direito de vivenciar o que há de verdadeiramente bom na vida e lutar para multiplicar os momentos de felicidade, aprendendo a valorizá-los.

A busca da felicidade é absolutamente legítima. E ela não é um desrespeito ao sofrimento.

A gente conhece muito mais meios de tortura, do que meios de fazer uma pessoa sorrir. E já é hora de mudar isso.

Em 21 horas, a foto dos pés da Beyoncé recebeu 900 mil curtidas no Instagram.

Eu não sei se este deveria ser um texto de recomendação do creme que a Beyoncé usa nos pés… Não sei se deveria ser um texto sobre o fato de que o corretor automático do meu celular conhece a palavra “Beyoncé” mesmo que eu só tenha digitado pouquíssimas vezes, se deveria ser sobre o fenômeno da fama ou sobre as características divinas da diva.
Só sei que o número de curtidas que a foto dos pés dela receberam me embasbacaram.
Há poucas semanas comecei a seguir a Beyoncé no Instagram. Gosto dos hits dela (fala sério, são maravilhosos) fora isso não sei muito da história de vida ou da carreira dela, nem nunca tive uma conversa profunda com ela sobre os principais dilemas filosóficos que assolam a humanidade. Mas, quando eu vi a foto dos pés, curti.
Admirei-me logo em seguida.
O fato é: às vezes eu não curto coisas de pessoa eu conheço pessoalmente, com quem eu já tomei café na padaria; isso por pura preguiça ou falta de tempo ou tédio. Mas os pés da Beyoncé…. Aí eu curto no automático.
Então, acho que nem se trata de admirá-la ou não, gostar dela ou não (se eu tivesse que me manifestar nesse sentido, eu até diria que gosto bastante dela, mulher e poderosa o que tem para não gostar?). Esse não é o ponto. O ponto é que eu acho que eu curti por conta da quantidade de curtidas que já haviam sido dadas. Fui tomada pelo comportamento de manada. Vontade de unir a minha curtida à dos outros milhares de fãs que curtiram a foto (que serão milhões provavelmente em mais algumas horas).
Depois que me dei conta da situação, eu voltei e curti todas as fotos de conhecidos. Não sei se vou fazer isso para sempre, curtir tudo que meus amigos postam, mas eu certamente vou ser mais criteriosa na hora de curtir as fotos das celebridades.
Se eu tivesse achado o sapato bonito pelo menos… Claro que a pele dela estava maravilhosa… Mas justifica? Se fosse uma foto criativa dos pés. Mas a foto não tinha nenhuma característica excepcional (além de estar de lado, parecia torta apenas).
A foto não era representativa dos dons artísticos da Beyoncé. A foto era a prova de que ela não precisa se esforçar muito mais para ficar no topo e, aparentemente, ela teria que fazer uma merda muito grande para sair desse lugar.
No caso da Beyoncé, eu nem fico com raiva, pois, como eu disse, acho ela foda. Mas isso me abriu os olhos para o fato de que isso é bastante comum. Um artista se consagra e depois não precisa fazer muito mais para se manter no topo (eu só ouvi uma música do Ed Sheeran até hoje, por exemplo, e o cara está bombando).
O que é, então, que faz um artista atualmente? O que é ser um artista? Gravar um hit? Ter dinheiro para pagar alguém para escrever um hit para você gravar? Ter dinheiro para pagar alguém para escrever um hit para você e alguém para te ajudar no playback e ficar lá no palco sendo bonita? Escrever uma grande obra? Ter muitos seguidores? Muitas curtidas? Muitos likes orgânicos? Continuar produzindo e expulsando o que está dentro de você a qualquer custo mesmo que seja para um público fictício?
Eu não preciso verdadeiramente de uma resposta nesse momento. Mas é estranho ter que fazer essas perguntas.

Pequeno manifesto pela arte independente.

Hoje foi dia de aquarela, escrita criativa, teatro, comida boa e bonita e muita literatura.

Ser um artista independente não é fácil. Ser um artista independente e um empreendedor é mais complicado ainda. Dominar a arte criativa e a arte burocrática da administração de uma empresa de sucesso é para poucos. Certamente é o caso da idealizadora da Sonhos de Bolso, Natalia Ávila

Eu estou feliz por ser uma modesta parte deste projeto e posso dizer que tudo é feito com muito amor e muita garra. Meter as caras e fazer o projeto acontecer exige esforço e dedicação.

Eu participo do projeto ministrando, junto com a Natalia, a oficina “Alquimia da Palavra”.

Nesta oficina, debatemos os elementos fundamentais da escrita e técnicas de criação de narrativas e personagens. Tudo num mix de teoria e prática.

Este texto não é só de propaganda, não. Se acalme. Eu sei que propaganda costuma deixar a gente irritado. Apesar de vivermos num sistema capitalista; sim, quem dera o artista se alimentasse da sua arte não só emocional e espiritualmente, mas também fisicamente. Por enquanto, não tem jeito. Se você se enfurece com isso, lute pelo fim do sistema no qual vivemos e não contra o cara que quer te vender o que produz de coração.

Nossa, meu pensamento foi longe.

Sabe aquele rapaz que vende poesia na porta do CCBB? Falo assim, com essa intimidade, porque ele sempre está lá. Antes eu também não comprava os textos dele, não. Hoje em dia, eu entendo e vejo o valor nesse tipo de iniciativa.

A gente pode até reclamar dos preços dos livros que estão lá nas estantes das grandes livrarias, mas acabam sendo eles que a gente compra. A gente tem muita dificuldade em valorizar o que está próximo de nós. Preferimos os autores que não conhecemos, os artistas inacessíveis que acenam para nós da varanda do Copacabana Palace.

Isso não quer dizer que você tem que engolir tudo que a arte independente produz. Você aprecia o que fizer sentido para você. Se o cara não for bom para você, esquece. O problema é que a gente tem um certo preconceito em validar a arte de alguém desconhecido, que não tem já uma fama consolidada. A gente precisa da validação do capital – traduzido na fama ou na chancela de alguém que tem poder – para poder dizer que gosta também daquele produto.

Eu gosto da tal “inclusão digital” enquanto muitos a odeiam.

Aí a galera reclama que tem muita besteira na internet porque todo mundo faz o que quer. Faz mesmo! E que bom. Sem a internet, antes da internet, se você parar para pensar, você vai perceber, tinha muita coisa ruim também e as pessoas também faziam o que queriam. Mas… O grupo de pessoas que faziam coisas ruins e produziam o que queriam era muito seleto, porque até para isso, era necessário status e dinheiro. Hoje em dia, mesmo que você não tenha status ou dinheiro, você pode fazer o que você quer.

Pense comigo: Na Idade Média, tinha muita gente ruim fazendo um monte de merda, estas pessoas eram os homens da nobreza ou do clero. Na Antiguidade tinha um monte de gente ruim fazendo merda, eram os cidadãos romanos (homens, nascidos em Roma, que eram pais de família). Atualmente essas pessoas que possuem status, dinheiro ou fama, ainda estão por aí fazendo merda: atores famosos, deputados, presidentes, senadores. A diferença é que agora eles são obrigados a dividir o palco comigo, com o seu vizinho e por aí vai.

A produção da merda é generalizada. Não importa que seja merda, tudo que se torna mais democrático é positivo (vou arriscar essa frase agora e vou pensar mais sobre isso depois).

Ah, seria bom se não fizessem tanta merda por aí; conteúdo merda, comentário merda. Concordo plenamente. Mas é melhor que todos possam falar do que a existência de um monopólio dos locais de fala.

A discussão da Terra plana, por exemplo. Que merda! Mas, de boa, como que você foi convencido de que a Terra não é plana? Você já circulou ao redor do globo? Foi ao espaço? A gente é educado para acreditar nas “fontes confiáveis”. E é bom que isso exista. As fontes confiáveis conferem estabilidade à nossa vida. Mas se você procurar no google formas de provar que a Terra é plana, pode ser que você se surpreenda. Eu me surpreendi muito quando eu percebi que eu nunca tinha me perguntado isso antes. Foi ouvir na escola: “A Terra é redonda”, que eu anotei e nunca mais pensei nisso. Essa história toda é ainda mais absurda se você considerar que, alguns anos depois, eu ouvi, na mesma escola, que a Terra não era redonda! Ela é meio oval, sei lá. Mano, que viagem. Eu precisei da galera da Terra plana para perceber a bizarrice dessa situação. A própria escola te oferece duas versões diferentes da mesma história, mas, como a escola monopoliza a nossa educação, a gente aceita e vai embora. Aí vem a internet, com a galera falando merda por aí, e você questiona verdades elementares da sua existência. Então, eu não acredito que a Terra seja plana, eu acredito que ela seja elíptica, mas eu acredito nisso com muito mais propriedade do que antes e um senso crítico muito maior.  

Se você tem contato com um mar de opiniões diferentes, ainda que elas sejam de baixa qualidade, você, pelo menos, está sendo confrontado com a diferença e isso move as pessoas, os sentimentos, põe a cabeça para funcionar. Quando você tem uma voz consistente e poderosa te dizendo alguma coisa, é mais difícil discordar. Imagina se por um mero acaso histórico, a do Bolsonaro fosse a única voz? Todo movimento revolucionário e progressivo dependeu de uma emergência de diferentes vozes.

Na internet essa pluralidade se faz cada vez mais presente.

O que me ajuda a não ficar irritada quando eu vejo uma besteira na internet é precisamente essa perspectiva que adotei para pensar sobre o fenômeno. Se tem tanta gente fazendo bobagem por aí, cabe a nós refletir e tentar entender o que isso significa, rever e fortalecer a nossa voz singular, tentar encontrar o que nos agrada mais, o que tem mais afinidade com os nossos valores e percepções, no lugar de tentar, tiranicamente, fazer as pessoas se calarem e continuarem ouvindo as mesmas vozes chanceladas por um poder que escapa completamente das nossas mãos.

E se você ficar irritado além da conta com alguma bobagem da internet, ainda tem duas ferramentas maravilhosa que são “compartilhar + escrever publicação”. Ou seja, vocêzinho também pode falar merda na internet! Porque, pasme você, mas, enquanto você acha que tudo que você fala é pérola, tem gente que acha que você só fala merda. Acredita nisso?!

Retomo então a história do cara que ficava na frente do CCBB. Quando eu comecei a me dar conta de que as pessoas compram e, às vezes, leem um best seller caro de livraria só porque algum funcionário colocou o tal livro numa prateleira com uma placa que dizia que aquele era um best seller mundial – sem que você conheça o autor ou do que trata o livro – mas apenas pelo puro e simples poder daquela plaquinha, e nem cogitam gastar dois reais para conhecer a literatura do cara do CCBB, eu me dei conta de que tinha alguma coisa muito triste e equivocada. E eu fazia a mesma coisa, confiando na chancela da notoriedade. É coisa de você se pegar pensando: “Lá vem esse cara encher o saco, vou ali dentro na livraria para escapar dele, aproveito e compro a Trilogia Tebana”. Esse é um pensamento estúpido e sem sentido. Não estou falando contra os best sellers, sou vítima de alguns, nem contra os clássicos, estou apenas tentando falar a favor de quem não se enquadra nem em uma nem em outra categoria.

Novamente: se não tem qualidade para você, não absorva essa arte. Não vai te fazer bem. Mas abra sua mente para sofrer desgosto dos artistas independentes e não só dos famosos, você pode acabar se maravilhando com esse universo. A arte independente está em todos os mercados e nichos, você vai achar algo para encher os olhos e se refestelar. Exemplos de nichos onde você encontra produção independente: cerveja, comida doce e salgada, roupa, literatura, pintura, decoração, fotografia e muito mais. É um universo infinito.

E não se engane, tem muita gente foda por aí que vai morrer pobre e sem casa própria.